sábado, 28 de setembro de 2013

Notificação de erros associados aos cuidados em saúde: desdobramentos

O post Notificação de erros associados aos cuidados em saúde: está o Governo no momento e no caminho certo? foi o mais lido de agosto em Saúde Web, atraindo a atenção da revista FH (antiga Fornecedores Hospitalares). Estão trabalhando matéria sobre o tema, e a expectativa é de que o Governo traga respostas às perguntas feitas no artigo original, fechando esta discussão com chave de outro, e a contento de todos os envolvidos. Por isso, o momento é interessante para que o debate, em comentários, seja ampliado. Abaixo alguns artigos interessante e relativamente recentes sobre o tema:

Reasons for not reporting patient safety incidents in general practice: a qualitative study. Scand J Prim Health Care. 2012 Dec;30(4):199-205. 
While most respondents were initially positive towards the idea of reporting and learning from patient safety incidents, they actually reported very few incidents. The major reasons for the low reporting rates are found to be a perceived lack of practical usefulness, issues of time and effort in a busy clinic with competing priorities, and considerations of appropriateness in relation to other professionals.

Barriers to the operation of patient safety incident reporting systems in korean general hospitals. Healthc Inform Res. 2012 Dec;18(4):279-86.
Participants suggested 96 barriers to incident reporting in their hospitals at the organizational and individual levels. To resolve and overcome these barriers, 104 recommendations were suggested. The high-priority recommendations included introducing reward systems; improving incident reporting systems, by for instance implementing a variety of reporting channels and ensuring reporter anonymity; and creating a strong safety culture.

Learning from Taiwan patient-safety reporting system. Int J Med Inform. 2012 Dec;81(12):834-41.
To encourage hospital staff to report incidents, hospitals need to be assisted in establishing an internal report and management system for safety incidents. Hospitals also need a protection mechanism to allow staff members to report incidents without the fear of punishment.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

É a isto que tanto me refiro:

"Boa Tarde
Estamos selecionando médicos para vaga hospitalista plantonista para o Hospital Parque Belém na zona sul de Porto Alegre, o trabalho é basicamente receber os pctes regulados com a central de leitos de Porto Alegre (+ ou - 7pcts/dia), fazer nota de internação, solicitar alguns exames (somente marcar na folha) que achar pertinente e fazer a prescrição (prescrição eletrônica padrão + alterações). Todos os pacientes tem seus médicos assitentes que prescrevem e evoluem diariamente, o plantonista precisa atender intercorrências no hospital com por exemplo dif. respiratória que não tem prescrição de nebulização, vômitos sem plasil prescrito, dor sem morfina, etc...... problemas corriqueiros, eventualmente casos mais graves temos a UTI que sempre nos da suporte, seja transferindo o pcte ou discutindo o caso e algumas vezes avaliando o pcte junto ao leito com o plantonista.
Realmente o plantão é BEM tranquilo, temos quarto confortável, televisão, frigobar, chuveiro, enfim ambiente tranquilo para se trabalhar e possibilidade de estudar entre um atendimento ou outro.
Temos interesse em contratar plantonistas em regime de CLT cuja a carga horária é de 96hs mensais que devem ser contempladas em um plantão de 12 hs noturno durante as semanas (48h- 4 plantões de 12hs noite) e 48hs em final de semana e feriados, o valor é de aprox _*R$5.250,00 líquido*_, com todos os encargos como férias 13º salario, fundo de garantia e insalubridade (poucos locais pagam insalubridade o que possibilita a aposentadoria um pouco antes dos demais).
Att,
Coordenador Médico Hospitalista"

Recentemente havia escrito novamente sobre o assunto em Saúde Web: A medicina veterinária brasileira tem hospitalistas. Muitos hospitais para humanos que pensam ter, não têm. Outro cuja leitura sugiro é Roubadas de carreira como hospitalista.

E independente da discussão sobre modelos, onde vamos com "médico para prescrever Plasil" e plantão em hospital para ser tranquilo, enquanto confortável era para ser a casa da gente, com a família da gente, menos trabalho, e mais intensidade (cognitiva e física) e resolutividade quando em serviço?

Separar o atendimento "principal" de coisas como "vômitos sem plasil prescrito" não é um grande tiro no pé? Será possível defender o Ato Médico se nós próprios desvinculamos nosso atendimento de coisas que, isoladamente, ninguém em sã consciência consegue justificar como custo-efetivas para serem médico-específicas? Com um sistema que identifique bem alergias, um bom protocolo e uma macaco bem treinado, é possível garantir "prescrição de plasil para vômitos sem plasil prescrito"...

Não estamos repetidamente errando ao estimular "de dentro" categorias de profissionais médicos que se assemelham em muito aos midlevel providers norte-americanos, para que, o dia em que forem oficializados pelo governo brasileiro como "bacharéis", reclamarmos em tom de quem é apenas vítima? 

Faz com que R$5.250,00 líquido seja muito... Além de que alguém já está recebendo para fazer uma prescrição que deveria conter elementos necessários para o adequado gerenciamento de sintomas tão prevalentes em pacientes hospitalizados. Não fica tão evidente, por enquanto, pois envolve duas fontes pagadoras absolutamente desconectadas. Por enquanto... cedo ou tarde, novos modelos de remuneração virão.

A diferença entre isto, com dois recebendo para fazer trabalho de um, e dois batendo o ponto e apenas um trabalhando não é grande, ao menos filosoficamente falando. É claro que percebo que a proposta também inclui tarefas que não se encaixariam neste crítica, como o atendimento de algumas intercorrências. No entanto, ainda assim, existiriam formas mais custo-efetivas de lidar com a demanda, como a partir de times de resposta rápida compostos por médicos já na folha de pagamento da instituição.

Nesta contexto, o papel da Acreditação (minha maior experiência é com a internacional da JCI) é bastante positivo. Exigem padrões mínimos para o prescritor principal, seja ele um médico assistente tradicional ou um verdadeiro hospitalista, onde algumas coisas obrigatoriamente devem ser previstas, antecipadas, e a prescrição parametrizada para responder ao problema em diferentes circunstâncias e intensidades.

domingo, 22 de setembro de 2013

Less is More versus More is More

Divulgo texto. São pessoas como o autor Luis, indivíduos "com tempo" para fazer estas coisas (uma franca provocação à desculpa da falta de), que me fazem seguir acreditando na Medicina. Pessoas que pensam, certo ou errado - mas coisa linda o simples ato de pensar [mais] livre, solto... Às vezes erra então, no momento ou na antecipação. E várias não ajuda muito, como quando critica aquilo que traria conforto (há algo mais inquietante para a mente e o coração do que a dúvida???) e não tem respostas definitivas para dar...

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Mais médicos generalistas. Mais saúde para todos.

por Ricardo Ayache, médico

Os debates sobre a saúde brasileira intensificaram-se nos últimos meses. Todos os meios de comunicação têm, exaustivamente, colocado a disposição da população números, opiniões e estudos na tentativa de encontrar explicações e, até mesmo, soluções para os problemas, cada vez mais evidentes do nosso sistema de saúde, seja público ou suplementar.

Fontes de financiamento insuficientes, gastos assistenciais galopantes, má distribuição de médicos pelo país, ausência de um plano de carreira para os profissionais da saúde, estruturas de atendimento deficitárias, judicialização do setor e excesso de regulamentação, são alguns dos problemas mais evidentes.

Será de grande valia focarmos nos debates para questões estruturais como a formação médica. A maioria absoluta das escolas de Medicina do Brasil é alicerçada no modelo flexneriano, que data de 1910. Voltado para a formação de superespecialistas, centrado nas doenças, nos hospitais e na incorporação acrítica de novas tecnologias, trouxe grande contribuição para a evolução da Medicina ao sistematizar o ensino médico dentro de preceitos científicos, mas, paradoxalmente, afastou os médicos da abordagem preventiva, psicossocial e econômica da saúde, e de uma compreensão mais holística do homem, essenciais para o exercício da Medicina, também, como arte. Este modelo contribuiu, ainda, para a concentração dos médicos nas grandes cidades.

Outro aspecto que precisa de abordagem profunda é a crescente influência das indústrias farmacêuticas e de equipamentos na prática médica. Se por um lado promovem melhores tratamentos e aumentam a expectativa de vida da população, por outro, induzem profissionais e pacientes ao consumo de medicamentos e exames, nem sempre necessários, para alimentar um mercado mundial que movimenta mais de US$ 210 bilhões/ano. Uma verdadeira mercantilização da vida que tem levado à expansão dos gastos com a saúde da população a níveis preocupantes, muito acima do crescimento econômico mundial. Equalizar essas situações é um dos grandes desafios das políticas públicas atualmente.

O Brasil é um dos países com maior número de tomógrafos, ultrassons e ressonâncias do mundo, onde cerca de 70% dos exames são praticamente desnecessários, movimentando mais de US$ 3 bilhões/ano.

São inúmeros os estudos que demonstram risco iminente de colapso na saúde, em países que adotam esse modelo assistencial, que, além de ser insustentável economicamente, trouxe um desgaste sem precedentes na relação médico-paciente. Assim, acreditamos num modelo assistencial voltado para uma visão mais humanista da saúde, focada na formação de mais médicos generalistas; em ações voltadas para a prevenção e a promoção da saúde; em políticas públicas capazes de fixar os médicos no interior do Brasil e que destinem maior orçamento para o setor; e no uso racional de novas tecnologias e terapias em prol da vida e não como mecanismos de incremento das desigualdades.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Humanização é com o Mundo Animal!

Quando fiz este texto e publiquei no Facebook, em recente madrugada, não tive pretensão de nenhuma grande análise – apenas quis dizer que nosso sistema de saúde está uma porcaria, uma m... (o público, e acrescento agora o de planos de saúde) . E que é simplória a tese de que Mais Médicos é solução.

"Os médicos têm razão em quase tudo que envolve suas críticas ao Programa Mais Médicos. Erramos ao não abordar melhor ao longo da história recente alguns problemas, principalmente aqueles difíceis de diferenciar entre problemas do sistema e má vontade dos profissionais que nele atuam. Demandaria tempo com explicações [do óbvio aparente] e algumas atitudes que, por não serem isentas de riscos, estamos adiando demais como corporação. Os usuários do SUS e outros eleitores não enxergam o todo. E os médicos ficam irritados com eles, o que só tem piorado a atual situação. O momento é complexo e estamos perdendo a briga. A culpa do caos na saúde pública é nossa. O Governo aponta com solução e humanização.

Encontro-me aguardando cirurgia da minha cadela Mel. Chegando ao hospital veterinário, foi atendida em menos de 10 minutos. Em 30 minutos, tinha a ecografia abdominal laudada e o diagnóstico confirmado. O tempo até a primeira dose do analgésico e depois do antibiótico foi impressionantemente ágil. Padilha utiliza-se de um discurso cheio de verdades, fala em mais atenção e menos exames, mas distorce a realidade dando a entender que mais coisa é supérflua do que realmente é. Para quem não é profissional da saúde entender, uma ecografia deve ser vista em algumas situações, tanto na atenção básica quanto em urgências, como extensão ideal do tradicional exame físico. Padilha quer fazer acreditar que com boa vontade, basta Mais Médicos. E tem tido resultado!

Em longos anos trabalhando no Hospital Conceição, modelo para o Ministério da Saúde, e de onde saí porque literalmente enchi o saco, poucas vezes vi algo parecido com o que presenciei no hospital veterinário. Qualquer primeiro atendimento costuma demorar mais (embora falem em ‘acolhimento’); uma ecografia quando realizada em 24hs no Conceição era motivo para almoço festivo no Bourbon Country (mas adoram falar em ‘humanização’). O que dizer então das organizações de saúde menores do SUS? O que é acolhimento e humanização???

Nós médicos não nos damos conta que as pessoas leigas não percebem o óbvio ao discutir Saúde. Humanização no setor deveria se traduzir por mais eficiência (a mesma que encontrei no Mundo Animal) e menos discurso. Segurança do paciente, a nova onda do Governo, é ciência a ser aplicada em sistemas funcionando minimamente bem, com foco no erro humano e no que chamo de “erro do bem”. Pois no Mundo Animal percebi cenário interessante para aplicar cada capítulo do livro que recentemente ajudei a traduzir (Compreendendo a Segurança do Paciente, Artmed 2013). Diga-se de passagem, no hospital veterinário fui apresentado a consentimento informado do jeito que tem que ser. Primeiro fui informado bonitinho, depois assinei um termo. Processo funcionando melhor que em muito hospital com isenção fiscal pelo Governo, de parcerias público-privadas de efetividade questionável, e selos de qualidade por acreditadoras nacionais ou até internacionais.

O SUS talvez não precise se preocupar imediatamente com o livro sobre segurança do paciente. Eu diria que só depois de chegar no patamar do Mundo Animal. Seria algo como desumanizar para humanizar de verdade.

Fazendo o mínimo que tem que ser feito, importa pouco o resultado. Difícil é quanto falta o básico e ainda sobra demagogia. Capítulo do livro Compreendendo a segurança do paciente, como, por exemplo, Erros cirúrgicos, só faz sentido se negligência e desprezo não estiverem saltando aos olhos, sob a forma de "erros do mal" impostos por sistema capenga e responsáveis mequetrefes. Naqueles funcionando minimamente bem, aprendi estudando erro humano que é possível e existe o dever de melhorar, mas sequer incluo esta etapa na minha equação de satisfação do usuário, de forma que ao Mundo Animal, independente do resultado e da interposição de eventuais erros, já posso dizer “muito obrigado”.

Ao usuários do SUS, desejo sorte, variável que considero pouco importante, mas é o que estamos podendo oferecer."

Publicado, recebi resposta. Insinuando que terei portas fechadas em territórios de meu interesse com este tipo de crítica. Perco oportunidades, mas não abandono algo que considero precioso: capacidade de pensar, criticar. Se for necessário, mudo de opinião, mas omitir-se é covardia.

Quem pensa que o contraponto atacou questões como o fato de que a assistência veterinária que valorizei poderia ser facilmente comparada com o sistema de saúde norte-americano, onde para quem tem acesso/cobertura o resultado é bom, existindo, no entanto, milhões de “uninsured patients”, jogados a própria sorte, está enganado. Acabo de receber uma enorme resposta tentando dizer que o sistema que estou criticando está ficando uma maravilha, que nunca na história desde país..., tudo graças aos esforços do PT e da esquerda brasileira. E aí, meus caros, desisto seletivamente até mesmo de pensar. Não se converte ninguém já com pacto firmado para campanha eleitoral. Nossa única chance de melhorar seria através de visões mais críticas sobre justamente o que defendemos...
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