domingo, 8 de dezembro de 2019

Devemos individualizar sempre?

Isso como mantra há algum tempo tem incomodado-me: território para coaches que supostamente vendem soluções para tudo.

Mesmo que, em decorrência da autonomia, conduzamos nossos paciente por caminhos não adequados - do ponto de vista estritamente técnico, nosso papel é fazer com que tomem a decisão o melhor informados possível, os apoiando, direta ou indiretamente, no caminho que escolherem.

Mas informar, por vezes, é contrariar. E contrariar ampara-se justa e precisamente na questão das médias! Ou deveria...


 

domingo, 1 de dezembro de 2019

Profissões Não Médicas da Saúde: não percam o cavalo encilhado!

Temos um dito popular, no Rio Grande do Sul, que diz: "o cavalo encilhado não passa duas vezes".
Pois a Medicina é uma enorme fonte de ensinamento por seus equívocos, caminhos mal escolhidos, consequências negativas não intencionais de decisões ancoradas em boas intenções, outras nem tanto (corporativismo excessivo) - mas ainda assim habitualmente não conscientes.

Não porque a Medicina é intrinsicamente pior do que qualquer outra profissão da saúde, mas simplesmente porque possui maior vivência em inúmeros territórios com estradas escorregadias ou mesmo porções de terra movediças. 

Já abordei a questão dos conflitos de interesse em outros textos. Os médicos eram "privilegiados" pelo assédio quase exclusivo da indústria até pouco tempo. E eram fortemente criticados por todas as outras profissões da saúde. Quando o fenômeno diluiu-se, passaram elas a reproduzir o que médicos afundados em relações conflituosas costumavam dizer: "não sei quanto aos outros, mas eu sei gerenciar". Quando não aceitavam a vulnerabilidade dos outros, mas mantinham o discurso do "eu ético"(expressão que já compôs título de um deles: O cérebro ético na Medicina (o eu ético – o outro não), Saúde Business 2015.

Mas recentemente, outra perspectiva restou-me evidente, após um post de Instagram.

Contato divulgou festivamente o encaminhamento da solicitação de alguns exames:


Curioso, cliquei no perfil do "candidato à doente". Um adulto jovem, sadio por avaliação obviamente superficial, mas constituição corporal de gente provavelmente muito sadia mesmo. Compartilha momentos em atividades físicas, e comendo churrasco.

Então brinquei: "Muito legal ficares expondo meus colegas médicos... provavelmente um monte de exames desnecessários". 

Eis que, contrariando minha interpretação, essa foi a resposta:

"É nutricionista. Mulher dele kkkkk. Ela pede um monte de exame e com frequência. Pro lab é bom hahahahaha". 

Resolvi dar trela:

"Possui perfil lipídico recente, alterado?"

"Normal".

Não, não sou dos que acredito não servir para nada, inclusive valorizo bastante uma avaliação basal como rastreamento de hiperlipidemia familiar, ou simplesmente para avaliar risco cardiovascular. Entretanto, se o resultado é normal, novas solicitações devem ser guiadas por alguma mudança no panorama global e o potencial de intervenções melhorarem desfechos clínicos. Ou não?

Para quê B12 já junto do hemograma (com anterior normal)? Num carnívoro!!!!!

Albumina??? Considerando probabilidade pré-teste para quê? Desnutrição???? Inadequação nutricional? Qual seria a probabilidade de representar qualquer falso-positivo ou artefato? O que estaria pensando em fazer depois?

Então lembrei de quando iniciei com meu Educador Físico há cerca de 15 anos e ele solicitava que os alunos com baixa probabilidade pré-teste para complicações trouxessem autorização de cardiologista para início de atividades - consigo, pois na imensa maioria das vezes já praticavam, sem orientação. Meu Educador Físico possui mente científica - é, na verdade, um cientista na sua área. Ao longo de anos, o fiz refletir: "adultos jovens saudáveis precisam necessariamente ver um cardiologista, ou poderia ser um clínico ou médico de família? Testes cardíacos realmente evitam o que estás temendo? O prejuízo probabilístico não será maior se criares obstáculos à atividade física bem feita? Quem sabe em paralelo, então? Não desperdiça a "janela de oportunidade" dos teus pacientes! Não terão educadores físicos ideais condições de triar definitivamente os casos de muito baixo risco, sem ajuda do médico?". Nitidamente modificou postura, cresceu como profissional, como especialista que é.

O que nutricionistas precisam dar-se conta é que, na maioria das vezes, não precisam dos exames para orientar o que precisa ser orientando, mesmo adaptando-se à variação aceitável nas preferências nutricionais das pessoas. Casos excepcionais devem ser tratados como tal, e provavelmente em equipe multiprofissional. Até mesmo nos casos de pacientes não saudáveis, o tipo de competência e habilidade que precisam fortalecer é para mudar comportamentos (e já há ciência nesse campo, ansiando por aplicação, área que muitos poucos médicos fazem bem) - o pulo do gato não está em exames diagnósticos. O que precisam para entender que assim movimentam-se de encontro do fortalecimento da própria profissão? Ou, pelo menos, ao encontro de um lugar onde a magnitude dos benefícios pretendidos é questionável para pacientes, embora ainda lucrativo, em que profissões amontoam-se, quando não acotovelam-se, cada vez menos diferenciadas... 

Felipe Reis, um fisioterapeuta fora da caixa, parece concordar um pouco comigo quando escreve:

Leia na íntegra clicando


sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Sobre a "colcha de retalhos" que está virando a assistência hospitalar

Modelos de assistência per si podem aumentar ou diminuir fragmentação do cuidado. Por isso defendo a figura de um generalista como elo de ligação entre todos os envolvidos no cuidado hospitalar, tornando o "quebra-cabeças" da assistência mais simples.

Optando-se por hospitalistas, ainda assim, há arranjos melhores do que outros.

Outro elemento poderoso em favor da transversalidade do cuidado pode ser tecnologia, como através de robôs.

Enfim, campo amplo para possibilidades, acertos e desacertos. O que não pode é um médico diferente a cada dia no hospital, e como tem crescido! Eu chamo o estereótipo disso de "colcha de retalhos" da assistência hospitalar:

Leia artigo em Saúde Business!

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Intervenções médicas em demasia: um problema da medicina atual ou com raízes mais profundas? O que sangrias e stents têm em comum...

Há quem defenda ser a incorporação tecnológica contemporânea a principal força motriz por trás do Overuse e do Low Value Care. Acredito ser predominantemente a mente humana, naturalmente crente e supersticiosa, apenas estimulada por diferentes (alguns nem tanto) fatores externos ao longo do tempo. A história da Medicina corrobora essa interpretação:

Na manhã de 13 de dezembro de 1799, George Washington, então com 67 anos, despertou com sintomas gripais. O quadro deteriorou rapidamente. Na manhã seguinte, três profissionais foram vê-lo: James Craik, seu médico pessoal, levou ainda os colegas Gustavus Brown e Elisha Dick. Diagnosticaram uma epiglotite aguda com obstrução parcial de via aérea. 

Foram feitas repetidas sangrias (500 + 500 + 1000ml). Depois do último procedimento, "mais forte", o quadro pareceu melhor. Quando mais tarde voltou a piorar, indicaram nova. Desta vez, entretanto, o sangue fluía muito lentamente. 

O então ex-presidente dos EUA, sobrevivente de batalhas arriscadíssimas, teve ainda outros 300ml de sangue retirados pelo próprio capataz, na madrugada anterior à chegada dos médicos. O procedimento era comum e culturalmente aceito. Albin Rawlins, que já havia atuado como sangrador, ficou confortável em "adiantar as coisas", à moda antiga, semelhante à figura ao lado.

George Washington, um gigante de um metro e noventa, perdeu cerca de meia volemia em menos de 24hrs! Os médicos responsáveis disseram que as intervenções representaram esforços repetidos para salvar a vida do paciente, sem sucesso. Naquela época, uma minoria dos profissionais já questionava a prática de sangrias, e vozes surgiram dizendo que o renomado político havia falecido do que chamaríamos contemporaneamente de "choque hemorrágico iatrogênico".

Pintura clássica de George Washington antes de morrer.
Curiosamente, no mesmo dia em que o "Pai da Nação" faleceu, 14 de dezembro de 1799, houve uma resolução judicial digna de nota. Tratou do processo de Rush contra Cobbett. O primeiro, um periodista inglês que vivia na Filadélfia, escreveu matéria após análise de casos, concluindo que as sangrias prescritas por Benjamin Rush estavam causando mais danos do que benefícios a pacientes. Rush era admirado em todo os EUA. Havia escrito 85 publicações de alta importância. Era tão respeitado que chegou a ser conhecido como o “Hippocrates da Pensilvânia”, e virou estátua em Washington D.C. A sentença trouxe a Cobbet a obrigação de indenizar Rush com 5.000 dólares, a maior multa já aplicada na Pensilvânia até então.

Enquanto assunto eminentemente médico estava sendo decidido em corte judicial norte-americana, do outro lado do oceano, caminhava-se, em passos lentos, na direção de uma maneira melhor para avaliação de intervenções em saúde. Importante destacar os esforços prévios de indivíduos como James Lind e Gilbert Blane. Mas foi em 1809 que Alexander Hamilton passou a estudar especificamente os efeitos das sangrias utilizando-se da grande novidade: o ensaio clínico randomizado. A mortalidade dos pacientes sangrados foi 10 vezes superior aos não sangrados!

Todavia, não publicou seus resultados. Foram necessários mais alguns anos para outros médicos, como o francês Pierre Louis, confirmarem as conclusões de Hamilton. Quando publicou, em 1828, muitos colegas, ainda assim, rechaçaram os resultados pois representariam “apenas números”. Tentaram lacrar com “cuidamos de pacientes individualmente, à beira do leito”. Louis contra-argumentou dizendo que era impossível saber se um tratamento é capaz ou não de salvar um paciente individual, não havendo demonstração de eficácia e segurança em um grande número de pacientes. “Sem ajuda da estatística não é possível a prática de medicina real, individual”, disse Louis (que bem poderia ser apenas Luis).

Apesar da invenção do ensaio clínico randomizado e das evidências contrárias ao procedimento, muitos médicos no mundo todo continuaram a realizá-lo, tanto que a França importou 42 milhões de sanguessugas em 1833 - uma "nova forma de fazer sangria".

Eis que em 2019, um robusto ensaio clínico randomizado aponta para o fato de que desentupir os vasos do coração em quem possui obstruções significativas ao fluxo sanguíneo não reduz infarto ou morte. O norte concentual, apontando para o mesmo lugar, já existia. É possível dizer que talvez já estivesse inclusive consolidado, por mais que de tempos em tempos evidências mereçam ser revisitadas. Mas, mesmo com a evidência de qualidade disponível, presidentes modernos como George W. Bush submeteram-se ao tratamento, precisamente na condição específica onde o stent é indubitavelmente desnecessário - em pacientes completamente assintomáticos. Não apenas assintomático: Bush percorreu 30 milhas de bicicleta em um evento que homenageou veteranos da guerra do Iraque pouco antes de um "check-up cardiovascular". Bush era um assintomático com boa aptidão funcional!


Do caso mais emblemático sobre o qual discuti a necessidade do procedimento cardíaco para paciente estável, num período de Natal e Ano Novo - eu, um clinicão (no sentido bem pejorativo da palavra mesmo), debatendo com um cardiologista auto-apresentado como com formação na Harvard - é impossível não lembrar agora. Sequer questionei inicialmente o procedimento diagnóstico em si após um teste não invasivo positivo, mas a urgência, o time da realização. O cardiologista profeticamente não pôde esperar 15 dias (e, portanto, traduzir serenidade ao seu paciente para que pudesse ao menos considerar aproveitar as festas de final de ano com a família), mesmo que estudos como o também robusto Courage, de 2007,  já apontassem para outra história natural da doença em questão. Agora, este mais recente nos escancara uma taxa de eventos e mortes sobreponível entre pacientes com teste de isquemia positivo tratados com stents ou não, em um seguimento médio de 5 anos. Ora, cardiologistas precisam ter, como dizem no interior do Rio Grande do Sul, culhão, dando tempo para que os pacientes em condições não agudas pensem, poderem caminhos, pensem mais, e tomem decisão. Mas, como médicos não minimizam muito o risco das pessoas com intervenções instantâneas em situações crônicas, e sempre restará um risco residual, e os eventos podem acontecer (agora, mais do que nunca, sabemos que com ou sem stents), não aceitam, eles próprios, correr o risco. São cardiologistas que tratam inconscientemente a si próprios, buscando justificativas nos pacientes, mesmo que não enxerguem assim - e racionalizam justamente para não percepção, como compreensível mecanismo de ajuste mental.

Então será a "medicina heróica" realmente a prática atual, determinada por vetores modernos como Dr Google? Pois o termo foi inventado no século 20 para descrever as práticas do século 19, período em que pacientes eram submetidos a sangrias e outras intervenções como grandes doses de mercúrio e arsênico. O único fator em comum ao longo dos séculos é a mente humana e seus consequentes comportamentos instintivos, crentes, além, é claro, dos conflitos de interesse financeiros e não financeiros (tão ou mais importantes). 

Ainda assim, reconheçamos: stents definitivamente não são sangrias! Possuem baixa taxa de complicações e mais e melhores indicações, apesar de que até para sangrias existem algumas bem restritas na atualidade. Mas há enorme semelhança na base filosófica por trás das inadequações comparadas nesse texto. Como escreveram Simon Singh e Edzard Ernst, fontes também do conteúdo histórico trazido aqui, "as afirmações exageradas sobre a eficácia de um tratamento raras vezes são consequências de má-intenção deliberada. Geralmente, são o resultado de uma 'conspiração do bem' -  todos têm boas intenções: o paciente quer melhorar*, seu médico quer que a intervenção que recomenda traga resultados, a indústria farmacêutica também quer que tudo dê certo. O ensaio clínico randomizado é uma forma de evitar que conspirações de boa vontade ganhem corpo à revelia da verdade". 

* percebam, pelos estudos Courage, Ischemia e outros, que inclusive "melhoram". Sendo mais do que natural a ilusão, com forte aparência real, já que não enxergam o todo e realmente sobrevivem com o stent. Além de que pacientes melhoram pelo simples cateterismo, sequer precisam do stent (veja aqui na figura sobre os estudos Defer e Fame2). 

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Recebi há pouco solicitação de amizade em rede social de alguém "hospitalista".

Identifica-se atualmente como:

    • Médico Plantonista UTI na empresa Hospital da Cidade 1

  • Médico Pneumologista na empresa Hospital da Cidade 1

  • Médico Plantonista UTI na empresa Hospital da Cidade 2

Sugere que assumiu como hospitalista no Hospital da Cidade 1. Pode ser que ainda não tenha atualizado. O mais provável, entretanto, é a total falta de foco, e portanto, total distanciamento do modelo que um dia tentei estimular no Brasil. É possível que o multiemprego nunca permita...

E precisaríamos verdadeiros intensivistas nas UTI's, pelo menos nas rotinas. Alguém poderia dizer: "é plantonista, não roteiro". Mas provavelmente não há rotina lá...

Choosing Wisely para a Terapia Intensiva: a etapa de implantação local nas UTI´s

Um contribuição para melhoria do cuidado de alguém que hoje é mais intensivista de atuação do que hospitalista.

Leia artigo clicando na figura.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Fujamos da tentação de tornar qualidade hospitalar uma profecia autorrealizável!

Antes de testes mais robustos, especialistas em qualidade dizem: “não é ciência tradicional, precisamos de fluidez”. Quando um teste destes leva menos de 24hrs, é burocracia ou uma espécie de conforto mental que nos faz gritar: “Páre! Até aqui está bom!”???
Link para Saúde Business
A pressa e o excesso de informações e de ações prejudicam a relação ruído-sinal nos hospitais. Os ruídos são aquilo que deveríamos ignorar; os sinais são aquilo no que é preciso focar, cabendo ainda hierarquização entre eles. Na prática atual, somos levados a abordar tudo como iguais e praticamente juntos. Gastamos tempo e energia demais com acontecimentos raros e sabe-se lá se verdadeiramente remediáveis. Além do que, a realidade hospitalar é muito mais labiríntica do que as vozes suaves e as lineares narrativas dos comuns solucionadores simplórios: “Risco de queda, pessoal! Inaceitáaaaavel! Levantemos cabeceiras e desestimulemos o vô e a vó a sair do leito. Se preciso, ajudamos com fraldas, sondas vesicais, contenções mecânicas, e oferecemos o banho no leito”. E o idoso não cai, mas o transformamos numa caricatura do que era até um pouco antes de hospitalizar, favorecendo ativamente declínios cognitivo e funcional…

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Textículo sobre O Futuro da Clínica Médica no Brasil teve alcance diferenciado!


Houve grande número de visualizações, comparando-se a outras postagens minhas. Não sei se tocou um número significativo de generalistas que venha a compor algum movimento melhor do que existente hoje. Somos poucos na luta que represento, e desarticulados ainda.

Na mesma noite da publicação, recebi convite para compor mesa com título homônimo, no 15o Congresso Brasileiro de Clínica Médica. Não está na programação do congresso, de acordo com o site oficial, até a postagem desse texto, o que me faz pensar que a ideia surgiu da minha provocação. Participaria da mesa ainda, conforme mensagem enviada, o presidente da SBCM, ACL.

Pensei, pensei, pensei... Convites assim sempre tocam os médicos e não foi diferente comigo... Pensei muito... Balancei algumas vezes - a vaidade que todos possuímos, em maior ou menor grau, reforçou o convite... Ao cabo, decidi declinar. E explico porquê:

Acredito que a SBCM é parte importante do problema! Não foi o caso de fugir do debate - amarelar, como se diz por aí. Mas interpretei que não era esse o tipo de posicionamento esperado por quem fez o honroso convite, na melhor das intenções. Um convite de alguém para que eu visitasse sua própria casa, representada pela regional de organiza o evento, além da própria SBCM. Então, eu não faria nenhuma supresa, por educação e respeito. Ao mesmo tempo, não seria eu mesmo se não aprofundasse todos os elementos que entendo como mais relevantes para a crise da especialidade no Brasil.

No meu texto original, uma das questões principais que tentei trazer refere-se a total indefinição entre o papel das especialidades clínicas no Brasil (em outras palavras, falta de organização sistêmica, de hierarquização do trabalho médico, de um modelo de assistência). Ocorre diferente em vários países cujos indicadores de saúde são melhores que os nossos! Aí olhamos para nosso representante maior na Clínica Médica e...


não sabemos se

é generalista 

ou cardiologista! 😏




O problema é que minha colocação remete a um viés de confirmação reverso. ACL provavelmente for muito bom nas duas frentes, e segue defendendo-se bem no mercado dessa forma. Possui uma mente brilhante! Conversando com amigo "clínico geral" e bastante destacado também, ele justificou que faz, e bem, Clínica Médica Ambulatorial e Hospitalar - como contraponto ao "meu hospitalista" e ao isso ou aquilo como foco principal. Vejo como absolutamente humano nos vermos assim, mas a soma de nossas auto-imagens não pode contrariar fatos. Então aproveitei para dar uma quebrada no assunto, e dizer que tinha dúvidas sobre algumas questões que envolviam a saúde dos meus pais. Perguntei sobre vacinações necessárias como idosos que são, além de aconselhamento genético e recomendações como futuros viajantes internacionais. E ficou evidente que não tinha na ponta da língua. É verdade também que é possível estudar entre as consultas, mas será que dá para apostar nisso para o varejo, da forma como estamos cada vez mais e mais ocupados, bombardeados por um mar de informação que só aumenta?

Eis que o colega perguntou-me: "Mas você faz clínica médica, intensivismo e qualidade/segurança...". Humildemente reconheço que os anos de dedicação à Medicina Hospitalista tornaram-me um intensivista menor do que meu potencial permitiria. A meu favor, e trabalhando como intensivista em local sempre cercado de muita gente capacitadíssima, destaco o fato de não apresentar dificuldades em pedir ajuda. Ajuda que sequer existe à disposição em tantos outros cenários.

Portugal, no SNS, organizou-se diferente na assistência generalista ambulatorial e hospitalar. Internistas estão nos hospitais. Médicos da família nos ambulatórios. A relação é de parceria, e estão juntos nos congressos uns dos outros. Há áreas de intersecções, como através de consultoria, presencial ou à distância - cruzam fronteiras, mas com foco no paciente, não em ganhos por produção. Será que não chegou a hora de chamarmos os médicos de família brasileiros para uma parceria estratégica?

Vou mais longe, penso estar indicada uma aproximação entre especialidades generalistas em geral, como MFC e Geriatria. Nos hospitais, com as outras duas que definem-se por território, não órgão ou sistema. São elas Medicina Intensiva e Medicina de Emergência. Precisamos parar de competir com elas e elas conosco. Vejo possibilidades concretas de ganhos para todos nós. Há que se consolidar intensivistas, emergencistas e internistas hospitalares como a espinha dorsal dos hospitais brasileiros, com os especialistas focais na função de pareceristas importantes. Devemos nos juntar para convencer os convênios. Devemos juntos revisar RDC's e incorporar os internistas às unidades intermediárias (quem sabe com um treinamento oferecido pela AMIB), quem sabe às próprias UTI's nas noites, com mecanismos de retaguarda amparados por intensivistas titulados. E juntos costurar parcerias estratégicas também com as especialidades focais.

A complexidade de vida e da medicina moderna traz naturalmente a necessidade de conexões entre domínios.
A partir de agora, nenhuma chave-mestra sozinha abrirá todas as portas.
A Clínica Médica, para sobreviver e prosperar, precisará aprender a interagir, a construir pontes!
Em paralelo, deve convencer as fontes pagadoras do seu lugar no sistema.


Por fim, precisa a SBCM comprar a ideia de "Making Room for a New Generation of Medical Learders". É tudo que não fez nos últimos anos!!! Precisamos também repensar o evento bianual para que reúna progressivamente mais clínicos ativos e menos estudantes, que sequer fidelizamos a partir dos evento em si.

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

O Futuro da Clínica Médica no Brasil

Fiquei bastante faceiro essa semana por ter sido convidado para atividade na universidade em que me formei:

Tenho viajado bastante abordando os temas. Estive longe como em Las Vegas,  Portugal (detalhes aqui e aqui), e Washington. Tenho sido testemunha ocular privilegiada de várias iniciativas no Brasil e já possuo meu próprio case, aqui parcialmente apresentado. Sinto falta, entretanto, de penetrar melhor em alguns lugares e mentes. E gostei muito de estar com os alunos da UFRGS... 

Usei dos "hospitalistas" para tentar provocar reflexões nos estudantes da Liga de Medicina Interna local (Clínica Médica, pela AMB/CNRM). Qual o futuro da Clínica Médica no Brasil? Como podemos colaborar para que a especialidade conquiste maior importância e nos traga mais orgulho?

Já havia discutido isso aqui: Existe luz no fim do túnel para o médico generalista? Na FAMED/UFRGS, dei ênfase a algumas questões:

➽ O Internista estilo 'solitário diagnosticador de bruxarias' entrará em extinção e, se nele a Clínica Médica continuar ancorada, a crise da especialidade só piorará.

Ainda existem velhos sábios internistas com essas características e aqueles que mantêm mercado inclusive. Ocorre que estreitou para a geração atual de jovens clínicos e pouco existirá para as próximas. E o fato de um bom número ainda estar bem na carreira e de que chegará à aposentadoria sem sentir a crise na própria pele compromete e atrasa reflexões sobre o futuro dos outros.

O hospital do futuro quer o internista (preferencialmente hospitalista) para fazer bem o "feijão com arroz" do cuidado clínico hospitalar, e sem muito médico pendurado no caso (o que gera contundente vetor contrário à eficiência). Por sua vez, espera que nos casos difíceis e complexos o tal trabalho médico em equipe surja. O 'solitário diagnosticador de bruxarias' gosta de correr riscos sozinhos, buscando diagnósticos e resultados heróicos para o seu paciente (até porque comunicação e trabalho em equipe não estão entre suas melhores características). Entretanto, o hospital moderno quer, nesses casos em especial, compartilhamento de riscos, evidências de que houve soma de habilidades e competências na busca pelo melhor desfecho. Não quer "deixar o seu na reta"...


➽ O Internista "feijão com arroz" deve assimilar que fará o simples, mas não confundir simples com simplório. Vejo inúmeras situações nos hospitais em que o "feijão com arroz" é mal feito, faltando temperos pelo menos. E o internista do futuro deverá tornar-se um verdadeiro especialista no típico prato...


➽ Então o Internista que não gosta do "feijão com arroz" deve refletir fortemente sobre a possibilidade de possuir mindset de especialista focal. E quem sabe vá ser feliz fazendo alguma subespecialidade...


➽ Os centros formadores de internistas do futuro deverão incorporar novas habilidades e competências nos currículos. E, independente disto, não será com não generalistas como professores e/ou preceptores que fortalecerão a cultura necessária. Não dá mais para fazer eletroneuromiografia 80% do tempo e ser o formador do futuro internista no pouco tempo restante...

É comum o perfil com mente de especialista focal ou do estilo 'solitário diagnosticador de bruxarias' não entender o porquê do "velho com perda cognitiva e funcional, sem grandes perspectivas, com escaras até, internar para a Medicina Interna". Por quê????? Porque é óbvio que o neurologista não é o profissional ideal para assumir casos assim. E idosos com limitações também merecem o melhor cuidado possível dentro de suas realidades. O hospitalista, então, deve ser especialista em dor, em sintomas, em prevenção e tratamento delirium, em evitar iatrogenias, em quem sabe devolver o idoso para a comunidade minimizando ao máximo perdas cognitivas ou funcionais adicionais, em quem sabe garantir uma morte digna....


➽ O 'internista diagnosticador e consertador faminto' percebe a internação hospitalar como um espaço cômodo para "fazer tudo". Sem enxergar que a principal causa de uma sala de emergência lotada é uma enfermaria que não gira. Enxergam as infecções nosocomiais como mal necessário. Na busca por um compromisso social efetivo nas suas ações, precisaremos necessariamente entender o momento de fazer as coisas, e dividir o trabalho com outros ambientes de cuidado e seus profissionais.


➽ Para auxiliar na modelagem de um sistema como o que estou estimulando, Portugal impede o registro de múltiplas especialidades. Ou você é internista. Ou é cardiologista. Ao menos em período específico. Nos EUA, não possuem esse tipo de regulação, mas, na prática, ajustaram-se igual. Tanto Portugal como EUA abraçaram o internista como o 'coordenador do cuidado no hospital'. No Brasil, nos falta ainda até mesmo uma distinção melhor de quem é quem, de quem faz o que. Não é incomum aqui encontrar um arritmologista certificado atuando como tal nas quartas-feitas, enquanto nas segundas é um plantonista em Emergência (PS, como dizem os paulistas), nas quintas é um plantonista de TRR, e nas noites e finais de semana por vezes atua em UTI's para complementar a renda. Alguém realmente acha que estamos perante um ótimo arritmologista, um ótimo emergencista, um ótimo intercorrentista e um ótimo intensivista???????? É esse o sistema que queremos para tratar nossos familiares, por mais que muitas vezes seja conveniente para nós médicos? Percebam que nem citei o "ótimo internista". Porque no exemplo ele nem existe, mesmo que o arritmologista tenha feito necessariamente Medicina Interna (Clínica Médica) como ré-requisito.

“Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes

terça-feira, 23 de julho de 2019

A judicialização pode quebrar o sistema!

Chamou-me a atenção conteúdo divulgado em rede social:


Principalmente por envolver o SUS, que em tanto risco está, fui curioso buscar informações sobre a questão...

NENHUM ESTUDO COMPARATIVO!

Busca adicional encontrou publicação de protocolo de um Ensaio Clínico Randomizado, ainda com resultados pendentes.  

A judicialização, dessa forma e se minha avaliação rápida não tiver deixado passar evidências de boa qualidade, pode quebrar o sistema!

Interessante notar os comentários na rede social. Advogados e médicos defendem que Estado e Planos de Saúde não podem prevalecer sobre autonomia médica. Quando falam em autonomia médica, referem-se ao conhecimento técnico. Entretanto, deveríamos falar de autonomia médica ou evidência científica?

O discurso em prol da autonomia médica gera evidente alinhamento entre os advogados e médicos, uma aliança obviamente bem vinda no contexto de operadores do direito que defendem médicos. Mas como fica a questão se colocado o foco primordialmente nos pacientes e no sistema que os ampara???

domingo, 28 de abril de 2019

MH: Agora, onde já não foi, vai na marra....

Chega com força cerca de 15 anos depois, da maneira que tentamos evitar: https://oglobo.globo.com/economia/amil-descredencia-sete-hospitais-da-rede-dor-no-rio-23626477

Em 2004, eu, Clovis T. Bevilacqua Filho (médico) e Valdir Ruzicki (web desenvolvedor amador) fizemos aparecer no Google Brasil a palavra hospitalista pela primeira vez através do site com imagem abaixo. Depois, outros juntaram-se ao movimento.


Por trás de tudo, uma ideia maior que uma nova especialidade ou área de atuação médica. A ideia de nos anteciparmos às demandas que agora penalizam fortemente os sete hospitais do link. 

Agora, onde já não foi, vai na marra....

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Congresso SHM2019 em Washington e visita ao Programa de MH da Universidade de Chicago.

Cheguei há pouco dos EUA onde participei do encontro anual da Society of Hospital Medicine (SHM), em Washington, e depois fui visitar o programa de medicina hospitalista do Complexo Hospitalar da Universidade de Chicago.


No congresso, tive a imensa satisfação de apresentar, na sala principal desse evento de quase 4.000 pessoas, a Medicina Hospitalista no Brasil.

Uma das questões que coloquei para debate lá foi se, a exemplo de Portugal, não deveríamos permitir o registro E A ATUAÇÃO em apenas uma especialidade por período de atividade. Vejo hoje no Brasil indivíduos que fizeram 5 anos de residência médica para formarem-se arritmologistas trabalhando um dia como plantonista de enfermaria, outro em Emergência, outro em UTI, e outro, muitas vezes como voluntário, no ambulatório da especialidade que um dia sonharam fazer. Alguma chance de revolucionarem o cuidado nas enfermarias, UTI’s e emergências brasileiras, um tripé altamente fortalecido em hospitais de vários outros países do mundo? E de serem arritmologistas de ponta? Essa e outras soluções poderiam calibrar melhor nosso sistema de saúde, sem falar, como premissa até, da estruturação do cuidado com horizontalidade da medicina comunitária e da hospitalar (perfil horizontal generalista - capaz de incorporar especialidades diversas como clínica médica, medicina de família e comunidade, geriatria, pediatra) e inserção de especialistas focais predominantemente como consultores estratégicos.

Tentativas até o momento consideradas no Brasil podem estar inclusive piorando o cenário de enorme indefinição do papel das especialidades médicas. Vejamos como exemplo essa solução buscada pela AMIB (entre MH, Emergência e UTI, a terceira é a mais avançada das especialidades em nosso meio). Em 2017, lançou portaria:
No momento em que, na menor das complexidades (unidades de cuidados intermediários), define a obrigatoriedade de rotina e de especialista em medicina intensiva, sem aceitar composição com outras especialidades médica como clínica médica, não cria cenário utópico e explica, em parte, porque em hospitais de capitais com UTI's de altíssima complexidade não estabelecem nem rotinas, nem presença diurna do especialista em terapia intensiva? O ótimo pode estar sendo inimigo do bom? Uma orientação impraticável de forma sistêmica não colabora para atmosfera de relativização geral de leis e regras?


Outro ponto forte do período em Washington foi a ida em caravana de cerca de 200 hospitalistas para o Capitólio, imediatamente depois de encerrado o evento. Foram tentar exercer influências em pautas políticas relacionadas à Saúde. Uma atuação semelhante, alguns anos atrás, colaborou fortemente para conquista de remuneração por conversas para estabelecimento de diretrizes em pacientes terminais. Seria algo para grupamentos médicos brasileiros considerarem copiar.


No hospital de Chicago, passei um dia na companhia de Matthew T. Cerasale, hospitalista e diretor de melhoria da qualidade. O programa deles admite, além dos pacientes clínicos gerais (o que por si só abrange várias subespecialidades clínicas), os de transplantes (fígado, rim e pulmão). Atua ainda em comanejo com ortopedistas em pacientes submetidos a cirurgia do quadril, além de consultorias diversas. Especialistas focais lá costumam ser consultores, com poucas exceções, como Hematologia e Cardiologia (para pacientes com insuficiência cardíaca avançada, transplante cardíaco e hipertensão pulmonar grave), que atuam como MRP (Most Responsible Physician).

Matt apresentou espontaneamente aquele que foi um dos projetos principais de 2018 para o seu grupo e para o hospital: redução de uso desnecessário de telemetria. Está estampado em vários dos murais como RIghT - Reducing Inappropriate Telemetry:


Em seguida, instiguei que comentasse se desenvolviam algo específico para promoção de mobilidade no paciente hospitalizado, já que estou colaborando em iniciativa assim no meu atual hospital. Foi então que apresentou o projeto WALK. Sistematizaram todo processo para mobilização precoce, preservação de função e reabilitação. Nos casos de prevenção primária, a liderança e atuação são predominantemente da Enfermagem, com forte ativação dos próprios paciente e seus familiares. Mesmo assim, há previsão de consultoria para Fisioterapia como contingência a partir de certos achados protocolizados, que abrangem a utilização pela Enfermagem do Escore AM-PAC.

Ao final, avaliamos conjuntamente as métricas que utilizam para avaliação da performance do grupo de hospitalistas e dashboards onde organizam e apresentam esses resultados. Como, em média, um paciente no serviço deles é atendido por 2-3 médicos diferentes (o tempo médio de permanência dos pacientes clínicos gerais é de cerca de 7 dias, a admissão é feita por um médico específico, depois o cuidado geral abrange mais 1-2 profissionais), o assunto mais quente no momento lá é o que deve ser indicador de equipe, e o que pode e deve ser indicador específico de médico. Em paralelo, a gerência de qualidade já apontou a fragmentação como geradora de risco, e outro hospitalista, David Meltzer, passou a estudar impacto do que chamam de Compreensive Care Program. Nesse programa de beneficiários do Medicare altamente complexos, os pacientes recebem prestação do cuidado com máximas continuidade do provedor e integração com atenção primária. Resultados preliminares são empolgantes.

Saiba mais sobre hospitalistas pelo mundo:


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

É vantagem para o hospitalista atuar em organizações que não são as grandes da rede privada?


É um questionamento interessante e aplica-se não somente a hospitalistas, mas também a emergencistas e intensivistas. Cheguei a ele através do artigo “Do smaller, independent practices have happier doctors?”, mas lembro de recente conversa com médicos de renomadíssimos hospitais dos EUA onde o assunto já surgiu. Em parte, a descrevi em Saúde Business – leia aqui.


No artigo, abordam estudo que avaliou burnout médico em organizações “menores” da atenção primária norte-americana, mas é possível fazer um paralelo com o setor hospitalar - gerador de hipóteses, ao menos. Encontraram incidência muito baixa no perfil de organização avaliada. Na conclusão, apontam independência e autonomia como fatores protetores para síndrome de esgotamento profissional. Já, na conversa referenciada mais acima, excesso de trabalho e de burocracia foram outros elementos mencionados.

Atuei como hospitalista em um instituição “média” por quase 4 anos. Tenho lembranças muito boas. Foi um projeto que acabou após trocas na alta-direção e uma nova proposta financeira que julguei insatisfatória. Mas do trabalho médico propriamente dito tenho enorme saudade, e então do hospital e da maior parte da equipe assistencial - diretorias vão e vem, as instituições são muito maiores que elas.

Como intensivista, amo meu emprego atual. E muito pelas razões sugeridas na conclusão do estudo: independência e autonomia. Considero estar em hospital grande e de excelência, mas é público, o que o torna, ao menos no senso comum, menor. Mas justamente por ser público, todos os médicos possuem a mesma relação com o hospital, então não tem aquela coisa de tratarem “médicos da casa” como móveis e utensílios, como mais um serviço à disposição do “corpo clínico aberto e soberano”, a maior parte do tempo do lado de fora da instituição. Já abordei isso em Saúde Business em 2014:

Se é verdade que médicos têm muito a melhorar, desapegando-se de seus próprios mitos e crenças, está na hora de gestores pararem de tratar médicos visitantes como “intocáveis” e intensivistas, emergencistas e hospitalistas como “móveis e utensílios”.

O que questiono agora não é um problema apenas dos hospitais brasileiros mais destacados como “de excelência”, muito dos quais anunciando hospitalistas mas de fato não os tendo (por definição internacional muito clara, não é má vontade minha. Um bom grau de independência e autonomia é necessário para que se exerça a tal “coordenação do cuidado hospitalar”, um imperativo do modelo de MH). O movimento das grandes redes hospitalares, que de certa forma traz nele uma ideia de excelência, de um padrão, turbinado recentemente pela entrada de investimentos estrangeiros nos hospitais brasileiros, vem acentuando o problema. Está “apagando” organizações com as características valorizadas, evoluindo para a formação de conglomerados mais afeitos à Mcdonaldização da saúde.

Padronização em si obviamente não é ruim. Mas ocorre de ser pautada por critérios questionáveis (leitura complementar aqui – Saúde Business 2017) ou excessivos (SB 2017). Lembro ainda de recente conversa com enfermeira (são igualmente suscetíveis). Ela atua em entidade privada dita de excelência maior, tanto na assistência hospitalar própria quanto como consultora externa em projeto que visa melhorias na gestão de hospitais terceiros que atendem o SUS. Sente-se desconfortável por orientar práticas que não aplica na própria instituição, uma vez que os vetores que moldam a assistência nela sofrem forte influência do modelo de pagamento Fee For Service. Acredita que as recomendações que dá como consultora é que são as corretas, mas não tem autonomia para fazer o mesmo “em casa”. Sofre com isso, e ficou evidente que sofre demais.

Um dos autores do estudo norte-americano sobre esgotamento profissional destacou o fato de que as organizações pequenas e independentes avaliadas tinham boa estrutura e dispunham de recursos. Trata-se de questão que provavelmente compromete validade externa. No Brasil, a crise das organizações dessa natureza e as dificuldades decorrentes, sejam clínicas ou hospitais, é mais um vetor de burnout. Recentemente, fui convidado para colaborar em instituição que está sem pagar funcionários deste outubro de 2017. Fosse por mim apostava, me encantei pelo mindset do administrador principal. Mas como compor uma equipe de colegas médicos (lembrem que em MH, UTI e Emergência nada é feito sem time) na ausência da garantia do salário no final do mês? O que mais haverá de faltar??? Como não antecipar estresse profissional assim???

Se o artigo sugere uma divisão entre organizações boas e ruins de trabalhar, ela ficaria definitivamente comprometida em nosso meio então. Teríamos que escolher entre duas alternativas com problemas e desafios importantes, aumentando a complexidade da decisão, se é que será tomada. Na insegurança, e quem sabe busca por ter o melhor dos dois mundos através de composição, podemos optar pelo tão usual multiemprego, que claramente faz sangrar qualidade da assistência, com um descomprometimento profissional que é inerente ao modelo - não necessariamente falta de vontade.


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...