quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

É vantagem para o hospitalista atuar em organizações que não são as grandes da rede privada?


É um questionamento interessante e aplica-se não somente a hospitalistas, mas também a emergencistas e intensivistas. Cheguei a ele através do artigo “Do smaller, independent practices have happier doctors?”, mas lembro de recente conversa com médicos de renomadíssimos hospitais dos EUA onde o assunto já surgiu. Em parte, a descrevi em Saúde Business – leia aqui.


No artigo, abordam estudo que avaliou burnout médico em organizações “menores” da atenção primária norte-americana, mas é possível fazer um paralelo com o setor hospitalar - gerador de hipóteses, ao menos. Encontraram incidência muito baixa no perfil de organização avaliada. Na conclusão, apontam independência e autonomia como fatores protetores para síndrome de esgotamento profissional. Já, na conversa referenciada mais acima, excesso de trabalho e de burocracia foram outros elementos mencionados.

Atuei como hospitalista em um instituição “média” por quase 4 anos. Tenho lembranças muito boas. Foi um projeto que acabou após trocas na alta-direção e uma nova proposta financeira que julguei insatisfatória. Mas do trabalho médico propriamente dito tenho enorme saudade, e então do hospital e da maior parte da equipe assistencial - diretorias vão e vem, as instituições são muito maiores que elas.

Como intensivista, amo meu emprego atual. E muito pelas razões sugeridas na conclusão do estudo: independência e autonomia. Considero estar em hospital grande e de excelência, mas é público, o que o torna, ao menos no senso comum, menor. Mas justamente por ser público, todos os médicos possuem a mesma relação com o hospital, então não tem aquela coisa de tratarem “médicos da casa” como móveis e utensílios, como mais um serviço à disposição do “corpo clínico aberto e soberano”, a maior parte do tempo do lado de fora da instituição. Já abordei isso em Saúde Business em 2014:

Se é verdade que médicos têm muito a melhorar, desapegando-se de seus próprios mitos e crenças, está na hora de gestores pararem de tratar médicos visitantes como “intocáveis” e intensivistas, emergencistas e hospitalistas como “móveis e utensílios”.

O que questiono agora não é um problema apenas dos hospitais brasileiros mais destacados como “de excelência”, muito dos quais anunciando hospitalistas mas de fato não os tendo (por definição internacional muito clara, não é má vontade minha. Um bom grau de independência e autonomia é necessário para que se exerça a tal “coordenação do cuidado hospitalar”, um imperativo do modelo de MH). O movimento das grandes redes hospitalares, que de certa forma traz nele uma ideia de excelência, de um padrão, turbinado recentemente pela entrada de investimentos estrangeiros nos hospitais brasileiros, vem acentuando o problema. Está “apagando” organizações com as características valorizadas, evoluindo para a formação de conglomerados mais afeitos à Mcdonaldização da saúde.

Padronização em si obviamente não é ruim. Mas ocorre de ser pautada por critérios questionáveis (leitura complementar aqui – Saúde Business 2017) ou excessivos (SB 2017). Lembro ainda de recente conversa com enfermeira (são igualmente suscetíveis). Ela atua em entidade privada dita de excelência maior, tanto na assistência hospitalar própria quanto como consultora externa em projeto que visa melhorias na gestão de hospitais terceiros que atendem o SUS. Sente-se desconfortável por orientar práticas que não aplica na própria instituição, uma vez que os vetores que moldam a assistência nela sofrem forte influência do modelo de pagamento Fee For Service. Acredita que as recomendações que dá como consultora é que são as corretas, mas não tem autonomia para fazer o mesmo “em casa”. Sofre com isso, e ficou evidente que sofre demais.

Um dos autores do estudo norte-americano sobre esgotamento profissional destacou o fato de que as organizações pequenas e independentes avaliadas tinham boa estrutura e dispunham de recursos. Trata-se de questão que provavelmente compromete validade externa. No Brasil, a crise das organizações dessa natureza e as dificuldades decorrentes, sejam clínicas ou hospitais, é mais um vetor de burnout. Recentemente, fui convidado para colaborar em instituição que está sem pagar funcionários deste outubro de 2017. Fosse por mim apostava, me encantei pelo mindset do administrador principal. Mas como compor uma equipe de colegas médicos (lembrem que em MH, UTI e Emergência nada é feito sem time) na ausência da garantia do salário no final do mês? O que mais haverá de faltar??? Como não antecipar estresse profissional assim???

Se o artigo sugere uma divisão entre organizações boas e ruins de trabalhar, ela ficaria definitivamente comprometida em nosso meio então. Teríamos que escolher entre duas alternativas com problemas e desafios importantes, aumentando a complexidade da decisão, se é que será tomada. Na insegurança, e quem sabe busca por ter o melhor dos dois mundos através de composição, podemos optar pelo tão usual multiemprego, que claramente faz sangrar qualidade da assistência, com um descomprometimento profissional que é inerente ao modelo - não necessariamente falta de vontade.


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