segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Crítica ao cuidado baseado em plantões

A morte de um idoso num pronto atendimento de Campinas voltou a levantar questões sobre segurança do paciente e continuidade da assistência, com a informação da Secretaria Municipal de Saúde de que não havia detalhes no prontuário e de que o paciente foi atendido por plantonistas diferentes a cada dia (G1, 5/8/2012).

Passagens de plantão (handover) e de caso (handoff) são processos de cuidado, que envolvem risco para os pacientes em função de eventuais lacunas na comunicação entre os membros das equipes. Podem causar quebras na continuidade de cuidados, levando a um tratamento inadequado com danos para o paciente, de acordo com a Organização Mundial de Saúde. Redução ainda maior dos riscos no ambiente hospitalar poderia ser obtida diminuindo ao máximo o plantonismo. Uma forma é ter o médico assistente mais presente – o conhecido desafio de envolver o corpo clínico tradicional. Surge como alternativa o modelo de medicina hospitalar, em que um médico hospitalista coordena todos os profissionais que assistem o paciente.

Para tratar desses temas, Proqualis entrevistou Walter Mendes, médico, professor e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) e avaliador de acreditação hospitalar; e Guilherme Barcellos, médico formado pela UFRGS, especialista em Clínica Médica e Medicina Intensiva e Fellow em Medicina Hospitalar (Society of Hospital Medicine, EUA), atualmente presidente da Sociedade Pan-Americana de Hospitalistas e revisor do Journal of Hospital Medicine.

De acordo com Mendes, estudos mostram que em hospitais bem estruturados (onde não faltam recursos, pessoal, material e equipamentos) a comunicação é a área que mais contribui para os incidentes com os pacientes. Nessas unidades, há um esforço para melhorar a comunicação do profissional de saúde com o paciente; entre profissionais de diferentes categorias, como médicos, enfermeiros, nutricionistas e outros; e entre profissionais da mesma categoria, com destaque para o momento da troca de plantões e turnos.

“É preciso haver políticas, sempre escritas, em cada hospital, a respeito de handover e handoff, seja para as trocas de equipes nos dias de semana ou trocas de turnos, seja para as transferências internas do paciente ou quando ele é transferido para outro hospital”, afirma Mendes.

Crítico do modelo em que predomina o cuidado baseado em plantões, o pesquisador da ENSP considera que o paciente é “duplamente penalizado” pelo sistema. “Por um lado, é visto por vários profissionais, de tal forma que nenhum é responsável por ele; por outro, esses profissionais estão mais cansados por trabalharem em regime de plantão em vários hospitais, com maior possibilidade de causar um incidente”.

Guilherme Barcellos compartilha dessa visão e aponta que a Medicina Hospitalar, idealizada há 15 anos nos Estados Unidos, demonstra ser mais eficiente e de menor risco que o plantonismo, seja como modalidade primária ou de retaguarda para médicos assistentes pouco presentes. “No mundo ideal haveria continuidade na assistência para cada paciente em qualquer situação; não haveria fragmentação, mas uma linha única de atendimento. Como isso é praticamente impossível na vida moderna, em que é inviável cruzar rapidamente uma grande cidade do hospital ao consultório e vice-versa, por exemplo, uma alternativa é introduzir a figura do médico hospitalista. Ele se torna o coordenador primário do cuidado – sem deixar de dialogar com o médico de origem, pois a interlocução é necessária e fundamental para evitar as quebras –, até devolver o paciente quando ele tem alta do hospital”.

Dessa forma, segundo Barcellos, embora haja uma descontinuidade no modelo de Medicina Hospitalar, passa a haver uma única linha de cuidado durante a internação, que é onde ocorrem mais erros. “O paciente é visto por menos pessoas, já que o hospitalista só chamará o subespecialista se realmente necessário. Tudo isso resulta ainda numa queda de 15% nos custos globais, como demonstram diversos estudos”, prossegue o presidente da Sociedade Pan-Americana de Hospitalistas.

Como exemplo dos riscos da descontinuidade da assistência em hospitais que atendem em regime de plantão, Walter Mendes relata um caso: “O médico de uma equipe monta um plano de uso de antibiótico. A equipe de plantão seguinte, ao ver que o paciente não está melhorando, troca o tipo de antibiótico, facilitando a criação de bactérias resistentes”. De acordo com o pesquisador da ENSP, os protocolos clínicos não são seguidos nos hospitais que dão prioridade ao regime de plantão.

O avaliador de acreditação hospitalar insiste: “Estamos falando de um assunto já estudado, que tem solução. Quando acontece um evento adverso, não se trata de um acidente: é previsível que o hospital que trabalhe prioritariamente em regime de plantão tenha pior qualidade e que está assumindo riscos de matar o paciente”.

Apesar dos problemas inerentes ao modelo plantonista, ele é predominante e continua avançando no país, tanto na rede pública como na privada. Os dois médicos concordam que há razões econômicas para isso – como a baixa remuneração que leva o profissional a buscar diversos plantões para ter vários empregos –, mas Barcellos destaca ainda uma “cultura” do plantonismo. “Mesmo que a categoria médica critique o sistema de plantão, a tendência mental é adotá-lo. Diante do oferecimento de um emprego bem remunerado como hospitalista, o médico prefere ter vários empregos de plantonista com a justificativa de perder toda a sua renda se for demitido”.

Um alerta dos médicos é para o eufemismo que vem sendo utilizado por algumas empresas de saúde: o “hospitalista de plantão”. Barcellos afirma ficar “impressionado com o uso do termo hospitalista para designar o plantonista, porque plantão de intercorrências existe desde que me formei, e hospitalista é coisa nova”. Mendes é ainda mais direto: “Trata-se de uma fraude”.

Haveria, porém, razões para algum otimismo em relação à continuidade do cuidado intra-hospitalar, que já existe em alguns estados do país, “com verdadeiros hospitalistas”, e é uma tendência internacional. “Têm crescido as pressões sobre os hospitais por qualidade e segurança. Plantonismo como modelo assistencial primário não deve existir. Pode ajudar a compor outros modelos, desde que como tratamento de exceção”, avalia Barcellos, que colaborou na implantação e aprimoramento de alguns programas brasileiros de Medicina Hospitalar.

Por Flavio Lenz, Proqualis

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