terça-feira, 6 de setembro de 2011

Vamos voltar a fazer eventos com a indústria farmacêutica?

A pressão é muito grande para que ocorra. No caso da SOBRAMH não seria voltar, já que a fundei "thinking outside the box", tornando isto claro na Visão (em 5 anos) que escolhemos em 2008, tendo me surpreedido com a possibilidade de atingir muito antes do previsto resultados que não fui capaz de perceber anos atrás enquanto diretor de associação médica tradicional e tendo a indústria farmacêutica como parceira. Analisando os resultados quantitativos e qualitativos dos dois grandes eventos que fizemos sem a participação da indústria de medicamentos, considerando que as receitas foram sempre maiores do que as despesas, não compreendo totalmente, mas aceito algumas justificativas. Houve, de qualquer forma, patrocínios condicionados a participação na grade e palestras que pareceram, na minha opinião, mais promoção do que qualquer outra coisa. E eu era o presidente ou o principal organizador do evento! O que fortalece a necessidade de transparência e controle, com ou sem a participação da indústria de medicamentos e tecnologias.

Alternativa então seria "voltar" a aceitar relacionamento comercial com a indústria de medicamentos, mas desenvolver uma boa política de relacionamento e conflitos de interesse. Os erros de um modo geral (erros médicos, casos onde sucumbimos a conflitos de interesse, corrupção) são inerentes às organizações e às pessoas. O desafio é buscar ações de verdade para reprimí-los e impor um "ciclo PDCA" de melhoria contínua.

Evocar a ética para o bom funcionamento das entidades não basta. Que a política sirva de exemplo. Veja isto agora no universo das associações médicas. Fazê-lo, mas, paralelamente, minimizando a importância da influência na relação comercial com empresas e parceiros, vai contra tudo que se discute mundialmente para qualificação da educação médica. Evocar a ética no tom "nós faremos direito" poderia gerar uma forte reação de outras associações médicas (Como assim? Estão sugerindo que nós já não fizemos assim? Pensam que são os paladinos da ética?). E acho que justificada. Na maioria das organizações as pessoas por trás são profissionais sérios e dedicados.

Como elaborar este código de condutas? Vou usar deste espaço para uma tentativa de inspirá-lo.

Dividirei neste momento o trabalho em 4 seções principais: Aspectos gerais; Feira e área de exposição, presentes e sorteios; Simpósios satélites; Outros patrocinadores além de indústrias de medicamentos e tecnologias. É para auxiliar na construção de um código de conduta para associações, e não para seus eventos apenas, embora sejam o foco. Trarei ideias várias que for encontrando, não necessariamente traduzem convicções pessoais. Outras representam puramente opiniões pessoais minhas mesmo.

Aspectos gerais:

Transparência é importante, mas não é suficiente.

Disclosure is not sufficient (The Accreditation Council for Continuing Medical Education (ACCME) standards for commercial support)

Os sócios devem ter acesso fácil a todas as informações e números relativos à associação e seus eventos.

Devemos trabalhar para uma proibição completa do vínculo comercial com indústria de medicamentos e tecnologias. Exceção poderia ficar a cargo da comercialização de espaço para estandes em área específica nos eventos. Não é o ideal, mas assim pelo menos os sócios e demais participantes podem facilmente distinguir estas ações como promocionais, podendo ignorá-las, se assim quiserem (David J. Rothman, PhD, president, Institute on Medicine as a Profession, and Bernard Schoenberg Professor of Social Medicine, College of Physicians and Surgeons, Columbia University, New York, New York; Walter J. McDonald, MD, past CEO, Council of Medical Specialty Societies, Chicago, Illinois; Carol D. Berkowitz, MD, past president, American Academy of Pediatrics, Elk Grove Village, Illinois; Susan C. Chimonas, PhD, research scholar, Center on Medicine as a Profession, College of Physicians and Surgeons, Columbia University, New York, New York; Catherine D. DeAngelis, MD, MPH, editor in chief, JAMA, Chicago, Illinois; Ralph W. Hale, MD, executive vice president, American College of Obstetricians and Gynecologists, Washington, DC; Steven E. Nissen, MD, past president, American College of Cardiology, Washington, DC; June E. Osborn, MD, past president, Josiah Macy, Jr Foundation, New York, New York; James H. Scully Jr, MD, medical director and CEO, American Psychiatric Association, Arlington, Virginia; Gerald E. Thomson, MD, past president, American College of Physicians, Philadelphia, Pennsylvania, and chairman of the board of directors, Institute on Medicine as a Profession, College of Physicians and Surgeons, Columbia University, New York, New York; and David Wofsy, MD, professor of medicine, University of California, San Francisco).

Nenhum logotipo de indústrias de medicamentos e tecnologias deve aparecer em sacolas, pastas, projeções, canetas, blocos e publicações oficiais do evento (the Pharmaceutical Research and Manufacturers of America (PhRMA) and the Advanced Medical Technology Association (AdvaMed) voluntary codes, 2009).

A escolha dos temas e palestrantes é tão especial que membros dos comitês organizador e científico não podem ter conflitos de interesse com a indústria farmacêutica ou de tecnologias e devem se responsabiliar individualmente por esta declaração, a ser tornada pública, pelo menos entre os membros da associação.

Temas e palestrantes da grade do evento preferencialmente não devem ter ligação com empresas ou entidades financiadoras da associação ou do evento, exceto em casos individualizados em Outros patrocinadores além de indústrias de medicamentos e tecnologias.

Palestrantes como conflitos de interesse maiores (por exemplo, acionista ou speaker profissional da indústria) estariam proibidos de participar como educadores no evento. Poderíamos limitar a participação daqueles com conflitos menores (a definir quais seriam) em algum percentual, garantindo o predomínio na grade de educadores livres de conflitos de interesse com a indústria de medicamentos e tecnologias. No caso de participarem, considerar sempre atividades do tipo Ponto e Contraponto.

Quando a atividade na grade pontuar via CNA - Comissão Nacional de Acreditação, independente de para qual Sociedade de Especialidade estiver pontuando, minha recomendação seria de buscar ausência total de conflitos de interesse, principalmente nas palestras clínicas ou técnicas. É uma forma de respeitar os médicos que, obrigados a pontuar para manter seu título de especialista, desejam educação médica independente, mesmo que sejam minoria.

A associação, sem autorização de seus sócios, não pode, em hipótese nenhuma, compartilhar com terceiros nomes e endereços dos seus membros.

Conflitos de interesse envolvendo presidentes, tesoureiros e demais diretores da associação: A reputação da entidade é geralmente baseada na qualidade e integridade de seus líderes. É essencial que apliquem sobre si mesmos os mais rigorosos padrões de regulação e transparência. Devem permanecer livres de conflitos de interesse durante o mandato. Para estes indivíduos, nenhum ganho direto da indústria deve ser aceito (David J. Rothman; Walter J. McDonald; Carol D. Berkowitz; et al). Pode ser necessário um prazo para as associações se adequarem a isto, por exemplo, deliberando em assembléia geral para a próxima gestão.

"ACCME requires that relevant financial relationships of all individuals in a position to control CME content be identified and resolved prior to that individual’s participation in development or delivery of CME activities" - Mayo CME Policy

Colaboradores e funcionários da associação médica não devem ter laços financeiros com indústrias de medicamentos ou tecnologias e devem ser proibidos de aceitar presentes ou favores destas corporações. Indústria de medicamentos e tecnologias não podem financiar diretamente nenhuma atividade de diretoria ou colaboradores. Despesas de viagens e eventos, incluido alimentação, são de responsabilidade da própria associação ou das pessoas físicas (David J. Rothman; Walter J. McDonald; Carol D. Berkowitz; et al).

Feira e área de exposição; Presentes e sorteios:

A associação pode comercializar com qualquer empresa espaço para estandes em área apropriada para tal durante eventos. Entretanto, este espaço não pode ser a passagem única para as áreas de apresentações científicas ou educacionais e deve ser claramente delimitado para que os participantes enxerguem automaticamente que estão próximos de uma área de promoção e marketing e possam escolher por entrar nela ou não. A associação médica pode e deve estabelecer regras de condutas dentro da área de exposição, banindo todo tipo de presentes e sorteios (David J. Rothman; Walter J. McDonald; Carol D. Berkowitz; et al).

Médicos não devem receber diretamente amostras grátis (Columbia University's Center on Medicine as a Profession).

Prescription Project interviews indicate that many AMCs eliminated samples to ensure patient safety and compliance with Joint Commission standards (Columbia University's Center on Medicine as a Profession).

The Pharmaceutical Research and Manufacturers of America (PhRMA) code: The revised code, which goes into effect in January 2009, prohibits distribution of noneducational items to healthcare professionals. This even includes small gifts, such as pens, notepads, mugs, and similar “reminder items” with company or product logos on them, even if they are practice-related. Such gifts “may foster misperceptions that company interactions with healthcare professionals are not based on informing them about medical and scientific issues,” states the code.

“YMG physicians may not accept any form of personal gift from industry or its representatives" - Yale Policy 2006.

“Personal gifts from industry may not be accepted anywhere at the Stanford School of Medicine, Stanford Hospital and Clinics, the Lucile Packard Children’s Hospital, the Menlo Clinic or off site clinical facilities such as other hospitals at which Stanford faculty practice, outreach clinics and the like" - Stanford Policy, 2006

Simpósios satélites:

Se forem autorizados, não pode haver chancela da associação, o que é bem diferente. Sua divulgação deve ficar inteiramente a cargo do responsável. Deve ser apenas um espaço sub-locado e sujeito ainda à regulação.

Membros da diretoria, comissões e comitês não podem ser co-responsáveis ou palestrantes em simpósios satélites (Society of Hospital Medicine COI Policy 2011).

Não deve ser permitido oferecer brindes, presentes, sorteios ou refeições durante estas atividades (Columbia University's Center on Medicine as a Profession).

“Individuals may not accept gifts or compensation for listening to a sales talk by an industry representative" - Stanford Policy, 2006

"Vendors are not permitted to bring food into any UMM facility for any meetings and are prohibited from paying for such food" - UMass Policy, 2007

Outros patrocinadores além de indústrias de medicamentos e tecnologias:

Tecnologia da informação também é tecnologia!

Entidades Governamentais: Não encontro na literatura evidências desfavorecendo esta ligação, tal como há com indústrias de medicamentos e tecnologias, mas em tese podem influenciar (como qualquer opinião). No I CBMH e no PASHA 2010 houve participação na grade de representantes destas entidades. Entendo que participações do tipo "a visão da entidade ou agência x sobre p.e trabalho em equipe, autonomia médica, segurança do paciente..." possam ser limitadas a 10% do conteúdo da grade, valendo o mesmo para entidades médicas como autarquias federais.

Debato com pessoas que são absolutamente contra o financiamento público da educação médica adiante da graduação. Haveria duas formas de lidar com isto: Os médicos assumirem uma parcela maior do investimento para sua própria educação. Incentivar o financiamento privado. Me parece óbvio que os defensores do finaciamento privado devem ser os principais protagonistas na elaboração de políticas de controle e regulação dos conflitos de interesse neste cenário.

Entidades médicas (associações ou sindicatos): Seria compreensível o mesmo tipo de restrição proposta a entidades governamentais, como forma de tornar o evento menos político e mais técnico.

Acreditadoras e empresas que prestam consultorias na áreas de qualidade e segurança: Privilegiar na grade de programação apresentação de cases diretamente por hospitais ou serviços beneficiados, através de profissionais ligados diretamente ou próximos ao atendimento de linha de frente.

Hospitais: Por mais que perceba como comuns apresentações que mais parecem promoção ou marketing institucional, acho que aqui basta declaração de conflitos de interesse e confiança na comissão científica. Eventos que incorreram sistematicamente neste equívoco, perderão força por sí próprios.

“This updated Code fortifies our companies’ commitment to ensure their medicines are marketed in a manner that benefits patients and enhances the practice of medicine.” - Billy Tauzin, president and CEO of PhRMA, about the Pharmaceutical Research and Manufacturers of America (PhRMA) and the Advanced Medical Technology Association (AdvaMed) voluntary codes, 2009. Se a indústria pode demonstrar este tipo de postura, nós médicos também seremos capazes...

3 comentários:

  1. Although considerable attention has been devoted to the relationships between physicians and pharmaceutical companies, relatively little attention has gone to the RELATIONSHIPS between PHYSICIANS and DEVICE COMPANIES. The device industry is especially significant given its size, growth and the amount paid to physicians. Moreover, although interactions between physicians and the medical device industry present many of the same conflicts of interest as interactions with the drug industry, there are very unique aspects to devices.
    1) Financial relationships between physicians and the device industry are such that attempts to establish a “device formulary” paralleling efforts regarding a drug formulary do not often succeed.
    2) Unlike drug reps, it is no simple matter to ban device reps. They are considered helpful, even at times essential, in training physicians to use devices; it is not uncommon to find them in the operating room acting as a member of the surgical team.
    3) Company payments are large and can exceed $1 million to an individual physician in a single year.
    4) Device companies may pay substantial royalties not only to physician-inventors but also to their institutions. Managing the conflict of interest, then, raises thorny questions about institutional conflict of interest.
    Our research into devices and conflict of interest is being facilitated by the fact that company relationships to medicine have come under governmental scrutiny. As part of a settlement five orthopedic device companies are disclosing payments to physicians. This data offers an unusual opportunity to investigate professional norms and physician relationships with industry (The Institute on Medicine as a Profession - IMAP)

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  2. Leia http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/150009_TODOS+OS+PARTIDOS+TEM+TELHADO+DE+VIDRO
    Interessante entrevista também sobre conflitos de interesse. Jefferson critica o finaciamento público de campanhas (assim como muitos médicos o de entidades governamentais para eventos médicos). De qualquer forma, deixa clara a necessidade de transparância e regulação do financiamento pela iniciativa privada. "É preciso entender que não existe almoço grátis, nem na relação entre marido e mulher. Manda a mulher negar amor ao marido durante um mês para ver se ele paga as contas dela!" - disse RJ.

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  3. Olá, Guilherme. O pessoal da Vascular parece estar discutindo a fundo estas questões e desenvolvendo política semelhante. Veja só: http://www.jvascsurg.org/issues?issue_key=S0741-5214%2811%29X0011-3

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