Ao revelar todos os laços que possam influenciar seu julgamento, o profissional se sente livre para continuar adotando comportamentos ainda mais antiéticos. A conclusão, de estudos em que são simulados cenários de conflitos de interesse, coloca em xeque a declaração feita pelos médicos em congressos e publicações científicas, em que eles reconhecem todo apoio financeiro recebido em seu trabalho.
"Não estamos dizendo que a transparência seja uma coisa ruim. Mas ela não funciona tão bem como pensávamos", disse à Folha o pesquisador Daylian Cain, economista do comportamento na Universidade Yale (EUA).
Ele e colegas realizaram experimentos que simulavam situações em que o médico (e outros profissionais, como advogados) tinham de decidir qual era a melhor indicação para o paciente/cliente. Os que tinham conflitos de interesse "como ganhar comissões pela indicação de um produto" deram mais conselhos em benefício próprio, não do paciente. Os pesquisadores perceberam que, ao revelarem ao paciente o conflito de interesse, os médicos se sentiram ainda mais à vontade para agir em causa própria.
"É o chamado licenciamento moral. A divulgação de um conflito deu às pessoas 'luz verde' para se comportar sem ética, como se fossem absolvidas por terem sido transparentes", diz Don Moore, professor de comportamento organizacional da Carnegie Mellon (Pensilvânia).
Para o professor da USP Reinaldo Ayer, diretor da Sociedade Brasileira de Bioética, o Brasil está atrasado nessas discussões. "Aqui, ainda temos de estimular que a declaração de conflitos de interesse seja rotina entre os médicos."
Roberto D'Àvila, presidente do CFM (Conselho Federal de Medicina), concorda: "Ao declarar, dou condição para quem está lendo uma pesquisa, assistindo a uma aula ou recebendo tratamento de saber que aquilo está contaminado por outros interesses". Para ele, declarar não acaba com o conflito, mas "torna a relação [entre os médicos e seus pares ou pacientes] mais transparente". O CFM e a Interfarma (associação das farmacêuticas multinacionais) estão elaborando um novo código de conduta ética.
Já o médico gaúcho Guilherme Brauner Barcellos afirma que a declaração não pressupõe mudança de cultura nas organizações médicas. "É insuficiente para proteger os pacientes." Barcellos preside a Sociedade Brasileira de Medicina Hospitalar, que há dois anos faz congressos sem ajuda dos laboratórios. "É possível fazer, mas precisamos discutir outras formas de financiamento da educação médica."
ERRATA: fui presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Hospitalar até final de 2010!
Fonte: Folha de São Paulo
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