quarta-feira, 13 de abril de 2011

O médico não pode errar!

A questão dos erros na assistência à saúde ainda gera uma heterogeneidade muito grande de teorias e opiniões. Algumas, entretanto, já são consideradas ultrapassadas, na medida em que há evidências suficientemente fortes para refutá-las. Não somente porque o “moderno movimento de segurança do paciente” assim deseja.

Veja o que escreve um advogado sobre erro médico:
O ERRO MÉDICO É CULPOSO OU DOLOSO?

Ora, o médico, quando escolheu o ofício e fez juramento sagrado, sobretudo assumiu o risco de lidar com “vidas humanas”, estando perfeitamente consciente que poderá errar e produzir um resultado indesejável se não agir com a devida cautela. Quando um cirurgião vai realizar ou está realizando uma cirurgia, sabe que, se cortar um órgão ou uma artéria errada, provocará um resultado que não era o inicialmente pretendido, mas que fatalmente ocorrerá. Portanto, corre o risco de produzir tal evento, e quando assumiu o ônus de desempenhar tal missão, junto assumiu o risco de produzir o resultado indesejado, mas bastante possível.

O médico não pode errar, tem sobretudo a obrigação de acertar.
Por isso a necessidade de reflexões como essa que apresento, são justamente não para se aplicar friamente a lei, mas para sopesar e levar em consideração que, no caso concreto, o erro médico pode ser tão ou mais odioso do que um erro cometido por um ser humano comum.
Vossa Excelência parece desconhecer que:

1. O médico é um ser humano comum;

2. A infalibilidade humana é impossível, particularmente na assistência à saúde;

3. Nem todos os eventos adversos são evitáveis;

4. A maioria dos evitáveis é cometida por profissionais competentes, cuidadosos e atenciosos.

De que serve essa individualização da culpa? Será que procurar um culpado desta forma contribui de alguma maneira para prevenir uma repetição do erro?

Dizer que nós médicos temos a obrigação de acertar somente reforça características que favorecem justamente os erros. Somos cuidadosamente treinados para acreditar que somos infalíveis, até o dia em que erramos. Assim, não nos preparamos para o erro. É visto, inclusive, como um atestado de fraqueza, de incompetência.

Uma vez que perceberem que mesmo os melhores médicos cometem muitos dos erros e que o grosso do problema está no sistema e não nas pessoas, a pergunta mudará de "O erro médico é culposo ou doloso?" para "Quais são os mecanismos e como interceptá-los?".

Quem estuda segurança do paciente praticamente comemora a descoberta de erros, porque eles constituem mensagens de indizível valor do sistema em vigor e, muitas vezes, avisos prévios de desastres que podemos evitar. Nós compartilhamos aberta, incessantemente e desbragadamente nossos fracassos e gafes, com o mesmo entusiasmo que celebramos nossos sucessos (do livro Como fazer a segurança dos hospitais decolar?).

Se continuarmos a insistir em tratar o assunto apenas com a postura de querer chibatada no profissional da linha de frente que se atrever a errar, é incentivarmos a atmosfera de silêncio que tanto nos impede de evoluir na construção de uma assistência mais segura, sem provavelmente estar reduzindo muitos erros em meio a epidemia que nos assola. É preciso justamente abondanar a cultura presunçosa de que profissionais da saúde podem trabalhar em um sistema tão complexo sem cometer nenhum erro, para que se busque minimizar os danos.

Se não mudarmos o sistema enquanto é tempo, pessoas assim que acabarão ditando nossos destinos. E isto não é bom para os pacientes. Tem mínimo alcance em prevenir o mais provável erro de amanhã.

Leituras sugeridas:

Medical mistakes: human error or system failure?

Does the tort-based medical malpractice system improve patient care?

Should health care workers go to jail for medical errors?

The malpractice system doesn’t improve patient safety

Our malpractice system needs to focus on patient safety

Malpractice fails when it comes to medical errors

The Science and Religion of Patient Safety: Harm, Preventable Harm, and Trigger Tools (Part I)

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