quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Existindo conflitos de interesse, todos somos potencialmente influenciáveis (até mesmo os médicos, até mesmo o autor deste blog)

Relacionamento entre médicos e indústria farmacêutica, conflitos de interesse, e preocupações quanto ao impacto disto em qualidade assistencial, custos e educação médica têm cada vez mais sido pauta de discussões, algumas calorosas, no meio médico acadêmico, associativo, e também na mídia de uma maneira geral.

Enquanto muitos médicos consideram que as preocupações são justas e que discutir o assunto é necessário, outros se ofendem ao simplesmente observar esta discussão vir à tona (“é uma afronta a nossa integridade e põe em cheque a ética profissional de toda a corporação”). Esses indivíduos acreditam que sua devoção a Medicina e aos pacientes (que efetivamente costumam ter) os protegem de influências externas. Entretanto, esta visão pode se basear em falta de compreensão ou entendimento incompleto da psicologia humana. Conflitos de interesse são problemáticos não apenas porque são comuns, mas principalmente porque as pessoas pensam incorretamente que sucumbir a eles ocorre apenas por corrupção intencional, o que não é verdade. Sucumbir a conflitos de interesse pode ocorrer sem que percebamos.
Evidence from psychology offers us a different view, one in which our judgments may be distorted or biased in ways of which we are unaware. Some of the most compelling evidence of bias comes in the domain of optimism about the self. There is, for example, much evidence that people engage in self-deception that enhances their views of their own abilities (Gilovich, 1991). One of the most oft cited and humorous examples of self-enhancement is found in a study that reported that 90 percent of people thought they were better drivers than the average driver (Svenson, 1981)"
Outras vezes até percebemos o potencial conflito de interesse em si, mas reconhecendo (corretamente) que se expor não significa por si só sucumbir ou cometer ato antiético ou imoral, criamos justificativas para aceitá-los e aumentamos os riscos. A relativização poderia se dar por acreditarmos em um benefício maior para o movimento ou grupo que representamos, por exemplo. Na prática, ocorrem pressões para relativização variadas e por todos os lados.

Há evidências científicas suficientes para que se possa afirmar que todo processo de tomada de decisões é mediado tanto por fatores racionais (dados, informações, custo, benefício, etc) quanto afetivos. As decisões de caráter empírico, intuitivo ou heurístico são aquelas nas quais há maior relevância dos fatores não-racionais. Negar sempre e veementemente a possibilidade de influências externas no processo de tomada de decisões é negar a existência do subconsciente e a própria natureza humana.

O cérebro ético

Estudos em neurociência e psicologia sugerem que toda pessoa pode ser um pouco mais influenciável do que costuma pensar que seja. E não é surpreendente que médicos pensem que conflitos de interesse não os afetam, pois na maioria das vezes isto de dá no subconsciente. É compreensível, então, que a maioria de nós se enxergue como pessoas éticas que sob hipótese alguma colocariam sua objetividade a venda. A partir disto, acreditam que todos devem confiar nelas ao “navegarem pelo mar de potenciais conflitos de interesse”, pois saberão o quê e como fazer.

Evidências da psicologia oferecem uma perspectiva diferente, na qual julgamentos podem ser distorcidos ou enviesados sem que percebamos ou sendo isto percebido tarde demais.

É muito importante diferenciar conceitualmente atos conscientes de subconscientes neste debate. Sendo o ato subconsciente um ato de normalidade do funcionamento humano, não deveria ser considerado imoral. A negação, enquanto atitude defensiva, também seria fundamentalmente humana e não poderia ser recriminada. E desta forma, nada de diferente se poderia esperar de nós, a não ser que neguemos nossa natureza humana, em favor da “divinização do médico” - idéia embutida na cabeça dos estudantes já nos primeiros anos da graduação e reforçada adiante por vários setores da sociedade. Outra situação completamente diferente é quando um médico age deliberadamente em favor da indústria. Desse ato, cabe valoração moral e ética, positiva ou negativa. Na prática, esta diferenciação, por terceiros e pela própria pessoa, nem sempre é fácil.

Demonstrações psicológicas de conflitos subconscientes

Em uma survey intitulada “How lawyers abuse the law”, questionaram a um grupo de pessoas: “Se alguém o processa e você ganha, deve a pessoa que o processou pagar os seus custos legais? Oitenta e cinco por cento dos respondedores disse que sim. Quando a questão foi: Se você processa alguém e perde o processo, pensas que deves pagar os custos deste alguém? Apenas 44% respondeu que sim. Em avaliação publicada em 2005 no J Gen Intern Med, de estudantes de Medicina, 85% considera inadequado que políticos recebam presentes de corporações, mas somente 46% acha que os médicos não devem receber presentes da indústria farmacêutica.

No JAMA, em 2002, publicaram dados sobre questionário aplicado a autores de diretrizes clínicas. Oitenta e sete por cento declarou algum tipo de relacionamento com a indústria farmacêutica. Perguntaram também: 1. “Este relacionamento influencia suas recomendações?”; 2. “Este relacionamento influencia nas recomendações de seus colegas? Sete por cento respondeu sim para 1, enquanto 19% respondeu sim para 2. Em junho deste ano, no Archives of Surgery, publicaram outra survey que mais uma vez demonstra que médicos pensam que eles próprios seriam menos afetados pela relação com farmacêuticas do que os seus colegas. Cerca de 35% aceita que pode ter sua prescrição afetada, enquanto 52% acredita que os colegas seriam influenciados.
This finding—that teaching people about bias makes them recognize it in others but not themselves—has since been confirmed and extended. Several studies of the “bias blind spot” (Pronin et al., 2002) have found that for any number of cognitive and motivational biases that the researchers can describe, subjects will, on average, see themselves as less subject to the bias than the “average American,” classmates in a seminar, and fellow airport travelers. That is, the average subject repeatedly sees himself or herself as less biased than average, a logical impossibility in the aggregate that suggests that self-evaluations of bias are systematically biased. Furthermore, experiments have shown that when people rate themselves as being less biased than they rate the average person, they subsequently tend to insist that their ratings are objective (Pronin et al., 2002; Ehrlinger et al., 2005). Much like in the study of Loewenstein et al. (1992), this insistence persists even after the subjects read a description of how they could have been affected by the relevant bias. Why do people recognize less bias in themselves than in others, and why does education not make this bias go away?

Further studies of the bias blind spot (Ehrlinger et al., 2005; Pronin and Kugler, 2007) have identified a mechanism behind this behavior that they term an “introspective illusion” Being privileged to their own thoughts, people use introspection to assess bias in themselves. Because biases like the self-serving bias operate below the level of conscious awareness, they can “see” that they are not biased; at least, they have no experience of bias and so conclude that they are not biased. When they assess bias in others, however, people do not have the privilege of knowing what a person thought and must rely on inferences based on the situation. If another’s behavior is consistent with a bias, people will often conclude that the other is biased. Learning about various cognitive and motivational biases can exacerbate these “I’m better-than-average” effects. People will often still hold that they are not biased because they “know” their own thoughts, but they will now know what to look for in a situation that could bias others. The bias blind spot gives us one way of understanding why such strong disagreements can take place over whether conflicts of interest are problematic
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Declaração de conflitos de interesse

A resposta da comunidade acadêmica a potenciais conflitos de interesse normalmente se dá através de declaração de potenciais conflitos de interesse. Vários estudos sugerem que a declaração pode até exacerbar a influência. Isto não significa dizer que declarar conflitos de interesse não é desejável, mas sim que talvez não seja uma solução para esta questão.

Conclusões

A verdade que se descortina é que não somos tão livres para pensar e decidir quanto queremos acreditar, fato que encontra seu viés bioético no entendimento que as decisões são tomadas dentro de certos graus de liberdade, mais ou menos condicionados interna e externamente. Quanto mais individual nossa perspectiva sobre a realidade, menor sua pretensa objetividade. E se não podemos mudar a condição humana, podemos mudar as condições em que humanos desempenham. Regulação já!

Sugestão de leitura: How Psychological Research Can Inform Policies for Dealing with Conflicts of Interest in Medicine

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