sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Incomodam-me certos esforços inesgotáveis para justificar intervenções "não tecnológicas” ou "não medicalizantes" em saúde. “Porque saúde é um conceito mais amplo”. E absolutamente é…“Condensam em si as relações de interação e subjetividade”. E daí vai… Todo tipo de retórica é empregada, por vezes altamente elaborada...

Uma forma talvez melhor de conduzir a questão é tentar situar sobre valor terapêutico (ciência de avaliação de tecnologia em saúde) e depois sobre financiamento. Não precisa ter grande valor terapêutico para atender anseios individuais ou de grupos (na verdade, não precisa nenhum), mas há como o Estado ou planos de saúde financiarem diretamente tudo? Acreditando que não, há alternativa: buscar viabilizar coisas que são apenas proxies de soluções heterogêneas, extremamente dependentes de valores e preferências, de maneira indireta.

Através dos canais da Choosing Wisely Brasil, já recebemos bons arrazoados de pessoas justificando escolhas por intervenções que chamamos de “ilusórias”. E tudo acaba na legítima justificativa de que fazem bem [para eles], seja lá como for. Por vezes, são tecnologias duras e, então, pergunto: por que certas terapias alternativas e seu custeio coletivo podem ser justificados até pelo lado místico ou social, e ilusões de controle, que para muitos “acalenta o espírito”, não? Pessoalmente, sequer entendo o fetiche de pessoas por exames e medicalização da vida, mas será um bom rumo para esta discussão julgar valores e preferências? 

Por que não intervenções médicas de caráter, por exemplo, puramente estético - que por outros critérios subjetivos podem ser defendidas por aumentar auto-estima e impactar em bem-estar geral - e por que sim o que combina com os teus valores especificamente? 

Por que exames como rastreios controversos não podem ser justificados por necessidade de “fazer algo” e outras cositas do gênero que simplesmente amenizam angústias emocionais ou espirituais pela via natureba devem até ser pagas por mecanismo de financiamento coletivo? Quem defini o que preenche a “alma” de cada um para um produto ser "universal"? 

Essas questões colocadas em franca oposição são simplesmente mais um exemplo de visão binária de mundo, tão prevalente. Entre um extremo e outro, há, no entanto, várias possibilidades. Como, por exemplo, fomentar anseios e gostos por vias indiretas. Pode promover igual Estado de Bem-Estar Social! Pode permitir acesso individual ao cardápio de serviços e até mesmo ampliar possibilidades de escolhas! Através de rede de proteção ao trabalho e geração de novos. Ou de serviços sociais, como Previdência, justos e sustentáveis. Ou de um processo estruturado e saudável de redistribuição de renda… Há várias formas de financiar as coisas. E até mesmo misticismo ou placebos que gostemos. 

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