sexta-feira, 26 de abril de 2013

Mortes no exame de ressonância

por Cláudia Collucci, 25/04/2013

Aconteceu de novo. Três pacientes mortos porque receberam na veia, por engano, uma substância altamente tóxica em vez de soro fisiológico.

A polícia diz que a auxiliar de enfermagem estava em treinamento e foi induzida ao erro porque a clínica aproveitava embalagens de soro fisiológico para acondicionar perfluorocarbono, o composto que causou as mortes.

Em janeiro, dois homens (de 36 e de 39 anos) e uma mulher (de 25 anos) que passaram por exame de ressonância magnética em uma clínica que fica dentro do Hospital Vera Cruz, em Campinas, morreram de parada cardiorrespiratória.

Na época, a Vigilância Sanitária suspendeu o soro. O contraste usado no exame também ficou sob suspeita. Quem poderia imaginar que o erro seria ainda mais crasso!

O perfluorocarbono pode ser utilizado para exames na região pélvica, mas sem contato direto com o paciente. Por não ser solúvel no sangue, não pode ser injetado em pacientes. Mas, segundo a polícia, o composto, além de estar em embalagens reaproveitadas, ficava no MESMO armário do soro fisiológico, apenas em gaveta diferente.

É isso, caros leitores. A gente entra numa clínica para fazer uma ressonância magnética e sai morto porque alguém teve a "brilhante" ideia de usar embalagem de soro para guardar um composto potencialmente mortal.

A auxiliar de enfermagem recém-contratada não sabia da diferenciação e preparou a solução, que ela julgava ser soro, para que as enfermeiras aplicassem nos pacientes que estavam sendo preparados para a ressonância.

Como explicar isso às famílias das vítimas --a administradora de empresa Mayra Cristina Augusto Monteiro, 25, que deixou uma filha de 4 anos, do zelador Manuel Pereira de Souza, 39, pai de uma filha de 6 anos, e de Pedro José Ribeiro Porto Filho, 36?

Como explicar tantas mortes e erros evitáveis que acontecem diariamente dentro dos hospitais?

Nos últimos meses, vários casos, tão absurdos quanto esse, tornaram-se públicos. Um idoso que recebeu alimento na veia, outro que recebeu café com leite, o menino que recebeu ácido em vez de sedativo, a adolescente que recebeu vaselina em vez de soro.

Todos os erros estavam relacionados ao pessoal da enfermagem, mas, na verdade, o problema é de todo um sistema de saúde doente. Que começa na formação cada vez mais precária dos profissionais, passa pela falta de revisão de processos dentro de hospitais (e de uma permanente capacitação dos funcionários) e termina em pizza porque ninguém aprende com o erro.

Uma das possíveis saídas que poderiam minimizar erros (sim, porque acabar seria uma utopia) dentro das instituições de saúde seria tornar obrigatórias as certificações de qualidade. Mas teria que ser algo sério, fiscalizado, que rendesse pesadas multas para quem não segue a cartilha. E não apenas um papel morto afixado na parede do hospital.

As famílias de Mayra, Manuel e Pedro devem estar vivendo hoje uma dupla dor: ainda o luto pela morte de seus entes queridos e a raiva por tamanho desrespeito à vida das pessoas.

Claúdia é é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde


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