– Como assim, João? – questiona Candoca, o ingênuo.
– Pensa num jogo de força, Candoca. Você me enfrenta. Eu sou mais forte. Eu ganho sempre. Aí você se junta com o Pedro Pauleira e com o Arlindo. Vocês ganham.
– Certo, João. Mas a regra permite a gente se juntar?
– Depende, Candoca.
– De quê?
– De que não, Candoca, de quem.
– De quem?
– De quem faz a regra.
– Mas se quem faz a regra, João, estabelece que não poderá existir junção de pessoas para combate, que deve ser sempre um contra um, na bucha, nada mais, impondo o individualismo total como regra absoluta?
– Se isso acontece, Candoca, o coletivismo já ganhou.
– Ué! Não entendi.
– Para fazer a regra valer será preciso contar com a maioria. Só a decisão coletiva pode impor a norma.
– Mas e se ela for imposta pela força?
– Aí vocês juntam uma força maior e ganham.
– Mas se o Estado for mínimo?
– Para o Estado ser mínimo é preciso, numa democracia, que a maioria assim o decida e tenha condições, com o aparato estatal, de garantir e executar a decisão.
– O que isso quer dizer?
– Que o Estado mínimo é sempre máximo.
– Sempre máximo?
– Sim, o mínimo de intervenção estatal depende do máximo de capacidade do Estado para fazer valer esse mínimo decidido pelos que compõem o Estado, nós.
– Nós?
– Sim, o Estado não é uma abstração. É um coletivo formado e reformado constantemente pelas decisões dos cidadãos através dos seus representantes, que são pressionados por vários aparatos, a mídia, etc.
– Então o mais liberal dos Estado é coletivista?
– Sempre.
– E se for uma ditadura?
– Nesse caso o Estado será ainda mais forte, máximo, e, ainda assim, dependerá de um coletivo capaz de mantê-lo pela força. Em sociedade, tudo depende de um coletivo de vontades ou de um coletivo de forças. A ditadura é um coletivo de forças em nome de certas vontades. A democracia é um coletivo de vontades legitimada e garantida por um coletivo de força.
– Mas, então, João, o individualismo é, como se diz mesmo, uma contradição, não, não, um paradoxo?
– Sim, Candoca, sem tirar nem por.
– Mas e o coletivismo o que é?
– É sempre individualista.
– Ai, meu deus, como assim?
– Depende de um conjunto de vontades individuais.
– Deixa ver seu eu entendi: um liberal, defensor do individualismo e da supremacia do mais competente, do mais forte, do mais eficaz, deveria elogiar o coletivo como um indivíduo múltiplo mais poderoso?
– Certamente. Como eu disse, o coletivo organizado é uma decorrência lógica da lei do mais forte.
– Toda democracia é coletivista?
– Toda ditadura também.
– Mas a democracia é um coletivismo melhor?
– Claro. Mas ela pode ser pior ou melhor em relação à própria democracia. Numa democracia pior, a maioria, o coletivo, decide em favor dos interesses da minoria. Numa democracia melhor, o coletivo, obviamente, decide em favor de si mesmo, da maioria.
– E numa ditadura?
– Ora, numa ditadura, a minoria, um coletivo, decide em seu favor e pela maioria. É simples assim.
– E numa monarquia absolutista?
– Bem a vontade do rei prevalece. Mas ela só prevalece se ele tiver a lealdade de um coletivo repressivo.
– Como assim?
– Se o exército se voltar contra ele, babaus. Se a nobreza o trair, já era. Se o aparato burocrático não o acompanhar, ela dá os doces. Tudo é coletivo.
– Estou confuso, me sentindo meio patético.
– Vai dormir, Candoca, que eu vou ficar pensando.
– Pensando? Já não basta?
– Vou ficar pensando como refutar meu pensamento.
Publicado por Juremir em Correio do Povo
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