sexta-feira, 30 de agosto de 2019

O Futuro da Clínica Médica no Brasil

Fiquei bastante faceiro essa semana por ter sido convidado para atividade na universidade em que me formei:

Tenho viajado bastante abordando os temas. Estive longe como em Las Vegas,  Portugal (detalhes aqui e aqui), e Washington. Tenho sido testemunha ocular privilegiada de várias iniciativas no Brasil e já possuo meu próprio case, aqui parcialmente apresentado. Sinto falta, entretanto, de penetrar melhor em alguns lugares e mentes. E gostei muito de estar com os alunos da UFRGS... 

Usei dos "hospitalistas" para tentar provocar reflexões nos estudantes da Liga de Medicina Interna local (Clínica Médica, pela AMB/CNRM). Qual o futuro da Clínica Médica no Brasil? Como podemos colaborar para que a especialidade conquiste maior importância e nos traga mais orgulho?

Já havia discutido isso aqui: Existe luz no fim do túnel para o médico generalista? Na FAMED/UFRGS, dei ênfase a algumas questões:

➽ O Internista estilo 'solitário diagnosticador de bruxarias' entrará em extinção e, se nele a Clínica Médica continuar ancorada, a crise da especialidade só piorará.

Ainda existem velhos sábios internistas com essas características e aqueles que mantêm mercado inclusive. Ocorre que estreitou para a geração atual de jovens clínicos e pouco existirá para as próximas. E o fato de um bom número ainda estar bem na carreira e de que chegará à aposentadoria sem sentir a crise na própria pele compromete e atrasa reflexões sobre o futuro dos outros.

O hospital do futuro quer o internista (preferencialmente hospitalista) para fazer bem o "feijão com arroz" do cuidado clínico hospitalar, e sem muito médico pendurado no caso (o que gera contundente vetor contrário à eficiência). Por sua vez, espera que nos casos difíceis e complexos o tal trabalho médico em equipe surja. O 'solitário diagnosticador de bruxarias' gosta de correr riscos sozinhos, buscando diagnósticos e resultados heróicos para o seu paciente (até porque comunicação e trabalho em equipe não estão entre suas melhores características). Entretanto, o hospital moderno quer, nesses casos em especial, compartilhamento de riscos, evidências de que houve soma de habilidades e competências na busca pelo melhor desfecho. Não quer "deixar o seu na reta"...


➽ O Internista "feijão com arroz" deve assimilar que fará o simples, mas não confundir simples com simplório. Vejo inúmeras situações nos hospitais em que o "feijão com arroz" é mal feito, faltando temperos pelo menos. E o internista do futuro deverá tornar-se um verdadeiro especialista no típico prato...


➽ Então o Internista que não gosta do "feijão com arroz" deve refletir fortemente sobre a possibilidade de possuir mindset de especialista focal. E quem sabe vá ser feliz fazendo alguma subespecialidade...


➽ Os centros formadores de internistas do futuro deverão incorporar novas habilidades e competências nos currículos. E, independente disto, não será com não generalistas como professores e/ou preceptores que fortalecerão a cultura necessária. Não dá mais para fazer eletroneuromiografia 80% do tempo e ser o formador do futuro internista no pouco tempo restante...

É comum o perfil com mente de especialista focal ou do estilo 'solitário diagnosticador de bruxarias' não entender o porquê do "velho com perda cognitiva e funcional, sem grandes perspectivas, com escaras até, internar para a Medicina Interna". Por quê????? Porque é óbvio que o neurologista não é o profissional ideal para assumir casos assim. E idosos com limitações também merecem o melhor cuidado possível dentro de suas realidades. O hospitalista, então, deve ser especialista em dor, em sintomas, em prevenção e tratamento delirium, em evitar iatrogenias, em quem sabe devolver o idoso para a comunidade minimizando ao máximo perdas cognitivas ou funcionais adicionais, em quem sabe garantir uma morte digna....


➽ O 'internista diagnosticador e consertador faminto' percebe a internação hospitalar como um espaço cômodo para "fazer tudo". Sem enxergar que a principal causa de uma sala de emergência lotada é uma enfermaria que não gira. Enxergam as infecções nosocomiais como mal necessário. Na busca por um compromisso social efetivo nas suas ações, precisaremos necessariamente entender o momento de fazer as coisas, e dividir o trabalho com outros ambientes de cuidado e seus profissionais.


➽ Para auxiliar na modelagem de um sistema como o que estou estimulando, Portugal impede o registro de múltiplas especialidades. Ou você é internista. Ou é cardiologista. Ao menos em período específico. Nos EUA, não possuem esse tipo de regulação, mas, na prática, ajustaram-se igual. Tanto Portugal como EUA abraçaram o internista como o 'coordenador do cuidado no hospital'. No Brasil, nos falta ainda até mesmo uma distinção melhor de quem é quem, de quem faz o que. Não é incomum aqui encontrar um arritmologista certificado atuando como tal nas quartas-feitas, enquanto nas segundas é um plantonista em Emergência (PS, como dizem os paulistas), nas quintas é um plantonista de TRR, e nas noites e finais de semana por vezes atua em UTI's para complementar a renda. Alguém realmente acha que estamos perante um ótimo arritmologista, um ótimo emergencista, um ótimo intercorrentista e um ótimo intensivista???????? É esse o sistema que queremos para tratar nossos familiares, por mais que muitas vezes seja conveniente para nós médicos? Percebam que nem citei o "ótimo internista". Porque no exemplo ele nem existe, mesmo que o arritmologista tenha feito necessariamente Medicina Interna (Clínica Médica) como ré-requisito.

“Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes

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