Sobre Medicina Hospitalar, hospitalistas, qualidade assistencial, segurança do paciente, erro médico, conflitos de interesses, educação médica e outros assuntos envolvendo saúde, política e cotidiano.
terça-feira, 31 de março de 2015
terça-feira, 24 de março de 2015
Sobre políticos e médicos...
Quando comento, a partir de simples observação, que não há muita diferença na relação de políticos com empreiteiras e de médicos com farmacêuticas, há sempre a defesa corporativa médica de que existe algo mais na categoria que a favorece para que não sucumba a conflitos de interesse. Mais altruísmo, mais empatia com o próximo, mais ética...
E acredito nisto também. Apenas não de forma maniqueísta, simplória. Mas exercitemos a ideia de que faz todo sentido, que a realidade é mesmo dicotômica, de que temos total capacidade de gerenciar conflitos e políticos não. Ainda assim, seria importante impormos aos médicos o mesmo controle que julgamos ser necessário na política. Única forma de levantar o dedo em riste e bradar: isto não pode! Mesmo tratando-se de atos suspeitos, relações questionáveis, mas corrupção não comprovada.
quinta-feira, 19 de março de 2015
A doença da Saúde Suplementar
Se não mudarmos o modelo de remuneração, as distorções podem até ser minimizadas, mas serão substituídas por outras mais elaboradas
O chamado escândalo das próteses é um tema importantíssimo, mas constitui apenas um dos sintomas nefastos de uma doença maior: o modelo de remuneração de prestadores de serviços médicos, principalmente hospitais.
É caso de polícia a indicação que alguns médicos fazem de órteses, próteses e materiais especiais (OPME) sem a devida indicação clínica com o simples propósito de aumentar seus ganhos financeiros.
A lógica por trás dessa prática, no entanto, é a mesma que incentiva a indicação de uma enorme quantidade de exames e procedimentos médicos: o modelo atual de remuneração, que estimula o consumo de OPME, de materiais em geral, de medicamentos e de tecnologia como fonte de receita.
É importante dizer que, ao concentrar seu ganho no almoxarifado, os hospitais buscam compensar a perda que têm com os valores de diárias, taxas e serviços que vêm sendo comprimidos nas negociações com as operadoras de saúde.
Esse modelo cria graves distorções, como a redução do ganho da maioria dos médicos --que age com lisura--, comprimido por gastos crescentes com insumos, que respondem às vezes por 60% de uma conta hospitalar, e a realização de procedimentos desnecessários ou sem a devida comprovação de indicação clínica.
Ademais, não há alinhamento com o propósito do sistema, que deveria ser o de alcançar o melhor desfecho clínico com a melhor equação custo-qualidade-efetividade e incentiva o desperdício em um setor que tem uma carência crônica de recursos.
Para o consumidor de plano de saúde, essa situação se traduz em mensalidades maiores e insegurança clínica. É um sistema que se alimenta do aumento das receitas pagas pelos beneficiários, e não da racionalidade no uso dos recursos.
Se não mudarmos esse modelo de remuneração, as distorções podem até ser minimizadas, mas serão substituídas por outras mais elaboradas. Vão continuar alinhadas a incentivos econômicos que atendem aos interesses de alguns atores da cadeia produtiva, mas não aos daqueles de quem se pretende cuidar. Tanto para hospitais como para operadoras, a mudança de modelo é também desejável.
O que sistemas de saúde mais desenvolvidos praticam é a chamada remuneração por pacotes e diárias globais, em que são negociados valores fixos atrelados à condição clínica do paciente e a protocolos balizadores de tratamento.
Alguns mais avançados já envolvem um percentual de remuneração condicionado ao sucesso efetivo alcançado para o paciente. O nome do jogo passa a ser o da eficiência: ganha mais quem tem melhor desempenho, e não quem gasta mais.
No Brasil, essa mudança no modelo de remuneração ainda encontra resistências. Vem sendo desvirtuada pela discussão a respeito de o governo estender ou não a regulamentação na saúde suplementar para os prestadores de serviço, como hospitais, uma vez que a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) só regula as operadoras de saúde.
A própria ANS já tentou patrocinar essa mudança e, por mais de dois anos, manteve um grupo de trabalho para a discussão do tema com representantes de hospitais e operadoras. Esse esforço, infelizmente, não atingiu objetivos práticos.
Interesses à parte, é difícil acreditar que o mercado, por si só, será capaz de promover essa mudança. Urge que o Ministério da Saúde, em conjunto com as agências reguladoras e demais órgãos envolvidos, conduza esse processo vital para maior eficiência e sustentabilidade do setor. Essa é uma ação imprescindível e estruturante que irá melhorar a saúde (e o bolso) de mais de 50 milhões de brasileiros.
O chamado escândalo das próteses é um tema importantíssimo, mas constitui apenas um dos sintomas nefastos de uma doença maior: o modelo de remuneração de prestadores de serviços médicos, principalmente hospitais.
É caso de polícia a indicação que alguns médicos fazem de órteses, próteses e materiais especiais (OPME) sem a devida indicação clínica com o simples propósito de aumentar seus ganhos financeiros.
A lógica por trás dessa prática, no entanto, é a mesma que incentiva a indicação de uma enorme quantidade de exames e procedimentos médicos: o modelo atual de remuneração, que estimula o consumo de OPME, de materiais em geral, de medicamentos e de tecnologia como fonte de receita.
É importante dizer que, ao concentrar seu ganho no almoxarifado, os hospitais buscam compensar a perda que têm com os valores de diárias, taxas e serviços que vêm sendo comprimidos nas negociações com as operadoras de saúde.
Esse modelo cria graves distorções, como a redução do ganho da maioria dos médicos --que age com lisura--, comprimido por gastos crescentes com insumos, que respondem às vezes por 60% de uma conta hospitalar, e a realização de procedimentos desnecessários ou sem a devida comprovação de indicação clínica.
Ademais, não há alinhamento com o propósito do sistema, que deveria ser o de alcançar o melhor desfecho clínico com a melhor equação custo-qualidade-efetividade e incentiva o desperdício em um setor que tem uma carência crônica de recursos.
Para o consumidor de plano de saúde, essa situação se traduz em mensalidades maiores e insegurança clínica. É um sistema que se alimenta do aumento das receitas pagas pelos beneficiários, e não da racionalidade no uso dos recursos.
Se não mudarmos esse modelo de remuneração, as distorções podem até ser minimizadas, mas serão substituídas por outras mais elaboradas. Vão continuar alinhadas a incentivos econômicos que atendem aos interesses de alguns atores da cadeia produtiva, mas não aos daqueles de quem se pretende cuidar. Tanto para hospitais como para operadoras, a mudança de modelo é também desejável.
O que sistemas de saúde mais desenvolvidos praticam é a chamada remuneração por pacotes e diárias globais, em que são negociados valores fixos atrelados à condição clínica do paciente e a protocolos balizadores de tratamento.
Alguns mais avançados já envolvem um percentual de remuneração condicionado ao sucesso efetivo alcançado para o paciente. O nome do jogo passa a ser o da eficiência: ganha mais quem tem melhor desempenho, e não quem gasta mais.
No Brasil, essa mudança no modelo de remuneração ainda encontra resistências. Vem sendo desvirtuada pela discussão a respeito de o governo estender ou não a regulamentação na saúde suplementar para os prestadores de serviço, como hospitais, uma vez que a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) só regula as operadoras de saúde.
A própria ANS já tentou patrocinar essa mudança e, por mais de dois anos, manteve um grupo de trabalho para a discussão do tema com representantes de hospitais e operadoras. Esse esforço, infelizmente, não atingiu objetivos práticos.
Interesses à parte, é difícil acreditar que o mercado, por si só, será capaz de promover essa mudança. Urge que o Ministério da Saúde, em conjunto com as agências reguladoras e demais órgãos envolvidos, conduza esse processo vital para maior eficiência e sustentabilidade do setor. Essa é uma ação imprescindível e estruturante que irá melhorar a saúde (e o bolso) de mais de 50 milhões de brasileiros.
Por MAURICIO CESCHIN, 56, clínico-geral e gastroenterologista, é presidente do Grupo Qualicorp e coautor do livro "A Saúde dos Planos de Saúde" (editora Paralela), em Folha
segunda-feira, 2 de março de 2015
Pátria Educadora
Semana passada recebi mais um convite "interessante".
Título: CONVITE PARA MINISTRAR AULA EM PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO
[optei por ocultar o nome]
Supervisora do Setor Pedagógico"
Título: CONVITE PARA MINISTRAR AULA EM PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO
Conteúdo:
"Prezado Dr. Guilherme Barcellos,
O Instituto [optei por ocultar o nome], credenciado pelo MEC, convida-o para participação como docente na Pós-Graduação. Caso haja interesse, enviaremos disciplinas do Curso de Pós-Graduação para que possas escolher os temas pelos quais ficarás responsável por ministrar. Neste sentido, ficaremos aguardando o seu pronto retorno, e, assim, entraremos em contato para maiores esclarecimentos. Desde já agradecemos a atenção. Seguem abaixo algumas informações gerais:
Aulas:
As nossas turmas têm aulas sempre aos finais de semana, porém, um a cada dois meses.
Os custos, tais como: hospedagem e passagens aéreas, são assumidas por nós.
O local de partida das passagens aéreas deve ser informado, até 15 dias após a confirmação da ministração da aula. Para que seja providenciada com antecedência. Caso, não seja informado, será comprada a partir do endereço do cadastro.
Valor acordado:
Os valores de remuneração pelos módulos ministrados variam de acordo com a titulação do docente que será depositado, em conta, até cinco dias após ocorrer a aula.
Visite nosso site neste endereço: [optei por ocultar]
Atenciosamente,
Tudo perfeito, não fosse parte do título que omiti. O original era:
CONVITE PARA MINISTRAR AULA EM PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO EM PEDIATRIA
Como historicamente abordo alguns assuntos transdiciplinares, como segurança do paciente ou conflitos de interesse na saúde, pedi algumas informações a mais através da mensagem abaixo, seguida do diálogo completo:
– "Olá, tenho interesse - dar aula é algo que gosto muito de fazer. Mas me ajude a entender melhor como posso ajudá-los. Minha área não é Pediatria, mas tenho atuação em algumas que são transdisciplinares. Em que pensaram exatamente?
Atenciosamente, Guilherme"
– "Temos o módulo de março em aberto, que trata sobre Epidemiologia do Ciclo Vital, Mecanismos Imunes, Alergia e Imunologia Infantil."
– "Mas não sei nada de Pediatria."
– "Dr, dê uma olhada no link [optei por ocultar]. Há diversas opções de cursos, veja onde melhor o Sr. se encaixa. Não queremos é perder alguém do seu gabarito."
Pequeno silêncio...
– "Qual sua especialidade mesmo?"
Pequeno silêncio...
– "Qual sua especialidade mesmo?"
– "Medicina interna e medicina intensiva"
– "Seguem os módulos que ainda estão disponíveis Clínica Médica/RO:
09 e 10/05/2015 - Neurologia e Psiquiatria
28 e 29/11/15 - Cardiologia e Geriatria e Reumatologia
12 e 13/12/15 - Anestesiologia, Emergências Médicas e Terapia Intensiva"
Dois dias de silêncio...
– "Nossas aulas são sempre aos sábados em turno integral, começando às 8:30 e terminando às 18:00 horas com intervalo de uma hora e meia de almoço. Aos domingos somente na parte da manhã, iniciando às 8:30 e finalizando ao meio dia. Os encontros dos cursos ocorrem uma vez a cada dois meses (devido maioria dos alunos não residirem no estado/cidade onde as aulas ocorrem).
Quanto às matérias, elas são divididas em módulos (no qual cada módulo possui uma série de assuntos correlacionados), e a cada encontro a turma recebe um módulo diferente.
A ementa do curso e o plano de aula ficam por conta do docente (tendo em vista que nem todos utilizam dos mesmos métodos para lecionar), desde que não fuja do assunto referente ao módulo."
Se eu ainda tivesse capacidade para achar e fazer graça destas coisas, teria aceito Epidemiologia do Ciclo Vital. Até me imaginei lá, e pedindo para algum aluno filmar com o celular... Renderia alguns meses de risadas. Foi quando lembrei que o aluno poderia ser um infeliz de outro estado...
domingo, 1 de março de 2015
Há tanta carência de líderes ou são as organizações que não sabem despertá-los?
Critico alguns movimentos na MH porque já são velhos conhecidos de minha segunda especialidade, a Medicina Intensiva. No eixo RJ-SP, há muito não existe real preocupação com quem colocam na linha de frente dentro das UTI's. Estão recheadas de não intensivistas, plantonistas sem continuidade, e gerenciadas por alguns intensivistas, os mesmos em várias unidades. Há relatos de que em algumas fazem rounds relâmpagos, indo de uma para outra, deixando para trás uma espécie de "super-residentes".
Esta semana, chegou-me este relato, demonstrando que a onda está chegando no RGS:
Não sei como ficou a questão, nem tenho interesse em saber. Apenas coloca em evidência dois modelos, um no qual acredito mais, e por princípios:
- Protagonismo (com critérios meritocráticos e transparentes) para quem é da casa - ou que seja contratado para virar da casa;
- Estímulo à formação de lideranças locais e à competição saudável.
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