É uma atração perigosa, quando se considera quem são os passageiros e quem são os donos dos jatinhos: os primeiros são homens políticos, que têm a obrigação de cuidar dos interesses da população, e os segundos são donos de empresas com negócios junto ao governo, que têm como único propósito cuidar dos próprios interesses. As duas coisas são raramente compatíveis. Pode o ocupante de um cargo oficial aceitar presentes de uma empreiteira de obras públicas?Se substituírmos os passageiros por médicos e a indústria farmacêutica pelos donos dos jatinhos, será que se mantém a nossa alta taxa de "absurdo" ou "não concordo"?
Sobre Medicina Hospitalar, hospitalistas, qualidade assistencial, segurança do paciente, erro médico, conflitos de interesses, educação médica e outros assuntos envolvendo saúde, política e cotidiano.
terça-feira, 30 de agosto de 2011
Duas coisas raramente compatíveis?
Na Veja desta semana, artigo Paixão oficial, de J.R. Guzzo, sobre "o fascínio das pessoas ligadas ao governo, e dos políticos em geral, pelo jatinho".
sexta-feira, 26 de agosto de 2011
Big Pharma
Esta discussão sobre a indústria de medicamentos e tecnologias é bastante movediça. Pode ser levada a um extremo que coloca em risco a saúde das pessoas, tanto ou mais como quando se critica a indústria por passar do ponto na promoção e marketing. Abaixo um vídeo que aborda isto de maneira bem humorada:
Pessoalmente não sou contra a indústria farmacêutica, já escrevi sobre isto em inúmeras postagens. Claro que historicamente a Big Pharma tem cometido alguns excessos, mas as práticas que mais estudo dizem respeito à atuação dela absolutamente dentro dos seus limites como empresa cuja principal missão é vender e vender os seus produtos. É a relação das entidades médicas e dos médicos com a indústria meu ponto principal e, infelizmente, penso que na maioria das vezes a indústria faz o seu papel apenas. Quem se deixa usar somos nós. E acredito muito também na força da influência inconsciente.
Se a Big Pharma não mudasse em nada na próxima década, mas nós médicos mudássemos, separássemos pelo menos nossa educação continuada dos interesses deles, acho que chegaríamos perto do ideal para um mundo que não seja utópico. Havendo interesse adicional pelo assunto, criei o grupo Industry-free medical education no Facebook.
quinta-feira, 25 de agosto de 2011
Sociedade de cardiologia aprova até hambúrguer
Lançado no País há pelo menos 20 anos, o selo de garantia concedido por associações médicas pode ser encontrado até em hambúrgueres.
Uma marca desse alimento industrializado - geralmente riscado do cardápio de quem procura hábitos mais saudáveis - é recomendada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). No site da entidade, é possível encontrar as razões para essa curiosa distinção: o produto teria baixo teor calórico e reduzido teor de gordura e sódio.
A explicação é a mesma para a extensa lista de biscoitos e pães que a sociedade recomenda.
O selo da SBC - uma das precursoras da estratégia - pode ser encontrado em dois tipos de margarinas, cinco tipos de bebidas à base de soja e quatro variedades de sucos, além de óleos, cereais, laticínios e equipamentos médicos, como medidores de pressão (Fonte: O Estado de S.Paulo).
A Sociedade Brasileira de Pediatria dá sua chancela a um sapato, um repelente e um sabonete bactericida.
Eduardo da Silva Vaz, presidente da sociedade de pediatria, afirma que os produtos são analisados por uma comissão independente antes de serem aprovados.
A entidade é remunerada pela concessão do selo (Fonte: Folha de São Paulo)
SBC vai pedir revisão de proibição de selo em alimento.
Uma marca desse alimento industrializado - geralmente riscado do cardápio de quem procura hábitos mais saudáveis - é recomendada pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). No site da entidade, é possível encontrar as razões para essa curiosa distinção: o produto teria baixo teor calórico e reduzido teor de gordura e sódio.
A explicação é a mesma para a extensa lista de biscoitos e pães que a sociedade recomenda.
O selo da SBC - uma das precursoras da estratégia - pode ser encontrado em dois tipos de margarinas, cinco tipos de bebidas à base de soja e quatro variedades de sucos, além de óleos, cereais, laticínios e equipamentos médicos, como medidores de pressão (Fonte: O Estado de S.Paulo).
A Sociedade Brasileira de Pediatria dá sua chancela a um sapato, um repelente e um sabonete bactericida.
Eduardo da Silva Vaz, presidente da sociedade de pediatria, afirma que os produtos são analisados por uma comissão independente antes de serem aprovados.
A entidade é remunerada pela concessão do selo (Fonte: Folha de São Paulo)
SBC vai pedir revisão de proibição de selo em alimento.
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
SAFETY 2011 - O que é mais seguro: Salto de paraquedas ou cirurgia?
Em atividade intitulada O que é mais seguro: Saltar de paraquedas ou ser operado da vesícula?, “comparou-se” a mortalidade da cirurgia (~ 0,3%) com estatísticas da Brigada de Infantaria Paraquedista do Brasil (milhares de saltos, acidentes em 0,035%, ausência de mortes), estimulando mais uma vez reflexões sobre gerenciamento de risco em saúde e sobre como podemos aprender com outros setores. [Leia mais]
domingo, 14 de agosto de 2011
Impacto do suporte financeiro da indústria farmacêutica nos eventos científicos e projetos de educação continuada
Eu já havia apresentado estes dados em Campanha Alerta, mas volto a fazê-lo agora ilustrando melhor alguns aspectos.
O título da postagem é o título de uma tese de mestrado sobre o tema e que pode ser conhecida na íntegra aqui.
O autor falando um pouco de sua motivação para o trabalho: "Um bom exemplo aconteceu no final dos anos 90, com uma revista que eu editava para uma grande empresa farmacêutica com atuação na Endocrinologia. Numa das edições, o gerente de produto responsável pelo projeto exigiu que mudássemos parte da afirmação de um notável especialista que concedeu uma entrevista sobre o lançamento iminente de uma nova droga utilizada no tratamento da obesidade. No trecho da discórdia, o entrevistado referiu-se à necessidade de estudos complementares para conhecer melhor a eficácia e, sobretudo, os efeitos colaterais do novo medicamento. Preocupada, a empresa sugeriu que minimizássemos as declarações sob o argumento de que todos os estudos haviam sido feitos e que o medicamento era seguro. A opinião do médico acabou prevalecendo, o que era raro, porém, a revista deixou de ser publicada poucos meses depois".
Introdução: "No Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM) recentemente se posicionou a respeito na Resolução 1.772, em que oficializa a recertificação a cada cinco anos por meio de avaliação ou da comprovação do acúmulo de créditos. Pesquisa recente do Conselho Federal de Medicina realizada com 14.405 médicos em todo o Brasil revelou que a freqüência a estes eventos aumentou 13% nos últimos 10 anos. Ora, se para manter-se competente ao longo do tempo é necessário atualizar continuamente os conhecimentos e as práticas, o médico se revela consumidor ideal de “pacotes de educação continuada” que lhe sejam entregues em formato prático e eficiente, como os congressos".
Questionamentos do autor: "Em que se pesem discussões sobre o formato, duração, conteúdo, localização e tamanho dos eventos científicos, sempre haverá o questionamento sobre os custos de sua organização: é possível economizar?"; "Seria possível organizar congressos de especialidades e outras atividades para educação médica continuada sem o auxílio financeiro da indústria?"
Resultados: "Um dado importante é com relação à interferência das empresas na elaboração dos projetos: os relatos não deixam dúvidas de que elas não tiveram ingerência na definição do conteúdo científico dos materiais que foram desenvolvidos. A parceria ficou restrita aos aspectos comerciais. Esse é um achado importante porque refuta a afirmação de que as empresas influenciam a pauta científica das instituições de pesquisa".
"Há que se considerar que os conflitos de interesse descritos na literatura ocorrem, em sua maior parte, durante eventos de grandes proporções como estes. Os entrevistados não relataram qualquer conflito entre as entidades e seus parceiros comerciais, mas admitem a possibilidade de existirem na relação direta entre o médico e a empresa".
"A ética foi o instrumento mais evocado como parâmetro para o bom comportamento, com a recomendação de que os interesses de ambas as partes devem ser revelados".
Discussão: "Os maiores problemas no relacionamento entre a classe médica e os laboratórios farmacêuticos sempre estiveram relacionados à falta de transparência, que afeta a credibilidade e minimiza a importância das ações da indústria, e à dúvida sobre se o apoio financeiro das empresas influencia ou não a agenda das sociedades médicas".
"Apesar de as sociedades médicas pesquisadas negarem a existência de conflitos de interesse entre si e as empresas que patrocinam projetos de educação continuada e eventos científicos, admitem a possibilidade de haver deslizes éticos na relação individual do médico com a empresa. A intensificação dos debates poderá levar as entidades a adotarem uma postura mais coerente, deixando de se eximir integralmente da responsabilidade por eventuais desvios de conduta de seus associados, como ocorre atualmente".
Leia na íntegra. Ao final, entrevistas com os presidentes das sociedades médicas envolvidas no estudo.
O título da postagem é o título de uma tese de mestrado sobre o tema e que pode ser conhecida na íntegra aqui.
O autor falando um pouco de sua motivação para o trabalho: "Um bom exemplo aconteceu no final dos anos 90, com uma revista que eu editava para uma grande empresa farmacêutica com atuação na Endocrinologia. Numa das edições, o gerente de produto responsável pelo projeto exigiu que mudássemos parte da afirmação de um notável especialista que concedeu uma entrevista sobre o lançamento iminente de uma nova droga utilizada no tratamento da obesidade. No trecho da discórdia, o entrevistado referiu-se à necessidade de estudos complementares para conhecer melhor a eficácia e, sobretudo, os efeitos colaterais do novo medicamento. Preocupada, a empresa sugeriu que minimizássemos as declarações sob o argumento de que todos os estudos haviam sido feitos e que o medicamento era seguro. A opinião do médico acabou prevalecendo, o que era raro, porém, a revista deixou de ser publicada poucos meses depois".
Introdução: "No Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM) recentemente se posicionou a respeito na Resolução 1.772, em que oficializa a recertificação a cada cinco anos por meio de avaliação ou da comprovação do acúmulo de créditos. Pesquisa recente do Conselho Federal de Medicina realizada com 14.405 médicos em todo o Brasil revelou que a freqüência a estes eventos aumentou 13% nos últimos 10 anos. Ora, se para manter-se competente ao longo do tempo é necessário atualizar continuamente os conhecimentos e as práticas, o médico se revela consumidor ideal de “pacotes de educação continuada” que lhe sejam entregues em formato prático e eficiente, como os congressos".
Questionamentos do autor: "Em que se pesem discussões sobre o formato, duração, conteúdo, localização e tamanho dos eventos científicos, sempre haverá o questionamento sobre os custos de sua organização: é possível economizar?"; "Seria possível organizar congressos de especialidades e outras atividades para educação médica continuada sem o auxílio financeiro da indústria?"
Resultados: "Um dado importante é com relação à interferência das empresas na elaboração dos projetos: os relatos não deixam dúvidas de que elas não tiveram ingerência na definição do conteúdo científico dos materiais que foram desenvolvidos. A parceria ficou restrita aos aspectos comerciais. Esse é um achado importante porque refuta a afirmação de que as empresas influenciam a pauta científica das instituições de pesquisa".
"Há que se considerar que os conflitos de interesse descritos na literatura ocorrem, em sua maior parte, durante eventos de grandes proporções como estes. Os entrevistados não relataram qualquer conflito entre as entidades e seus parceiros comerciais, mas admitem a possibilidade de existirem na relação direta entre o médico e a empresa".
"A ética foi o instrumento mais evocado como parâmetro para o bom comportamento, com a recomendação de que os interesses de ambas as partes devem ser revelados".
"Neste quesito [receitas a partir de inscrições] a única exceção foi no Congresso Brasileiro de Clínica Médica, onde as inscrições totalizam a maior fatia das receitas, mas o percentual não foi informado. Outro detalhe importante é a relação entre as receitas e as despesas destes eventos: a SBOT é a única sociedade que auferiu lucro com seu congresso brasileiro, a julgar pelas cifras informadas. Nos congressos da Febrasgo e SBCM houve equidade entre receitas e despesas".
Discussão: "Os maiores problemas no relacionamento entre a classe médica e os laboratórios farmacêuticos sempre estiveram relacionados à falta de transparência, que afeta a credibilidade e minimiza a importância das ações da indústria, e à dúvida sobre se o apoio financeiro das empresas influencia ou não a agenda das sociedades médicas".
"Apesar de as sociedades médicas pesquisadas negarem a existência de conflitos de interesse entre si e as empresas que patrocinam projetos de educação continuada e eventos científicos, admitem a possibilidade de haver deslizes éticos na relação individual do médico com a empresa. A intensificação dos debates poderá levar as entidades a adotarem uma postura mais coerente, deixando de se eximir integralmente da responsabilidade por eventuais desvios de conduta de seus associados, como ocorre atualmente".
Leia na íntegra. Ao final, entrevistas com os presidentes das sociedades médicas envolvidas no estudo.
segunda-feira, 8 de agosto de 2011
Globo divulga documento com princípios editoriais. Vamos fazer parecido na saúde?
O documento expõe as posturas e os procedimentos exigidos dos profissionais e dos produtos jornalísticos do grupo para que o material publicado como notícia se afaste ao máximo de subjetivismos, de opiniões pessoais - e ofereça vários ângulos dos acontecimentos.
Para atingir a isenção, o texto dá indicações como:
- "o contraditório deve ser sempre acolhido";
- "não pode haver assuntos tabus";
- "o trabalho jornalístico é essencialmente coletivo, e errarão menos aqueles que ouvirem mais"; e
- "os jornalistas das Organizações Globo devem evitar situações que possam provocar dúvidas sobre o seu compromisso com a isenção".
Para atingir a isenção, o texto dá indicações como:
- "o contraditório deve ser sempre acolhido";
- "não pode haver assuntos tabus";
- "o trabalho jornalístico é essencialmente coletivo, e errarão menos aqueles que ouvirem mais"; e
- "os jornalistas das Organizações Globo devem evitar situações que possam provocar dúvidas sobre o seu compromisso com a isenção".
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Um balde de água fria na Medicina Hospitalar...
Estudo sugere que a Medicina Hospitalar aumenta custos e estimula debate onde todos têm a ganhar. [LEIA MAIS]
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
SOBRAC promove campanha pra lá de esquisita!
Com o tema “pulsAção: sentindo o ritmo do seu coração”, a ação pretende conscientizar a população sobre a importância do diagnóstico precoce da fibrilação atrial (FA) e do tratamento adequado. A campanha conta com o hotsite http://www.ritmodocoracao.com.br/, onde há “informações gerais sobre FA, formas de diagnóstico e tratamentos disponíveis no Brasil”.
A Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (SOBRAC) é uma entidade médica sem fins lucrativos, afiliada à Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Os objetivos da SOBRAC são "normatizar as atividades relacionadas às arritmias cardíacas no Brasil, promover o desenvolvimento científico e a valorização profissional da especialidade, além de orientar a população leiga a respeito dos problemas mais comuns ligados à arritmia cardíaca, por meio de campanhas educativas".
O que chama a atenção de cara?
1. O apoiador principal é fabricante de cateter de ablação, um dos tratamentos disponíveis para FA;
2. Em Controle e Tratamento, gastam 65 palavras, 371 caracteres, para falar do que mais interessa do ponto de vista epidemiológico (dois primeiros parágrafos) e 179 palavras, 1000 caracteres, para falar da exceção, representada por “pacientes que não respondem ou são intolerantes ao tratamento medicamentoso” (restante do texto, com apoio de uma linda e estimulante imagem). Sendo que no texto inicial sequer seriam antiarrítmicos as drogas mais empregas, já que hoje controlamos freqüência na maioria dos casos, pelo menos fora de centros especializados.
Segundo o UpToDate,
Can J Cardiol. 2011 Jan-Feb;27(1):60-6. Canadian Cardiovascular Society atrial fibrillation guidelines 2010: catheter ablation for atrial fibrillation. Verma A, Macle L, Cox J, Skanes AC; CCS Atrial Fibrillation Guidelines Committee.
Kardiologiia. 2011;51(2):89-96. Catheter ablation for atrial fibrillation: clinically established or still an experimental method. Willems S, Hoffmann B, Steven D, Drewitz I, Servatius H, Rostock T.
Na campanha da SOBAC, citam as Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial. Vamos a ela então:
- Praticamente todos os autores e colaboradores declaram ausência de conflitos de interesse;
- “A prevalência de FA na população geral é estimada entre 0,4% e 1%, aumentando substancialmente com a idade. Na figura 3, observa-se que a prevalência de FA em pacientes com menos de 60 anos é inferior a 0,1%, ao passo que nos acima dos 80 anos sua prevalência é de 8%”;
- “O controle da freqüência cardíaca (FC) no paciente em FA constitui, geralmente, a primeira ação de tratamento, tanto em situações agudas, na emergência, como em casos crônicos. Esse controle visa principalmente a melhora de sintomas, promovendo bem estar e melhora da qualidade de vida (QV)”;
- “O uso de drogas antiarrítmicas para controle do ritmo é geralmente o tratamento de escolha em pacientes com FA há várias décadas. A limitada eficácia dessas drogas e seus efeitos tóxicos, às vezes fatais, demonstrados com o passar do tempo, estimulou a utilização da estratégia de controle da FC como opção terapêutica. Estudos recentes, envolvendo mais de 5000 pacientes, demonstraram que o controle da FC foi ao menos tão bom quanto o controle do ritmo nos pacientes com FA persistente. Meta-análise de quatro principais estudos (PIAF, AFFIRM, RACE e STAF) demonstrou que, em pacientes predominantemente idosos e com FA persistente, não havia diferenças entre as estratégias de controle de ritmo ou de FC em relação à mortalidade total e taxa de AVE isquêmico. Nos pacientes estudados, que, em geral, apresentavam risco aumentado para eventos trombo-embólicos, a anticoagulação oral adequada era a principal estratégia a ser mantida, a despeito da manutenção do ritmo sinusal ou apenas do controle da FC. Não houve diferença em relação a surgimento ou agravamento de IC com controle de FC versus controle do ritmo, nos principais estudos. Digno de nota, o estudo AFCHF demonstrou que, em pacientes com FA e insuficiência cardíaca, o controle da freqüência não foi inferior ao controle do ritmo. Assim, os resultados desses estudos sugerem que o controle da FC associada à anticoagulação se constitui em boa opção terapêutica em pacientes idosos, com FA persistente, oligossintomáticos ou assintomáticos, com risco aumentado de fenômenos trombo-embólicos e também naqueles com insuficiência cardíaca”.
- “Apesar da ablação da FA para manutenção do ritmo sinusal ser extremamente promissora, sua eficácia em longo prazo ainda não foi definida”.
- “Recomendações de ablação na FA (Classe I): FA sintomática em paciente jovem com coração estruturalmente normal sem resposta ou com efeitos colaterais pelo uso de pelo menos 2 drogas antiarrítmicas na ausência de condições metabólicas potencialmente correlacionadas à arritmia”.
Todos nós queremos reduzir complicações de arritmias, mas é o tom dado pela SOBRAC o tom ideal? Por que não educar pacientes e familiares para a difícil tarefa de anticoagular, ao invés de estimular a via da “terapia pontual e mágica”, para ser feita em 3D, agora que é moda no cinema?
Quem estuda aderência ou simplesmente não ignora aspectos do cotidiano da prática médica sabe como é difícil manter pacientes em tratamentos crônicos e como isto é atrapalhado pelas soluções milagrosas do Dr. Google.
A Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (SOBRAC) é uma entidade médica sem fins lucrativos, afiliada à Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Os objetivos da SOBRAC são "normatizar as atividades relacionadas às arritmias cardíacas no Brasil, promover o desenvolvimento científico e a valorização profissional da especialidade, além de orientar a população leiga a respeito dos problemas mais comuns ligados à arritmia cardíaca, por meio de campanhas educativas".
O que chama a atenção de cara?
1. O apoiador principal é fabricante de cateter de ablação, um dos tratamentos disponíveis para FA;
2. Em Controle e Tratamento, gastam 65 palavras, 371 caracteres, para falar do que mais interessa do ponto de vista epidemiológico (dois primeiros parágrafos) e 179 palavras, 1000 caracteres, para falar da exceção, representada por “pacientes que não respondem ou são intolerantes ao tratamento medicamentoso” (restante do texto, com apoio de uma linda e estimulante imagem). Sendo que no texto inicial sequer seriam antiarrítmicos as drogas mais empregas, já que hoje controlamos freqüência na maioria dos casos, pelo menos fora de centros especializados.
“Pacientes que não respondem ou são intolerantes ao tratamento medicamentoso podem se beneficiar da ablação por cateter, principalmente aqueles mais jovens, com muitos sintomas e sem doença cardíaca significativa. Em pacientes com essas características, a ablação por cateter é considerada um procedimento seguro e eficaz para a correção da fibrilação atrial, reduzindo em 65% o risco de recorrência da fibrilação em comparação aos medicamentos antiarrítmicos pelo período de um ano.” http://www.ritmodocoracao.com.br/controle-e-tratamento/Fazendo uma busca rápida no Pubmed e lendo o UpToDate, encontramos a coisa um pouco diferente, pelo menos na retórica. No dicionário Wikipédia, retórica é a arte de usar a linguagem para comunicar de forma persuasiva. Luis Cláudio Correa escreveu recentemente sobre “retórica” em Medicina Baseada em Evidências e Edwin Gale falou sobre a utilização dela inapropriadamente por Sociedades Médicas em UNISIMERS.
Segundo o UpToDate,
The role of radiofrequency catheter ablation (RFA) in the management of patients with AF has not been well defined. The potential benefits of successful RFA include the lessening of symptoms in patients who remain symptomatic with either a rate or a rhythm control strategy and the elimination of the potential complications of long-term antiarrhythmic drug therapy in patients whose symptoms are controlled. The potential role of RFA as a primary treatment of symptomatic AF is under investigation. Death occurred in 1 of 1000 patients (32 deaths during 45,115 procedures in 32,569 patients). The leading causes of death were cardiac tamponade (n = 8, 25 percent), stroke (n = 5, 16 percent), and atrioesophageal fistula (n = 5, 16 percent). Other causes included pneumonia, pulmonary vein perforation, and sepsis.O mesmo UpTpDate tem um capítulo onde se direciona a pacientes e familiares. Veja só:
Patient information: Atrial fibrillationFazendo uma busca rápida no Pubmed, encontramos:
Radiofrequency ablation is a procedure that can sometimes cure atrial fibrillation. The technique, however, is still evolving, and there is a small but real risk of serious complications, even with an experienced physician.
Can J Cardiol. 2011 Jan-Feb;27(1):60-6. Canadian Cardiovascular Society atrial fibrillation guidelines 2010: catheter ablation for atrial fibrillation. Verma A, Macle L, Cox J, Skanes AC; CCS Atrial Fibrillation Guidelines Committee.
Catheter ablation of atrial fibrillation (AF) offers a promising treatment for the maintenance of sinus rhythm in patients for whom a rhythm control strategy is desired. Successful ablation of AF has never been shown to alter mortality or obviate the need for oral anticoagulation; thus, the primary indication for this procedure should be improvement of symptoms caused by AF. Ablation is also associated with a complication rate of 2%-3%. Thus, ablation should primarily be used as a second-line therapy after failure of antiarrhythmic drugs.Dtsch Med Wochenschr. 2010 Mar;135 Suppl 2:S48-54. Epub 2010 Mar 10. Interventional therapy of atrial fibrillation: possibilities and limitations. Willems S, Drewitz I, Steven D, Hoffmann BA, Meinertz T, Rostock T.
Recently, significant progress has been made treating atrial fibrillation (AF) with catheter ablation emerging as an increasingly important technique. Therefore, catheter ablation for persistent AF cannot yet be considered "clinically established" and should only be performed in high volume centers. Additional data is needed to verify the beneficial effect of this strategy and determine "predictors" identifying patients profiting most from these ablation strategies. Overall, catheter ablation for AF has still to be considered as a symptomatic treatment since evidence for beneficial effects with regard to more robust clinical endpoints such as death, rehospitalization and ischemic cerebral events are not yet available.Deste, somente o título me basta, até porque o artigo é em russo:
Kardiologiia. 2011;51(2):89-96. Catheter ablation for atrial fibrillation: clinically established or still an experimental method. Willems S, Hoffmann B, Steven D, Drewitz I, Servatius H, Rostock T.
Na campanha da SOBAC, citam as Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial. Vamos a ela então:
- Praticamente todos os autores e colaboradores declaram ausência de conflitos de interesse;
- “A prevalência de FA na população geral é estimada entre 0,4% e 1%, aumentando substancialmente com a idade. Na figura 3, observa-se que a prevalência de FA em pacientes com menos de 60 anos é inferior a 0,1%, ao passo que nos acima dos 80 anos sua prevalência é de 8%”;
- “O controle da freqüência cardíaca (FC) no paciente em FA constitui, geralmente, a primeira ação de tratamento, tanto em situações agudas, na emergência, como em casos crônicos. Esse controle visa principalmente a melhora de sintomas, promovendo bem estar e melhora da qualidade de vida (QV)”;
- “O uso de drogas antiarrítmicas para controle do ritmo é geralmente o tratamento de escolha em pacientes com FA há várias décadas. A limitada eficácia dessas drogas e seus efeitos tóxicos, às vezes fatais, demonstrados com o passar do tempo, estimulou a utilização da estratégia de controle da FC como opção terapêutica. Estudos recentes, envolvendo mais de 5000 pacientes, demonstraram que o controle da FC foi ao menos tão bom quanto o controle do ritmo nos pacientes com FA persistente. Meta-análise de quatro principais estudos (PIAF, AFFIRM, RACE e STAF) demonstrou que, em pacientes predominantemente idosos e com FA persistente, não havia diferenças entre as estratégias de controle de ritmo ou de FC em relação à mortalidade total e taxa de AVE isquêmico. Nos pacientes estudados, que, em geral, apresentavam risco aumentado para eventos trombo-embólicos, a anticoagulação oral adequada era a principal estratégia a ser mantida, a despeito da manutenção do ritmo sinusal ou apenas do controle da FC. Não houve diferença em relação a surgimento ou agravamento de IC com controle de FC versus controle do ritmo, nos principais estudos. Digno de nota, o estudo AFCHF demonstrou que, em pacientes com FA e insuficiência cardíaca, o controle da freqüência não foi inferior ao controle do ritmo. Assim, os resultados desses estudos sugerem que o controle da FC associada à anticoagulação se constitui em boa opção terapêutica em pacientes idosos, com FA persistente, oligossintomáticos ou assintomáticos, com risco aumentado de fenômenos trombo-embólicos e também naqueles com insuficiência cardíaca”.
- “Apesar da ablação da FA para manutenção do ritmo sinusal ser extremamente promissora, sua eficácia em longo prazo ainda não foi definida”.
- “Recomendações de ablação na FA (Classe I): FA sintomática em paciente jovem com coração estruturalmente normal sem resposta ou com efeitos colaterais pelo uso de pelo menos 2 drogas antiarrítmicas na ausência de condições metabólicas potencialmente correlacionadas à arritmia”.
Todos nós queremos reduzir complicações de arritmias, mas é o tom dado pela SOBRAC o tom ideal? Por que não educar pacientes e familiares para a difícil tarefa de anticoagular, ao invés de estimular a via da “terapia pontual e mágica”, para ser feita em 3D, agora que é moda no cinema?
Quem estuda aderência ou simplesmente não ignora aspectos do cotidiano da prática médica sabe como é difícil manter pacientes em tratamentos crônicos e como isto é atrapalhado pelas soluções milagrosas do Dr. Google.
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