sexta-feira, 19 de julho de 2024

Jovens hospitalistas em seu apogeu técnico-científico também têm muito o que aprender com a velha guarda das enfermarias...

Recentemente fiquei sabendo que meu atual hospital está começando uma iniciativa de avaliação dos médicos preceptores pelos residentes. Muitos anos atrás eu já estimulava avaliação por pares em programas de MH que coordenei ou colaborei como consultor, com a particularidade, acredito que ainda pouco comum, de instigar avaliação dos hospitalistas pela equipe multidisciplinar.

À esquerda, avaliação de um hospitalista. À direita, do corpo clínico tradicional, composto por médicos antigos na instituição e que apresentavam altas taxas de permanência hospitalar, entre outros resultados problemáticos.







Em questões relacionadas à gerenciamento assistencial, como plano e preparação para alta hospitalar, os hospitalistas se saíam, em média, melhor do que o corpo clínico tradicional. A diferença já não foi tão favorável aos hospitalistas quando se permitiu um caráter mais subjetivo às respostas, como avaliando cordialidade. O hospitalista foi avaliado com nota mínima em cordialidade por 20% da equipe multiprofissional. E talvez isto também explique os 20% de notas mínimas em outras avaliações.
 
Surpreendentemente, quando enfermeiras e nutricionistas foram perguntadas sobre disponibilidade, o corpo clínico tradicional se saiu melhor, mesmo sem tanta presença física no hospital. Ao ver os resultados, que não foram muito diferentes com outros hospitalistas do grupo, fui conversar com a equipe multidisciplinar. Contaram, por exemplo, que pontuaram mal disponibilidade porque, mesmo que encontrassem fisicamente o hospitalista, não sentiam que dava valor às questões delas. A maioria dos médicos antigos, por sua vez, oferecia mais atenção, parecia gostar mais de conversar e explicar as coisas.

No campo da medicina, a competência técnica é, sem dúvida, um componente crucial. Médicos devem estar atualizados com os mais recentes avanços científicos, possuir habilidades diagnósticas afiadas e aplicar tratamentos eficazes. Este hospitalista da avaliação, em especial, tinha evidente muito boa capacidade técnico-científica. No entanto, a prática da medicina vai muito além disso. Para ser um médico verdadeiramente completo em hospitais, é igualmente essencial desenvolver habilidades interpessoais e demonstrar empatia e respeito pela equipe de saúde.

Quando os profissionais de saúde trabalham juntos, eles não estão apenas buscando uma solução para os problemas de saúde dos pacientes, mas também apoiando-se mutuamente, compreendendo as dificuldades uns dos outros e construindo confiança. A capacidade de ouvir ativamente e construir uma relação de confiança com a equipe é tão importante quanto a capacidade de realizar um diagnóstico preciso ou um tratamento de ponta. Equipes de saúde que se sentem compreendidas e respeitadas são mais propensas a seguir recomendações, comunicar preocupações de forma aberta e colaborar de maneira efetiva. 

O que tirei de lição deste episódio é que jovens médicos em seu apogeu técnico-científico também têm muito o que aprender com médicos antigos que muitas vezes chamam de "tigres". Disso depende inclusive a sustentabilidade de programas de MH Brasil afora... Não foi nem um nem dois tecnicamente bons médicos hospitalistas que já vi derrubados pela equipe multidisciplinar. E que bom que foram. Não é isso que põe em risco o movimento, é justamente a falta de soft skills, algo anterior. 

segunda-feira, 15 de julho de 2024

Três dias no hospital, três médicos diferentes

Recentemente, tive uma experiência pessoal no hospital durante início concreto da minha paternidade. Havíamos escolhido uma pediatra para o acompanhamento ambulatorial, mas optamos por alternativa outra para cuidado da sala de parto até a alta hospitalar do bebê, principalmente pela promessa de disponibilidade.

Disponibilidade faz muito bem para a satisfação e experiência de paciente e familiares no ambiente hospitalar, sendo possível a troca de familiaridade (em referência à condição de conhecer previamente o médico, ter com ele vínculo histórico) por disponibilidade:



Como não tínhamos familiaridade prévia com pediatra, por se tratar de primeiro filho, ficava mais fácil. Não bastasse, a possibilidade de experimentar uma suposta equipe de hospitalistas pediátricos me fez abraçar a escolha sem hesitação.

É importante destacar que fomos muito bem assistidos pelos pediatras no hospital, e os recomendaria tranquilamente. No entanto, gostaria de fazer alguns comentários baseados no meu conhecimento sobre o modelo hospitalista:

Percebi aos poucos que os pediatras se organizavam no hospital mais pela conveniência deles próprios do que pelo que há de avançado na literatura sobre otimização da qualidade assistencial e segurança do paciente. Não se trata de uma crítica pessoal, pois o sistema costuma ser desenhado para promover justamente esse tipo de postura. Os pediatras foram brilhantes dentro da lógica impregnada no nosso meio. Mas o mesmo grupo de “pediatras hospitalares” tinha uma estrutura ambulatorial até muito próxima do local da pediatra que escolhemos para o acompanhamento após a alta - consultórios relativamente distantes do hospital em que estávamos. Na verdade, atuavam no modelo tradicional – tanto no ambulatório quanto no hospital – e, para organizar melhor suas próprias vidas, faziam uma escala com um pediatra diferente do grupo a cada dia no hospital. Com isso, tivemos três dias no hospital e fomos assistidos por três pediatras diferentes. Nossa oportunidade de conversar in loco com o pediatra era, a priori, a cada 24hrs - uma marca do modelo dito tradicional ou não-hospitalista.

Sinceramente, não gostei disso. Enfrentamos um quadro de icterícia fisiológica do recém-nascido, que, ao final, não teve maior importância. Mas, em um cenário onde não parecia necessário realizar exames sanguíneos diários, como o médico poderia melhor reconhecer, sem a observação clínica do dia anterior, se “o amarelão” estava estável, piorando ou melhorando? Ao final, perguntavam aos pais...

David O. Meltzer, da Univerdade de Chigago, quem tive o prazer de conhecer localmente, bastante conhecido por seus estudos sobre a importância da continuidade do cuidado na assistência hospitalar, resume esta questão mais ou menos assim:

Argumenta que a continuidade do cuidado, onde preferencialmente o mesmo médico acompanha o paciente ao longo de sua internação hospitalar, é crucial para melhorar os resultados de saúde. Ele defende que essa prática permite um melhor entendimento do histórico e da evolução do paciente, reduz a fragmentação do cuidado e melhora a comunicação entre os outros profissionais de saúde e o paciente. Como consequência:

  • Resultados Melhores: Pesquisas de Meltzer sugerem que a continuidade do cuidado pode levar a uma redução nas readmissões hospitalares, melhor adesão ao tratamento e maior satisfação do paciente. Ele aponta que médicos que conhecem bem seus pacientes estão em melhor posição para tomar decisões informadas e personalizadas.
  • Eficiência e Custo: Meltzer também destaca que a continuidade do cuidado pode ser mais eficiente e economicamente vantajosa. Ao reduzir a duplicação de exames e procedimentos desnecessários, pode-se diminuir os custos hospitalares. Além disso, a melhora nos desfechos clínicos pode levar a menos complicações e, consequentemente, menos despesas com tratamentos de emergência.
  • Modelos de Assistência: Meltzer inclusive estuda atualmente um modelo em que o clínico volta a ter atuação dentro e fora do hospital. No entanto, diferente da experiência que vivenciei, é organizado para garantir horizontalidade no cuidado hospitalar. 
Como muitas vezes apresentei em slides sobre o modelo hospitalista:

“Continuidade NAS equipes é tão importante 
quanto continuidade DAS equipes”.




Leituras complementares:

Qual a melhor escala para distribuição de hospitalistas?

Se você é um paciente, fuja de enfermarias onde há um médico diferente a cada dia.

terça-feira, 9 de julho de 2024

10 anos de Programa de MH que desenhei com todo entusiasmo e parceria incondicional, na época, do administrador hospitalar Robson Morales. Já não estou mais lá.



Tal como adoram fazer gestores, permitirei-me uma lição carregada de viés de confirmação, depois um auto-elogio:


LIÇÃO 
Foi um programa desenhado, desde o primeiro minuto, para ser de MH.
E isso é importante para identidade sustentabilidade.

Muitos programas de MH, diferentemente, "começaram" como plantões clínicos mais sofisticados, com a promessa de fazer disso uma transição para verdadeiros hospitalistas. São incontáveis os exemplos no Brasil que não modificaram essa condição, nunca fugindo de plantão clínico, por vezes até perdendo a tal sofisticação. Tenho convicção da importância de se começar certo. E de que não é a toa, então. que o autor da postagem acima é um dos hospitalistas mais antigos do Brasil e com mais tempo atuando como tal na mesma instituição. 


Hoje recebi ainda uma mensagem do meu atual hospital e que encontra-se, certamente, em outro patamar tanto em estrutura quando em cultura de qualidade e segurança*. Estão começando uma iniciativa de avaliação dos médicos preceptores pelos residentes. Anos atrás eu já fazia avaliação por pares no HDP, com a condição, acredito que ainda pouco comum, de permitir avaliação dos hospitalistas pela equipe multidisciplinar. Mais detalhes do que fiz na época aqui. Dá um orgulho tremendo ver que algumas coisas fizemos "à frente do seu tempo"...


* Fomos, ano passado, Top of Mind pelos porto-alegrenses. Um dos hospitais mais bem equipados do Brasil, segundo a Global Health Intelligence. Acreditado e reacreditado algumas vezes pela JCI. 



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