Recebi convite para aula sobre Segurança do Paciente em universidade privada próxima de POA. Já ambíguo, comecei a preparar considerando repetição de abordagem que eu empregava muitos anos atrás, quando poucos falavam disso: coletânea de erros próprios e possíveis ensinamentos/soluções…
Sem muito esforço, fui anotando erros meus acontecidos em plantões recentes: Esquecimento de item de prescrição básico numa intercorrência noturna (algum cansaço, atenção desviada para tarefas que médicos não fazem em quase nenhum lugar do mundo); Demora de reação em situação básica (mais do que cansaço, obnubilação de alguns minutos - tipo como quando sai de um plantão por rota giratória que liga estacionamento do hospital à rua, na contramão / técnico querido percebeu a falha mas não ficou à vontade para apontar na hora); Pequei recente também em uma intercorrência em via pública por perda de consciência situacional, liderando uma verdadeira bagunça onde era para estar ocorrendo um atendimento certeiro.
Pois bem...
Perdi a vontade quando assimilei não valer a pena discutir erro humano com exemplos pessoais em território de perfeitos infalíveis (e essa cultura só se solidificou desde os tempos de outrora). Ando preferindo correr na rua, onde eventualmente tropeço também...
Hoje, tudo acontece ainda em cenário onde burocratas assumiram a Segurança do Paciente com enxurrada de pseudosoluções ou soluções não testadas adequadamente, não havendo incentivos para tal. Em cenários onde raramente violações são punidas (e deveriam), além de que acabam tratadas com medidas abrangentes que acabam por punir os profissionais engajados e bem intencionados, que, por sua vez, seguem sem ajudas reais para os protegerem de erros humanos.
Desisti completamente quando escutei sobre UTI pediátrica que estaria querendo ver plantonistas se dividirem durante à noite, restando sempre um acordado "de pé", porque no modelo anterior, em que podiam descansar em quarto ao lado, uma minoria não acha bom ser chamado pela enfermagem na madrugada e acaba por xingar as enfermeiras quando acontece. Não bastasse, não aceitam telefone dentro do quarto. Estes médicos deveriam ser repreendidos ou até demitidos, se insistência no comportamento (o que é = VIOLAÇÃO, coloca pacientes em risco).
Qual a solução pensada? Algo que além de punir os bons médicos, que buscariam atender na hora, ameaça pacientes com outros riscos: não é a toa que queremos que o mesmo médico que passou a visita da noite seja aquele a atender a intercorrência noturna - conheceu o paciente, ou assim espera-se. Aquele mesmo paciente que já é visto por um primeiro médico no turno da manhã, um segundo diferente no turno da tarde. Querem que quantos mais façam isto??? Quanto mais complexo e vulnerável o paciente, mais ele sofre por fragmentação do cuidado.
Aumentar fragmentação instintivamente, sem avaliação crítica das consequências negativas não intencionais e mitigação, aumenta justamente os relevantes erros que envolvem perdas de informações importantes para tomadas de decisões assertivas críticas:
Aula de 2008 |
Numa UTI, a depender da estrutura e organização, esta ideia pode colocar um quarto e um quinto médico vendo o mesmo paciente em espaço de 24hrs, em média privando mais profissionais de descansar, estando eles sem demandas. E devem mesmo descansar! Muitos ainda seguem para outro trabalho com pacientes na manhã seguinte (o que não estou defendendo, ok?).
Postagem de 2017 - andamos em círculos... |
Matéria do Instituto Brasileiro de Segurança do Paciente de 2017:
É dever do profissional de enfermagem chamar o médico em horário de repouso?
Spoiler: Não me importo de chamar o Enfermeiro na sala de lanches se considerar importante para o paciente.
Poderia funcionar o modelo da divisão por horários com médico acordado em complexidades onde não é necessária a visita da noite. Aliás, isto já ocorre em enfermarias e IGUAL o médico precisa ser chamado por alguma tecnologia como celular ou bipe, pois costuma estar atendendo em algum outro lugar do [por vezes imenso] hospital.
Alfredo Guarischi dedicou boa proporção de um dos primeiros eventos Safety com erros por fragmentação do cuidado (um dos palestrantes disto fui eu) e com impactos da privação do sono na segurança do sistema (palestra de Sami El Jundi sob a ótica da Saúde, outros trouxeram contribuições de setores como aviação comercial). Faleceu sem ver isso evoluir muito então. Em homenagem à nossa amizade, decidi não dar a aula e aproveitar a vida. No dia e hora que seria a aula, vou à bar com algum outro amigo.
E é impossível não lembrar deste artigo: Está o movimento de segurança do paciente em perigo?
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