segunda-feira, 23 de março de 2020

Mesmo que existisse, nossos olhos seriam incapazes de perceber efeito de novos tratamentos para o coronavírus.

A afirmação do título só não seria verdadeira se surgisse algum tratamento milagroso.

Mas tratamentos não costumam ser milagrosos, infelizmente. Em outras palavras, via de regra não funcionam 'sempre', nem 'muito'. Como já escreveu meu amigo Luis (https://medicinabaseadaemevidencias.blogspot.com), "são situações probabilísticas, que sofrem da incerteza do “número necessário a tratar”. Por isso são necessários estudos.


Não surpreendem-me interpretações equivocadas disto tudo. Inclusive por isso alavanquei no Brasil a iniciativa Choosing Wisely. E existe como iniciativa global em mais de 20 países.

E até mesmo por entender o quão natural da mente humana é interpretar na direção oposta, não havendo literacia em estatística e/ou vontade de entender (o que por si só, em situações contra-intuitivas, também é natural do humano), associado à avalanche de informações que estamos vivendo, coloquei a CWB em modo quase stand-by. Estou com tanta preocupação em não gerar mais calor, que, se meu próprio hospital optar por incorporar Cloroquina, com ou sem Azitromicina, estou decidido a localmente acatar quieto (embora pessoalmente investisse em outras coisas, e não gostaria de trocar o incerto pelo conhecido perfil de efeitos adversos das drogas em questão - apesar de não alarmante, inquestionável, cientificamente real). 

Mas algum contraponto precisa ser feito quando um dos donos dos maiores grupos empresariais multimídia do país vem a público dizer que saiu do hospital em razão de tratamento específico. Poderia ser qualquer tratamento específico. Ainda não temos nenhum para o COVID-19.

Ocorre que Nelsons, Silvios ou Hucks não conseguiriam identificar razão específica da melhora. E fariam um enorme desserviço, pelo grande alcance, ao promover ideias anti-científicas. Ainda mais frente a uma doença onde a maioria das pessoas melhora de qualquer forma. Ninguém conseguiria discriminar, não é sequer limitação de quem não seja profissional da saúde. Tente entender:



Indivíduo masculino de 57 anos 

Segundo dados divulgados recentemente pelo CDC:
Entre 55-64 anos, letalidade na faixa de 1,4-2,6%





Vou me permitir não fazer o exercício com esses números. Quero superestimá-los, para não ficar tão fácil de entender meu ponto de vista.





Vamos colocar a letalidade estimada em 30% - parece uma boa forma de superestimar, considerando dois possíveis exercícios: 

1. ~ 60 anos, sem, segundo informações públicas encontradas na internet, gravidade suficiente para considerarmos mais do que isso;

2. Ser 30% o pico de mortalidade geral de indivíduos com 85 anos ou mais.
https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/69/wr/mm6912e2.htm?s_cid=mm6912e2_w

Fosse então 30% a letalidade estimada, 7 de 10 Nelsons, Silvios ou Hucks teriam a mesma alta do hospital, com melhora, independente de qualquer elemento a mais na equação. 


Fosse qualquer nova intervenção efetiva, considerando que surgisse com um NNT de 10 (ótimo, = impacto do tratamento muito grande),


seria necessário tratar 10 pacientes para observar 01 benefício especificamente atribuível à nova intervenção. É assim que funciona, não como as mentes binárias querem acreditar!

Então não precisaria ser matemático ou estatístico para compreender que, se 7 de cada 10 Nelsons, Silvios ou Hucks sairiam melhor de qualquer jeito. E, do total, 1 em 10 teria seu resultado (prevenção de mortalidade) atribuído ao tratamento em discussão muito especificamente (o que não é verdade, é apenas um exercício mental). Bem como poderia existir um NNH (Harm), causando mortes especificamente pelo tratamento. É simplesmente impossível aos olhos da gente discriminar galardoados dos demaisÉ como se viessem disfarçados!  

E muito melhor disfarçado do que isso!
Nem o próprio contemplado seria capaz de reconhecer a si próprio.

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