segunda-feira, 16 de março de 2020

Divulgo nota de professor da UFRGS que admiro muito sobre Covid-19

Divulgação autorizada pelo autor.


Bom dia. 

Como epidemiologista que colaborou na resposta do Brasil na epidemia do H1N1 (2009) e do Zika (2015/16), cabe compartilhar algumas reflexões sobre as medidas para o Covid-19 envolvendo interrupção de atividades escolares: 

1. No dia 15/3 (ontem), Porto Alegre possuía 4 casos confirmados de infecção pelo coronavírus. Isso significa que a cidade ainda não vive um contexto epidêmico de transmissão comunitária sustentada (transmissão local sem que se possam caracterizar fontes e identificar minimamente contatos);

2. A decisão de suspender aulas em universidades e escolas é muito mais complexa do que sim/não. Deve prever ação coordenada pelos gestores de saúde locais, um cenário epidemiológico de transmissão comunitária sustentada e um plano de ação claro e definido, prevendo estratégias de orientação e apoio a estudantes, famílias, funcionários e professores, incluindo monitoramento do absenteísmo, etiqueta respiratória, medidas de precaução e redução do contato social extra escola. Deve definir a priori propósitos, finalidades e duração estimada;

3. Modelos matemáticos sugerem que o fechamento de curtíssimo prazo (dias) em função de casos na comunidade escolar não possuem impacto na curva epidêmica (reduzir número de casos e período de transmissão nas comunidades). Servem para identificar casos já diagnosticados e adoção de medidas como higienização e identificação de contatos;

4. Interrupções das atividades em curto prazo (2 a 4 semanas) e médio prazo (4 a 8 semanas) também não parecem impactar em modelos matemáticos prevendo “achatar” a curva;

5. Interrupções de longo prazo (8 a 20 semanas) talvez tenham alguma contribuição na redução das curvas epidêmicas em contextos de transmissão comunitária e, portanto, como estratégias de mitigação da transmissão nas comunidades;

6. Há países com resposta efetiva ao Covid-19 que fecharam escolas e outros que não fecharam escolas. O impacto econômico, social e sobre a aprendizagem deve ser considerado, sobretudo em relação às crianças e famílias mais vulneráveis do ponto de vista sócio-econômico; 

7. Há forte pressão para interrupção das atividades escolares num contexto de enorme heterogeneidade nas condições sociais para o cuidado de crianças que poderão ficar longos períodos em casa. O cancelamento de outros eventos sociais envolvendo aglomerações de pessoas podem exercer maior impacto na epidemia;

8. Interrupções de atividades escolares feitas de modo intempestivo, desacompanhadas de um plano integrado coordenado por autoridades sanitárias não apenas podem reduzir muito o impacto pretendido, como agravar situações como: aumento do convívio social extra escolar; dano às crianças e famílias mais vulneráveis em função da ausência de cuidadores, envolvimento de idosos no cuidado domiciliar das crianças. Em relação ao Covid-19, crianças não são o grupo de maior risco. Adultos, sobretudo os idosos alçados à posição de cuidadores num contexto de interrupção das aulas, sim;

9. Estamos diante de um cenário local ainda incerto e dinâmico quanto a sua magnitude e, sobretudo, duração. O contexto de transmissão comunitária (sustentada localmente) é fator importante em relação à quando e como as escolas e universidades devem ter suas atividades interrompidas; 

10. A pandemia do Covid-19 oferece ensinamentos globais para aplicação de respostas locais. O contexto epidêmico local deve prevalecer na resposta comunitária ao vírus. Esta se dá com planos coordenados entre secretarias estaduais, municipais, profissionais de saúde, educadores e a comunidade escolar. Todos, de alguma maneira, fazemos parte das comunidades escolares. Vamos auxiliá-las neste momento. Juntos e solidariamente, envolvidos em respostas coordenadas, podemos ser resilientes à pandemia. 

Ricardo Kuchenbecker

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