segunda-feira, 30 de março de 2020

Resposta ao COVID-19 pode fortalecer por longo tempo pensamento anticientífico.

Optei, há alguns dias, por desativar temporariamente redes sociais e sair de muitos grupos de WhatsApp. Coloquei em modo de quase stand-by iniciativa que coordeno, a Choosing Wisely Brasil. Incomodava-me a quantidade de informações e, apesar dela, a total fragmentação e improdutividade.

Em situações bem mundanas, quando algumas peças de quebra-cabeças apareceram montadas, tive inquietudes (estou mais sensível que o normal, devem compreender). Como quando um colega divulgou no Facebook inúmeras mensagens retratando médicos como heróis (e, por tabela, a si próprio), enquanto fechou completamente seu consultório. No hiperlink imediatamente a seguir, acessem nota da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar sobre a questão. Se a atenção ambulatorial brasileira simplesmente desaparecer, haverá graves consequências negativas para o sistema de saúde e seus pacientes. Será preciso reinventar-se, isso sim.

Do ponto de vista mais técnico, não estava conseguindo juntar muitas peças. São posicionamentos referentes à ecologia, epidemiologia e sociedade polarizados demais, embora eu consiga assimilar bem perspectivas de ambos os lados. Estou tentando chegar a conclusões por outras fontes. Será que devemos? Ou melhor seria entregarmo-nos resignados às orientações do pessoal do Ministério da Saúde, aparentemente muito bem-intencionado e, dentro do possível, técnico? Dei-me conta ainda que, para aprimorar a prática médica à beira do leito (onde tenho alguma chance maior de fazer diferença), preciso é de publicações científicas, não de Facebook, direcionando o tempo restante para qualquer outra coisa.

Venho atuando com pacientes COVID-19 suspeitos ou positivos e, no restante do tempo, em estratégia “humanamente impecável” de distanciamento social. Quando não no trabalho, costumo estar em casa então - a maneira mais fácil de ser efetivo. Ainda não tenho os critérios estabelecidos por meu hospital (em última instância, o poder público local) para isolamento completo. Entretanto, a atmosfera de irracionalidade está tão intensa que é socialmente aceito que eu vá de casa para o hospital de Uber, a menos de 1 metro de estranho, mas não que eu pratique responsavelmente exercícios na rua por 30 minutos (lembrem que o vírus não passeia pelo ar - espalha-se, mas muito pouco permanece, logo está nas superfícies). Muitas entidades médicas autorizam e estimulam a caminhada/corrida, desde que mantido o distanciamento social. E eu acrescento, embora não necessariamente estimule: sem parar em lugar algum durante percurso através de locais com previsão – já anterior à epidemia - de poucas pessoas, desviando delas e sem encostar em nada também. Mas a irracionalidade é tão prevalente e absurda que um colega do hospital que utiliza bicicleta para trabalhar foi atropelado por táxi e, ao invés de receber ajuda da Polícia Militar, recebeu um xingão (somente gaúcho fala assim?). Alguns profissionais da saúde que não têm carro e dinheiro para utilizar Uber todos os dias estão sendo hostilizados ao esperar por ônibus ou trem.

E, enquanto o calor da demanda ainda não se faz sentir no local que trabalho, é sobre irracionalidade que quero discorrer mais. Nada tem me incomodado mais do que isso por ora...

O debate sobre a Hidroxicloroquina é absolutamente esquizofrênico. Não será objetivo dessa postagem detalhar a razão. Sugiro leitura complementar aqui.

Mas a irracionalidade da Hidroxicloroquina trará consequências muito ruins em curto, médio e longo prazo. Em curto prazo, já está causando estresse moral em médicos de perfil mais cético - e o limite entre estresse moral e assédio moral, com sequelas futuras, é muito próximo. O leitor poderia dizer tratar-se de uma situação excepcional, sem tendência a se repetir tão cedo inclusive. Balela! E isso os estudantes e residentes da área da saúde precisam entender o quanto antes, para não moldarem o pensamento de forma anticientífica, culminando em grave consequência negativa de médio-longo prazo. Que mensagem queremos dar para os futuros médicos brasileiros???

A epidemia de agora é apenas um fator associado, servindo ainda como armadilha potencializadora. Não é causa de irracionalidade, nem deveria justificar suas consequências. Sabem bem aqueles que estão de fato conseguindo estudar racionalmente o fenômeno COVID-19 - com terror é impossível. Quem viveu a época do Xigris (drotrecogin alfa ativada), entre muitas outras situações emblemáticas de “medical reversal” da história recente da Medicina, como a bem recente falácia da Vitamina C na sepse, larga em vantagem para compreensão do cenário. Recordar é viver...

O Xigris apareceu como a “bala de prata” da sepse. Condição grave, ameaçadora da vida, serve para traçar um bom paralelo com o COVID-19 dentro das UTI’s. Diferente da Hidroxicloroquina para coronavírus, surgiu com algo que dava para chamar de trabalho científico. Detalhes dessa história aqui.

Naquela época, frente à mesma desafiadora sepse dos dias atuais, muitos médicos sentiram-se pressionados por todos os lados para prescrever o milagroso medicamento.


Isto que não era tão fácil perceber a insuficiência da evidência como é na situação bizarra e caricatural da Hidroxicloroquina. Esforços em que participei buscaram alertar (vídeos amadores lembrando atividade de 2008 aqui e aqui), em momento em que sociedades médicas e mídia praticamente só falavam maravilhas do Xigris, e não instigavam novos estudos.

Já os profissionais comuns dividiam-se entre apatia sob efeito manada, relatos eufóricos – muito pouco diferentes dos que têm surgido na mídia agora com a variante “sobreviveu pela Hidroxicloroquina”, apenas não viralizaram tão facilmente -, e os desconfortáveis. A droga somente foi retirada do mercado por aumentar mortalidade cerca de 10 anos depois de aprovada.

A questão aqui não é refutar medicamentos incertos em toda e qualquer circunstância por preciosismo científico. É sobre atuar em atmosfera que desestimula contusamente a conversa franca, verdadeira, com doentes e/ou familiares. É para que pelo menos a pressão por fantasias venha dos diretamente interessados, e possa existir uma negociação mínima, em estratégia de decisão compartilhada. Para tal, atmosfera oposta é imperativa! A impressão de que tu estás incorporado uma intervenção a mando do Trump, do Bolsonaro, da imprensa irresponsável ou do grupo condominial no WhatsApp - e não se fale mais nisto - é realmente muito difícil de lidar para quem se importa. Na instituição onde atuo, decidi que não falarei mais sobre Hidroxicloroquina - o clima não está adequado para debates dessa natureza, os tomadores de decisão estão com questões ainda mais relevantes e é injusto atrapalhá-los. Mas o silêncio por vezes incomoda também...

A epidemia vai passar - com mortos, feridos e rastros de destruição. Do tipo que a sepse bacteriana já nos proporciona faz tempos (circunstancialmente pior pela soma das coisas). A mídia especializada em saúde, ao menos, precisa ajudar as pessoas a saírem disto tudo minimamente racionais, quem sabe a partir de algumas mensagens a serem trabalhadas:
  • Médicos não conseguiriam perceber, com os olhos próprios apenas, se exatamente a Hidroxicloroquina (ou qualquer outra droga) faz diferença. Quem sugere isso deveria ser chamado de João de Deus, para, provocado, talvez refletir e compreender. Pois só se tivesse poderes mediúnicos mesmo (entendam o porquê aqui);
  • Pesquisadores devem, mais do nunca, atuar e atuar bem. É justamente momento de estudos muito bem delineados e conduzidos. Coalizão que se preze precisa de grupo placebo;
  • Médicos que hoje defendem a Hidroxicloroquina estarão proibidos de falar mal de terapias alternativas, como tantos gostam de fazer. Muitas são apenas fantasias, é verdade. Mas seus apregoadores não costumam travesti-las tão bem de “científicas”. Além do que costumam ser mais inofensivas. 

Disse-me um colega com quem debati o mesmo assunto, para acabarmos essa postagem:
- “Se emplacar a Hidroxicloroquina, não dá pra chamar de esquizofrenia. No teu caso, terás que te retratar”.
Boa oportunidade para resgate dos fundamentos básicos da Ciência. Ajudam na compreensão de que ela não serve a si própria, mas para defender as pessoas e a sociedade, justamente nos cenários embaçados. Que, ao cabo, todos comemoramos ou lamentamos juntos.

A situação específica não remete ao paradigma do paraquedas, na imensa maioria dos casos. Então representa contexto onde escutar vozes do além é loucura sim, até que se prove o contrário. Eu, se adoecer pelo COVID-19, até que uma evidência considerável surja para qualquer tratamento específico, não trocarei a incerteza pelos efeitos adversos de drogas como Hidroxicloroquina e Azitromicina, por mais incomuns que sejam. Quero, no pior dos cenários, bons intensivistas e bons ventiladores ao meu lado (muito eventualmente ECMO). Desejo profissionais livres de pressões desnecessárias, focados em ventilar de acordo com as melhores práticas, atentos à eventual sobreposição de insultos, os abordando como sempre fizeram, sem explosão criativa em momento onde o mais fácil é justamente perder a consciência situacional. E isto sabemos funcionar muito bem - dentro do possível.    

segunda-feira, 23 de março de 2020

Mesmo que existisse, nossos olhos seriam incapazes de perceber efeito de novos tratamentos para o coronavírus.

A afirmação do título só não seria verdadeira se surgisse algum tratamento milagroso.

Mas tratamentos não costumam ser milagrosos, infelizmente. Em outras palavras, via de regra não funcionam 'sempre', nem 'muito'. Como já escreveu meu amigo Luis (https://medicinabaseadaemevidencias.blogspot.com), "são situações probabilísticas, que sofrem da incerteza do “número necessário a tratar”. Por isso são necessários estudos.


Não surpreendem-me interpretações equivocadas disto tudo. Inclusive por isso alavanquei no Brasil a iniciativa Choosing Wisely. E existe como iniciativa global em mais de 20 países.

E até mesmo por entender o quão natural da mente humana é interpretar na direção oposta, não havendo literacia em estatística e/ou vontade de entender (o que por si só, em situações contra-intuitivas, também é natural do humano), associado à avalanche de informações que estamos vivendo, coloquei a CWB em modo quase stand-by. Estou com tanta preocupação em não gerar mais calor, que, se meu próprio hospital optar por incorporar Cloroquina, com ou sem Azitromicina, estou decidido a localmente acatar quieto (embora pessoalmente investisse em outras coisas, e não gostaria de trocar o incerto pelo conhecido perfil de efeitos adversos das drogas em questão - apesar de não alarmante, inquestionável, cientificamente real). 

Mas algum contraponto precisa ser feito quando um dos donos dos maiores grupos empresariais multimídia do país vem a público dizer que saiu do hospital em razão de tratamento específico. Poderia ser qualquer tratamento específico. Ainda não temos nenhum para o COVID-19.

Ocorre que Nelsons, Silvios ou Hucks não conseguiriam identificar razão específica da melhora. E fariam um enorme desserviço, pelo grande alcance, ao promover ideias anti-científicas. Ainda mais frente a uma doença onde a maioria das pessoas melhora de qualquer forma. Ninguém conseguiria discriminar, não é sequer limitação de quem não seja profissional da saúde. Tente entender:



Indivíduo masculino de 57 anos 

Segundo dados divulgados recentemente pelo CDC:
Entre 55-64 anos, letalidade na faixa de 1,4-2,6%





Vou me permitir não fazer o exercício com esses números. Quero superestimá-los, para não ficar tão fácil de entender meu ponto de vista.





Vamos colocar a letalidade estimada em 30% - parece uma boa forma de superestimar, considerando dois possíveis exercícios: 

1. ~ 60 anos, sem, segundo informações públicas encontradas na internet, gravidade suficiente para considerarmos mais do que isso;

2. Ser 30% o pico de mortalidade geral de indivíduos com 85 anos ou mais.
https://www.cdc.gov/mmwr/volumes/69/wr/mm6912e2.htm?s_cid=mm6912e2_w

Fosse então 30% a letalidade estimada, 7 de 10 Nelsons, Silvios ou Hucks teriam a mesma alta do hospital, com melhora, independente de qualquer elemento a mais na equação. 


Fosse qualquer nova intervenção efetiva, considerando que surgisse com um NNT de 10 (ótimo, = impacto do tratamento muito grande),


seria necessário tratar 10 pacientes para observar 01 benefício especificamente atribuível à nova intervenção. É assim que funciona, não como as mentes binárias querem acreditar!

Então não precisaria ser matemático ou estatístico para compreender que, se 7 de cada 10 Nelsons, Silvios ou Hucks sairiam melhor de qualquer jeito. E, do total, 1 em 10 teria seu resultado (prevenção de mortalidade) atribuído ao tratamento em discussão muito especificamente (o que não é verdade, é apenas um exercício mental). Bem como poderia existir um NNH (Harm), causando mortes especificamente pelo tratamento. É simplesmente impossível aos olhos da gente discriminar galardoados dos demaisÉ como se viessem disfarçados!  

E muito melhor disfarçado do que isso!
Nem o próprio contemplado seria capaz de reconhecer a si próprio.

segunda-feira, 16 de março de 2020

Divulgo nota de professor da UFRGS que admiro muito sobre Covid-19

Divulgação autorizada pelo autor.


Bom dia. 

Como epidemiologista que colaborou na resposta do Brasil na epidemia do H1N1 (2009) e do Zika (2015/16), cabe compartilhar algumas reflexões sobre as medidas para o Covid-19 envolvendo interrupção de atividades escolares: 

1. No dia 15/3 (ontem), Porto Alegre possuía 4 casos confirmados de infecção pelo coronavírus. Isso significa que a cidade ainda não vive um contexto epidêmico de transmissão comunitária sustentada (transmissão local sem que se possam caracterizar fontes e identificar minimamente contatos);

2. A decisão de suspender aulas em universidades e escolas é muito mais complexa do que sim/não. Deve prever ação coordenada pelos gestores de saúde locais, um cenário epidemiológico de transmissão comunitária sustentada e um plano de ação claro e definido, prevendo estratégias de orientação e apoio a estudantes, famílias, funcionários e professores, incluindo monitoramento do absenteísmo, etiqueta respiratória, medidas de precaução e redução do contato social extra escola. Deve definir a priori propósitos, finalidades e duração estimada;

3. Modelos matemáticos sugerem que o fechamento de curtíssimo prazo (dias) em função de casos na comunidade escolar não possuem impacto na curva epidêmica (reduzir número de casos e período de transmissão nas comunidades). Servem para identificar casos já diagnosticados e adoção de medidas como higienização e identificação de contatos;

4. Interrupções das atividades em curto prazo (2 a 4 semanas) e médio prazo (4 a 8 semanas) também não parecem impactar em modelos matemáticos prevendo “achatar” a curva;

5. Interrupções de longo prazo (8 a 20 semanas) talvez tenham alguma contribuição na redução das curvas epidêmicas em contextos de transmissão comunitária e, portanto, como estratégias de mitigação da transmissão nas comunidades;

6. Há países com resposta efetiva ao Covid-19 que fecharam escolas e outros que não fecharam escolas. O impacto econômico, social e sobre a aprendizagem deve ser considerado, sobretudo em relação às crianças e famílias mais vulneráveis do ponto de vista sócio-econômico; 

7. Há forte pressão para interrupção das atividades escolares num contexto de enorme heterogeneidade nas condições sociais para o cuidado de crianças que poderão ficar longos períodos em casa. O cancelamento de outros eventos sociais envolvendo aglomerações de pessoas podem exercer maior impacto na epidemia;

8. Interrupções de atividades escolares feitas de modo intempestivo, desacompanhadas de um plano integrado coordenado por autoridades sanitárias não apenas podem reduzir muito o impacto pretendido, como agravar situações como: aumento do convívio social extra escolar; dano às crianças e famílias mais vulneráveis em função da ausência de cuidadores, envolvimento de idosos no cuidado domiciliar das crianças. Em relação ao Covid-19, crianças não são o grupo de maior risco. Adultos, sobretudo os idosos alçados à posição de cuidadores num contexto de interrupção das aulas, sim;

9. Estamos diante de um cenário local ainda incerto e dinâmico quanto a sua magnitude e, sobretudo, duração. O contexto de transmissão comunitária (sustentada localmente) é fator importante em relação à quando e como as escolas e universidades devem ter suas atividades interrompidas; 

10. A pandemia do Covid-19 oferece ensinamentos globais para aplicação de respostas locais. O contexto epidêmico local deve prevalecer na resposta comunitária ao vírus. Esta se dá com planos coordenados entre secretarias estaduais, municipais, profissionais de saúde, educadores e a comunidade escolar. Todos, de alguma maneira, fazemos parte das comunidades escolares. Vamos auxiliá-las neste momento. Juntos e solidariamente, envolvidos em respostas coordenadas, podemos ser resilientes à pandemia. 

Ricardo Kuchenbecker

Less is More & Covid-19

Recebi há pouco algumas recomendações por WhatsApp, “para quem atua em hospital”, entre elas:

  • Não utilizar broncodilatadores de curta ação profilaticamente;
  • Se broncodilatadores forem necessários, prefira, sempre que possível, jatos a nebulizações;
  • Não utilizar oxigenoterapia sem hipoxemia;
  • Não utilizar VMNI apenas para “dar uma expandidinha”, busque as indicações precisas.

A grande preocupação é transmissão. Mas já não há multirresistência para lutarmos contra????

Todas são orientações amplamente aceitas, baseadas em evidências, disponíveis e necessárias há muito tempo. Sobre oxigenoterapia, eu já dizia, há mais de 10 anos, que são incomuns as exceções, muitas mitos, preponderando um uso absolutamente irracional e esdrúxulo de oxigênio nos hospitais.
Slide primeiro de aula preparada em 2006, provavelmente
para residentes de Medicina Interno do HNSC.
O e-mail não existe mais.
Este artigo de 2019, reforça o paradigma: 

Things We Do for No Reason: Supplemental Oxygen for

Patients without Hypoxemia


O que de fato pauta nossas decisões e ações? Por que tantas vezes não fizemos o necessário, mesmo quando "caindo de maduro"? Por que precisamos de fatos novos para enxergar o já existente, como recentemente ilustrado caricaturalmente a mim por uma sexagenária dizendo-se muito preocupada com o Covid-19 por sua pneumopatia incipiente e, segundo ela, caracterizadora adicional de grupo marcadamente vulnerável, enquanto tragava um cigarro muito naturalmente? "Estou preocupada com todo mundo, na verdade", completou, deixando fumaça atingir meu rosto.

Agora, frente a um problema real e de potencial negativo muito fortemente significativo (não tanto pelo Covid-19 diretamente, mas pelo efeito cascata que virá daí), percebemos pressão por modificar processos que já pouco deveriam existir, aumentando o gasto de energia e tempo para lidar com situação onde o consumo já é enorme por todas as novas e justificadas demandas. Surge a necessidade de curvas de aprendizado ou de, pelo menos, novos jeitos de fazer para questões que já deveriam estar superadas, dificultando organização nesse momento tão complicado.

Isso sem contar pressões por ações de efetividade questionável e cheias de potenciais consequências negativas graves. Deveríamos parar tudo que não gera potenciais alarmantes consequências secundárias em cadeia (situação por si só exige muita reflexão - e precisamos preservar atmosfera que as permitam), mas será necessária muita atenção para “parar tudo”. Motorista de Uber que peguei há pouco contou espontaneamente: “estou muito aprensivo. Tenho um equilíbrio financeiro tênue. Não tem nos faltado nada em casa desde que voltei a trabalhar. Tenho uma esposa, dois filhos e uma irmã desempregada que dependem de mim. Mas estou sem reservas, carro alugado, trabalho para pagar a semana imediatamente adiante. Se parar tudo por mais de 7-10 dias, será o inferno”.

Em meio à outra atmosfera onde vale tudo, pesquei comentário de um formador de opinião com posição política de oposição sugerindo que um caos econômico poderia servir para bem maior no futuro, enfraquecendo o Governo atual. Entretanto, serão os que não possuem reservas quem mais sofrerão se uma calamidade multidimensional acontecer. É hora de unirmos forças, atentarmo-nos para questões secundárias e conflitos de interesse. Já basta o que ameaça nosso frágil sistema de saúde.

E entre parar o supérfluo e parar tudo, há ainda oportunidades diversas para inovações ou simples reposicionamentos inteligentes, mesmo que momentâneos. Vai de impulsionarmos a telemedicina à modificarem prestação de serviços mundanos, como transferindo o foco maior de um restaurante de atendimento predominantemente in loco para tele-entrega. Na linha do que forçou há pouco o governador de Washington:

Ainda não é hora de “parar tudo” aqui no Brasil! Devemos considerar nossa maior vulnerabilidade econômica na complexa equação.

Quem sabe, por ora, além das medidas de saúde pública sem potencial negativo alto (e aí concordo que não sejam exigidas evidências positivas incontestáveis), investir também em freiar na saúde o que já não deveria estar sendo feito, liberando recursos pessoais* e materiais para utilização na luta em prol da manutenção do equilíbrio de nosso sistema de saúde, ou que seja da minimização de danos. Repensando em ciclos curtos. Uma semana ou, quem sabe logo mais, um dia de cada vez... E que venha o caos real, se for o caso. Mas não podemos sucumbir por boa intenção mal calibrada, despejada antes do tempo. Lembrem que nosso inverno começa em junho apenas.

Os desafios não são poucos, mas minha impressão é que o Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde de Porto Alegre estão fazendo boas reflexões e adotando ações adequadas. Razão porque não pretendo mais manifestar-me sobre o tema, os sugerindo como fonte, em meio a tanta exposição de informações e interpretações.



* Quem sabe, em algum momento, reavaliar os serviços de hemodinâmica para foco em afecções coronárias agudas ou situações de valor similar e realocar alguns cardiologistas e Enfermagem para ajudarem nas emergências e UTI's? Leitura complementar aqui

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