Deparei-me recentemente com investigação de fadiga e eventualmente dispneia em paciente idosa. Nega veementemente angina. Quadro de evolução prolongada e estável – com pequenas flutuações que não caracterizam mudança propriamente dita. Durante período de investigação cardiológica onde, em meses/ano, realizou cerca de uma dezena de eletrocardiogramas de repouso, Holter, alguns testes provocativos (testes de esforço, cintilografia miocárdica), angiotomografia de coronária, ecocardiografias, descobriu-se disfunção diastólica / padrão de relaxamento alterado. Em paralelo, tem obesidade e sedentarismo, ainda doença do sono grave e subtratada. Uma avaliação especializada bastante profunda descartou patologia pulmonar relevante ou evolutiva. Focaremos a partir de agora na avaliação cardíaca apenas, em contexto onde a paciente, insatisfeita com persistência dos sintomas, apesar de não ter perdido peso ou modificado qualquer hábito de vida, procurou um novo profissional, cardiologista, que passou a repetir mais uma vez quase tudo o que já havia sido feito.
Visão moderna sobre apropriação ou não de testes diagnósticos incorpora o conceito de que não basta servirem para realizar ou excluir diagnósticos, por mais que o façam acuradamente. Precisam ainda abrir alguma perspectiva de nova intervenção, de mudança de postura frente ao caso, devendo a reflexão obviamente anteceder a solicitação do exame:
“Venha positivo, farei algo diferente?”
“E venha negativo, farei algo diferente?”
Entretanto, essa visão moderna é demais para muitos médicos. Traz consigo os conceitos de sobrediagnóstico e sobretratamento, bastante novos. Muitos colegas, por mais especializações que tenham buscado, foram profissionalmente moldados por visão anterior onde sequer há referência a esses termos nos recursos didáticos, nem mesmo à Valor. E mudar comportamentos enraizados é complicado mesmo.
Na visão anterior, como esses conceitos não existiam então, bastava a informação a partir dos exames, mesmo que não servisse para nada do ponto de vista eminentemente prático. Será sobre esse velho paradigma que justificarei cateterismo no caso acima - para alguma mínima preservação da lógica e do bom senso.
Porque mesmo sob a ótica do modelo de raciocínio diagnóstico antigo, onde há mais testes desnecessários, resta a previsão de alguma racionalidade. Existindo, por exemplo, a fixação ou fetiche pela ideia de não deixar passar determinado diagnóstico, ao invés de repetir o mesmo exame já feito algumas vezes, o que usualmente não incrementa muito acurácia e aumenta probabilidade de falsos positivos, optar-se-ia por um teste com desempenho melhor do que o realizado previamente, mesmo que mais invasivo. É para ser básico, trivial, mas se não aprendeu isso na formação médica, não será atuando no mercado que acontecerá, onde o pouco tempo que temos para educação continuada investimos em novidades da área, não revisitando velhos conceitos de bioestatística, como distribuição gaussiana e fidedignidade de múltiplas tentativas.
Uma angiotomografia de coronária, entre os testes não invasivos disponíveis, já é o com melhor valor preditivo negativo para detecção de lesão obstrutiva significativa. A nossa do caso acima foi contundentemente negativa. Estudos comparando com o padrão ouro (cateterismo) demostram com consistência uma sensibilidade em torno de 95%. Já o teste ergométrico tem, variando com o protocolo utilizado (sem contar a probabilidade pré-teste, mas isso é demais para quem não entende o básico), sensibilidades de 20-80%.
Uma angiotomografia de coronária, entre os testes não invasivos disponíveis, já é o com melhor valor preditivo negativo para detecção de lesão obstrutiva significativa. A nossa do caso acima foi contundentemente negativa. Estudos comparando com o padrão ouro (cateterismo) demostram com consistência uma sensibilidade em torno de 95%. Já o teste ergométrico tem, variando com o protocolo utilizado (sem contar a probabilidade pré-teste, mas isso é demais para quem não entende o básico), sensibilidades de 20-80%.
Aqui uma comparação entre todos os testes não invasivos:
Então, se a dúvida que persiste é diagnóstico de cardiopatia isquêmica, já tendo feito tudo isso, inclusive uma angiotomografia de coronária, solicite, POR FAVOR, um cateterismo invasivo, não o vigésimo eletrocardiograma de repouso. Segue ao menos alguma lógica, mesmo que esdrúxula a luz do conhecimento mais atual...
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A atitude circular é a mais boçal de todas...
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