segunda-feira, 7 de julho de 2014

Reações adversas a medicamentos: um problema negligenciado?


por Maria Angélica Pires Ferreira, médica, membro executivo da Comissão de Medicamentos (COMEDI) e Simone Mahmud, farmacêutica, chefe do Serviço de Farmácia. Coordenadora do programa de Uso Seguro de Medicamentos. em BOLETIM QUALIS/HCPA nº2 Junho de 2014

Reações adversas a medicamentos (RAM) são definidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “qualquer efeito nocivo e não intencional que ocorre após a administração de um medicamento em doses normalmente utilizadas pelo homem para profilaxia, diagnóstico ou tratamento de uma enfermidade”.

Os dados na literatura sobre a epidemiologia das RAM são subestimados devido à falta de registros em prontuários clínicos e à dificuldade de diagnóstico, sendo que a maioria dos estudos que determinam a prevalência de RAM são prospectivos. Uma meta-análise que englobou 39 estudos prospectivos demonstrou que a incidência global de reações adversas graves foi de 6,7% (IC 95%, 5,2% - 8,2%) e de reações fatais foi de 0,32% (IC 95%, 0,23% -0,41%) dos pacientes hospitalizados. 

Adverse drug reactions as cause of admission to hospital: prospective analysis of 18820 patients. BMJ 2004; 329 doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.329.7456.15
Incidence of Adverse Drug Reactions in Hospitalized Patients: A Meta-analysis of Prospective Studies. Jason Lazarou, MSc; Bruce H. Pomeranz, MD, PhD; Paul N. Corey, PhD. JAMA 1998;279(15):1200-1205.

As reações indesejáveis induzidas por medicamentos podem ser previsíveis ou não. No primeiro caso, enquadram-se aquelas que podem ser antecipadas a partir dos conhecimentos da farmacologia do medicamento ou decorrente de interações medicamentosas, enquanto as imprevisíveis englobam as reações imunologicamente mediadas e as reações idiossincrásicas. Neste contexto, devem-se considerar as características individuais que podem alterar os efeitos da medicação. Por exemplo, em uma mesma dose o medicamento pode ser terapêutico para alguns indivíduos ou desencadear toxicidade para outros e as RAM podem ser consequência de interações entre medicamentos.

Apesar de serem comuns, as RAM frequentemente passam despercebidas. Isso ocorre em parte devido à dificuldade de diferenciá-las de outros problemas clínicos, mas também pode representar a falta de conscientização sobre o problema, cuja busca e identificação não está instituída de forma sistematizada na rotina assistencial. Dessa forma, principalmente em pacientes graves, que fazem uso de múltiplos medicamentos, a ocorrência de sinais e sintomas inexplicados, ou deterioração clínica inesperada, deve-se estar atento para a possibilidade de as manifestações serem decorrentes de RAM.

O Hospital de Clínicas tem um processo estabelecido de farmacovigilância que realiza busca ativa de RAM por meio de registro em prontuários. Durante os mais de dez anos de acompanhamento, tem se verificado que o processo de registro em prontuários é deficitário, dificultando a identificação e notificação de RAM. Para ilustrar, em 2014 houve 17 registros de RAM, sendo quatro delas consideradas graves e uma fatal. Os principais medicamentos relacionados foram: cefepime, heparina, sacarato de hidróxido de ferro e clozapina.

A falta de registro em prontuário representa um problema tanto em nível individual, no que se refere à assistência, ao dificultar a comunicação e a avaliação do caso entre os membros da equipe, como também um problema em nível sistêmico, uma vez que as RAM não são identificadas corretamente na instituição a fim de se tomarem medidas cabíveis com vista à prevenção e controle. Metodologias alternativas de busca de RAM estão sendo consideradas do ponto de vista institucional para que possam ser identificadas precocemente. No entanto, o registro das RAM no prontuário é fundamental para o desenvolvimento de ações preventivas.

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