Nada de novo quanto aos fatores responsáveis pelo alto custo com a saúde nos EUA, algo que não foge muito do que vivenciamos no Brasil. São eles: pagamento por procedimento (fee-for-service), dependência de tecnologia e cuidados caros, pois as taxas são mais elevadas para alta complexidade; dependência dos especialistas em maior proporção em relação a atenção primária; e pagar mais pelo mesmo serviço quando feito em ambiente hospitalar.
A análise mostrou que o ganho do médico representa 20% do total do gasto com saúde, no entanto as suas decisões influenciam outros 60%. Desta forma a conclusão literal, que merece destaque, foi a seguinte: “Nossa nação (EUA) não pode controlar os gastos desenfreados da saúde sem alterar fundamentalmente como os médicos são remunerados”.
Isso é algo já levantado pelo Institute of Medicine em suas publicações no início deste século e pela sugestão também proposta pelo Institute for Healthcare Improvement. Ou seja, não existe novidade nesta conclusão. O que existe de novidade está no envolvimento de uma Associação Médica trazendo isso a público.
O que merece destaque foram as recomendações que o Comitê apresentou. Ao todo foram 12 recomendações. As primeiras três recomendações têm a ver com a transição para longe do modelo de pagamento por procedimento:
1. No devido tempo as instituições deverão eliminar os pagamentos isolados por procedimento visto a ineficiência e aos problemas de incentivos financeiros (perversos).
2. A transição para a abordagem baseada em qualidade e valor deve iniciar com novos modelos de atenção nos próximos 5 anos, incorporando-as a um número crescente de práticas, com o objetivo de adoção ampla até o final da década.
3. O modelo de pagamento por procedimento ainda permanecerá como uma boa parcela dos pagamentos, desta forma será necessário recalibrar constantemente do modelo para encorajar um comportamento que melhore a qualidade e o custo-efetividade, e penalize comportamentos de uso inadequado ou uso excessivo do cuidado.
As próximas seis recomendações sugerem a transição para um modelo híbrido de pagamento baseado em valor focando no aumento do pagamento por serviços de avaliação e gerenciamento, reduzindo os “gaps” no pagamento pelo mesmo serviço médico independente da especialidade ou ambiente, e modelos avançados de pagamentos por pacotes (bundles) e capitação. Vejam as recomendações:
1. Tanto no Medicare como nas seguradoras privadas, reajustes anuais deve ser maiores para códigos de avaliação e gerenciamento, que são atualmente subvalorizadas. Reajustes para códigos de procedimentos de diagnóstico devem ser congelados por um período de três anos, exceto para aqueles que demonstraram estar atualmente subvalorizado.
2. Pagamentos mais elevados para serviços realizados em hospitais que podem ser realizados em ambientes de mais baixo custo devem ser eliminados.
3. Contratos para pagamentos por procedimento devem sempre incorporar métricas de qualidade dentro dos pagamentos negociados (pagamentos adicionais por performance).
4. Pagamento por procedimentos deve encorajar serviços de menor porte (com até 5 prestadores) para formas de relacionamento virtual e assim compartilhar recursos para atingir melhores patamares de qualidade.
5. Pagamentos fixos devem inicialmente focar em áreas onde haja maior potencial de redução de custos e melhor qualidade, tais como atenção a pessoas com múltiplas condições crônicas e procedimentos hospitalares e em seus seguimentos.
6. Medidas para salvaguardar o acesso a cuidados de alta qualidade, para avaliar a adequação de indicadores ajustados pelo risco, e para promover forte comprometimento dos médicos com os pacientes, devem ser colocadas em prática para modelos de pagamento fixo.
As últimas três recomendações são específicas para a melhoria do sistema de pagamento para os médicos dentro do Medicare, portanto não entrarei neste detalhe por ser muito específico para o mercado local.
O que é interessante destas recomendações está o intenso foco dado na lógica da atenção, valorizando a adequação (eficiência) e a qualidade (efetividade) das ações médicas através da sua vinculação à remuneração do profissional.
No Brasil estamos um pouco longe disso. Acredito que a principal diferença esteja no simples fato de que nos Estados Unidos, uma Associação Médica é quem financia estudos deste tipo para informar e formar os seus associados (médicos) em relação às mudanças que inevitavelmente ocorrerão, algo no mínimo invejável. Aparte desta questão “cultural”, eu acredito que a ANS já esteja olhando para isso quando propõe conceitos de qualidade no processo de avaliação dos procedimentos médicos, a iniciar pelos prestadores hospitalares. O que está faltando agora são gestores comprometidos, audaciosos e inovadores para iniciar, em larga escala, uma reforma na lógica da remuneração médica. Sem isso, os custos com a saúde irão aumentar cada vez mais e a percepção de valor pelo paciente será sempre duvidosa. Ouso a parafrasear a principal conclusão do estudo: “O Brasil não pode controlar os gastos desenfreados da saúde sem alterar fundamentalmente como os médicos são remunerados”.
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