É lamentável que o Conselho Federal de Medicina não tenha encontrado força para implementar medidas que reduziriam a promiscuidade entre os profissionais da saúde e a indústria farmacêutica.
Em 2010, CFM e AMB (Associação Médica Brasileira) costuravam com a Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) um acordo para disciplinar as relações entre médicos e laboratórios. O presidente do CFM, Roberto D'Ávila, anunciava, então, que o patrocínio a viagens seria vetado. Se não o fosse pela via do compromisso, seria por resolução do conselho, assegurava. Nesta semana, ao assinar um pacto que traz regulamentação bem mais branda, D'Ávila se lamentou: "Foi o máximo que conseguimos fazer". A resistência da indústria ao veto a viagens tem dois motivos principais. Em primeiro lugar, boa parte dos congressos médicos e eventos científicos realizados no Brasil e no exterior depende do apoio financeiro dos laboratórios. Talvez seja um exagero afirmar que não aconteceriam sem o patrocínio, mas é inegável que se dariam em condições mais modestas. Em segundo lugar, a maioria dos médicos assegura que não se deixa influenciar por brindes em suas decisões clínicas. Aceitar presentes em nada prejudicaria os pacientes. Nenhum profissional sério, claro, arriscaria seu cliente e sua reputação por alguns dias num hotel de praia. O problema, como todo publicitário sabe, é que a propaganda atua também por vias das quais não tomamos consciência. Se assim não fosse, o marketing direto não funcionaria tão bem quanto parece funcionar. Num estudo clássico de 2000 no "JAMA" (periódico da Associação Médica Americana), Ashley Wazana concluiu que a distribuição de brindes, amostras grátis e subvenções para viagens têm efeito sobre as atitudes dos médicos. Pagar uma viagem para um médico aumentaria entre 4,5 e 10 vezes a probabilidade de receitar as drogas da patrocinadora. Nos EUA, os laboratórios dedicam ao marketing cerca de 25% de seus orçamentos, contra menos de 15% destinados à pesquisa. Isso não significa que todo relacionamento entre indústria e médicos seja espúrio. Há situações em que os interesses da indústria e da sociedade convergem. É o caso do desenvolvimento de novas drogas e o monitoramento das existentes. Como as ênfases e lealdades são diferentes, no entanto, é importante criar mecanismos que tornem as relações mais transparentes. É o que o CFM vem encontrando dificuldade para fazer. Publicado em 16/02/2012 Neste outro texto publicado em A Gazeta, além da interpretação, a meu ver equivocada, de que o que dá errado na relação entre médicos e indústria é sacanagem consciente na maior parte das vezes, o autor alerta para um risco importante da negligência das entidades médicas: regularão externamente por nós, o que pode trazer fortes pontos negativos. "É preciso repreender tais corrupções penalmente no Brasil, pois os médicos falharam com sua entidade de classe. Resta ao Congresso Nacional criminalizar as condutas doravante liberadas no CFM", escreveu o autor, fomentando um maldito ciclo vicio que somente aumenta a cortina de fumaça sobre o problema. Escreveu ainda sobre o resultado do acordo: "Uma espécie de orgasmo proibido - sem dizer o que fazer se ocorrer o acidente do prazer". |
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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
Editorial da Folha de SP cobre o acordo entre CFM e Indústria Farmacêutica
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