O autor é articulista da Folha de São Paulo: HÉLIO SCHWARTSMAN. Diz respeito ao que foi postado imediatamente abaixo.
A chamada medicina baseada em evidências se funda na estatística, a qual, sendo uma ciência exata, deveria ser capaz de nos fornecer algumas certezas, como responder de uma vez por todas se a terapia de reposição hormonal deve ser utilizada.
No mundo real, contudo, não só não encontramos tal nível de precisão como ainda topamos com trabalhos que desmentem o consenso da semana anterior para, alguns meses depois, serem eles mesmos questionados por outros estudos.
A boa notícia é que a estatística é inocente. Ela continua sendo uma ciência exata. O problema é que nós, seres humanos (médicos incluídos), não somos muito bons em processar as informações que ela nos fornece.
Dizemos que um trabalho tem significância estatística quando é improvável que seus resultados tenham sido produzidos só pelo acaso.
Mas o que entendemos por “improvável”? Evidentemente, é impossível ter 100% de certeza. De modo geral, quando temos 99% de significância ou mesmo 95%, nos damos por satisfeitos e afirmamos haver evidências em favor da nossa hipótese.
A questão é que raramente olhamos para o reverso desse número. No caso da significância em 95%, de cada cem testes que fizermos, a estatística prevê que cinco estarão fora de alcance, podendo apresentar qualquer resultado. Num mundo que produz milhares de trabalhos científicos por semana, é uma questão de tempo até que surja um estudo que contradiz os anteriores.
A “solução” da comunidade médica tem sido apostar nas metanálises, nas quais se avaliam grupos de estudos mais ou menos parecidos.
E as sutilezas da estatística não são o único nem o maior problema. Por vieses neurológicos diversos, as pessoas (médicos inclusive) dão mais valor a instintos e percepções afetivamente determinadas que a dados científicos.
Em “O Andar do Bêbado”, o físico Leonard Mlodinov conta a história de um importante médico que, ao comentar um trabalho de US$ 12,5 milhões, que praticamente demonstrava que a popular combinação dos suplementos alimentares glucosamina e condroitina não era melhor do que placebos na prevenção da artrite, insistiu em afirmar que o tratamento era possivelmente benéfico.
Seu argumento, registrado nos arquivos da rádio pública dos EUA: “Uma das médicas da minha mulher tem um gato e ela diz que o gato não se levanta de manhã sem uma dose de glucosamina e sulfato de condroitina”.
Se em situações normais já é difícil trocar nossos instintos selvagens pelas abstrações dos estudos controlados, isso fica quase impossível quando esses instintos são reforçados pelos cheques da indústria farmacêutica.
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