Divulgo texto que escrevi e está sendo divulgado por Rede Nacional de Advogados Especializados na Área da Saúde:
Grande repercussão tem tido o caso da auxiliar de enfermagem de São Paulo que teria injetado vaselina em paciente ao invés de soro fisiológico. Faleceu uma menina de 12 anos.
Segundo divulgado na imprensa, “ela teria entendido que involuntariamente causou a morte da menina. De acordo com o delegado, a profissional disse que pegou dois frascos na mão que eram iguais e que, em um deles, leu a palavra soro e, no outro, achou ter lido. Após a morte, o hospital afirmou que pretende usar rótulos ou vidros diferentes para evitar que as duas substâncias sejam confundidas”.
Em 1999, o Institute of Medicine (IOM) publicou o relatório To err is Human. Os dados apresentados foram surpreendentes: entre 44.000 e 98.000 americanos morreriam a cada ano em função de erros relacionados com a assistência à saúde. Mais recentemente, um estudo brasileiro analisou três hospitais do Rio de Janeiro e mostrou que oito em cada cem pacientes internados sofreram um ou mais eventos adversos. A maioria dessas ocorrências foi classificada como evitável.
Segundo o moderno movimento de segurança do paciente, isso não significa que os milhões de médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e demais profissionais de saúde queiram causar dano às pessoas ao cometerem todos estes erros. É preciso entender e aceitar que o problema poucas vezes se refere “às maças podres” (apesar de haver algumas), mas usualmente ao profissional comprometido e dedicado trabalhando em um sistema que não prioriza a segurança e que, enquanto depender da inexistência do erro humano, estará condenado ao fracasso – e casos como este se repetirão cada vez mais.
É preciso promover uma nova cultura em relação ao tema, que seja amparada em princípios como “se errar é humano, como encarar verdadeiramente a questão?”. O maior problema, se continuarmos a insistir em tratar o assunto apenas com a postura de querer punição ao profissional da linha de frente nos casos que viram conteúdo midiático, é incentivarmos um ambiente que estimula ainda mais o silêncio e não se prepara de verdade para antecipar falhas e interceptá-las, antes que causem danos. Lucian Leape, da Escola de Saúde Pública da Harvard, escreveu recentemente que “mais de meio século de teoria e experimentação em psicologia cognitiva, engenharia de fatores humanos e vários campos de alto risco, principalmente o da aviação, dão força a esta recomendação: aperfeiçoe os sistemas, se quiser minimizar os danos”.
Cuidemos para não fazer da auxiliar de enfermagem uma “segunda vítima”. Talvez ela somente tenha sido surpreendida “segurando o revólver fumegante” e não deva ser vista como quem o disparou. Há problemas e falhas de processos óbvias no caso. Fosse na aviação, a aeronave sequer decolaria, porque os próprios pilotos e comissários não aceitariam. Na saúde, segundo Robert Wachter, expert em segurança do paciente, “nos tornamos acostumados e paralisados por nossos erros, passando a considerá-los efeitos colaterais inevitáveis de uma guerra heróica de alta tecnologia que a despeito disto parece estar sendo ganha. É como se estivéssemos passado os últimos 30 anos construindo um carro esportivo extremamente potente e equipado, mas não tivéssemos investido um centavo ou segundo tendo certeza se ele possuía amortecedores, cintos de segurança ou airbags".
Transformemos esta triste realidade por uma visão sistêmica – e somente assim beneficiaremos milhares com maior segurança em nossos hospitais. Nada mais traz esta menina de volta, mas provavelmente enquanto escrevo este texto, vários erros estão acontecendo nos hospitais mundo e Brasil afora. E é preciso interceptá-los.
Leia também em Rede Nacional de Advogados Especializados na Área da Saúde: Erro Médico em hospital: 440 problemas em um ano
Outros textos meus sobre o assunto:
Reflexões sobre problemas e erros na assistência à saúde e o caso Ulbra
Os erros nos hospitais estão lá, esperando que nós os encontremos ou que eles nos encontrem
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