sábado, 11 de dezembro de 2010

Artigo sobre conflitos de interesse publicado no Jornal da Sociedade Mineira de Terapia Intensiva

Eu e o Dr. Paulo Ricardo Cardoso publicamos no SOMITI Informa ano 18, número 44, de novembro de 2010 o artigo intitulado Existindo conflitos de interesse, todos somos influenciáveis (até mesmo os médicos, até mesmo os autores deste artigo).

Divulgo abaixo:

Relacionamento entre médicos e indústria farmacêutica, conflitos de interesse, e preocupações quanto ao impacto disto em qualidade assistencial, custos e educação médica têm cada vez mais sido pauta de discussões, algumas calorosas, no meio médico acadêmico, associativo, e também na mídia de uma maneira geral.

Enquanto muitos médicos consideram que as preocupações são justas e que discutir o assunto é necessário, outros se ofendem ao simplesmente observar esta discussão vir à tona (“é uma afronta a nossa integridade e põe em cheque a ética profissional de toda a corporação”). Esses indivíduos acreditam que sua devoção à Medicina e aos pacientes (que efetivamente costumam ter) os protegem de influências externas. Entretanto, esta visão pode se basear em falta de compreensão ou entendimento incompleto da psicologia humana. Conflitos de interesse são problemáticos não apenas porque são comuns, mas principalmente porque as pessoas pensam incorretamente que sucumbir a eles ocorre apenas por corrupção intencional, o que não é verdade. Sucumbir a conflitos de interesse pode ocorrer sem que percebamos.

Outras vezes até percebemos os potenciais conflitos de interesse em si, mas reconhecendo (corretamente) que se expor não significa por si só sucumbir ou cometer ato antiético ou imoral, criamos justificativas para aceitá-los e aumentamos os riscos. A relativização poderia se dar por acreditarmos em um benefício maior para o movimento ou grupo que representamos, por exemplo. Na prática, ocorrem pressões para relativização variadas e por todos os lados.

O cérebro ético

Estudos em neurociência e psicologia sugerem que toda pessoa pode ser um pouco mais influenciável do que costuma pensar que seja. E não é surpreendente que médicos pensem que conflitos de interesse não os afetam, pois na maioria das vezes isto se dá no subconsciente. É compreensível, então, que a maioria de nós se enxergue como pessoas éticas que sob hipótese alguma colocariam sua objetividade a venda.

Evidências da psicologia oferecem uma perspectiva diferente, na qual julgamentos podem ser distorcidos ou enviesados sem que percebamos ou sendo isto percebido tarde demais. Foi por isto que optamos por fazer o PASHA2010 independente: reconhecimento de nossa própria fragilidade.

Relacionamento entre médicos e farmacêuticas: um assunto complexo

Não é raro nos vermos envolvidos não porque queremos, sequer porque nosso subconsciente nos prega uma peça, mas porque estaríamos simplesmente impossibilitados de traduzir a verdade. Algumas vezes, os dois intensivistas que subscrevem este artigo defenderam o Early-Goal Directed Therapy (EGDT) em palestras. A estratégia de Rivers tem plausibilidade biológica. E há um ensaio clínico randomizado demonstrando redução de mortalidade. Paralelamente, há publicada no The Wall Street Journal denúncia de que pacientes teriam “desaparecido” do estudo após o processo de randomização. E o WSJ sugere que Rivers e seu hospital tenham recebido milhões da empresa fabricante da tecnologia usada no grupo EGDT.

[New Therapy for Sepsis Infections Raises Hope but Many Questions]
[More Questions About Conflicts of Interest and "Surviving Sepsis"]

Será que quando demos as palestras, estávamos enganando sem saber? Não temos esta resposta – queremos um “novo” ensaio clínico. Se não fizermos nada para melhorar, o que estará em causa é a sobrevivência do próprio modelo da medicina baseada em evidências, que tanto êxito nos trouxe até hoje.

Declaração de conflito de interesse

A resposta da comunidade acadêmica a conflitos de interesses normalmente se dá através da exigência de declaração. Não é suficiente. E algumas evidências demonstram que pode até piorar as coisas.

Conclusões

A verdade que se descortina é que não somos tão livres para pensar e decidir quanto queremos acreditar, fato que encontra seu viés bioético no entendimento que as decisões são tomadas dentro de certos graus de liberdade, mais ou menos condicionados interna e externamente. Quanto mais individual nossa perspectiva sobre a realidade, menor sua pretensa objetividade.

Há aqueles que tentam nos desqualificar neste debate dizendo que estaríamos querendo ser paladinos da moral e da ética. Pensássemos isto e buscaríamos fazer eventos com a indústria e aproveitar o melhor dos dois mundos. Infelizmente, somos influenciáveis!

Bem como entendemos que as sociedades médicas de especialidades têm a obrigação especial de aderir a padrões éticos rigorosíssimos. Para somente então cobrar de seus membros algo próximo disto.

Leituras recomendadas:
Conflicts of Interest - Challenges and Solutions in Business, Law, Medicine, and Public Policy (2005)
Conflict of Interest in Medical Research, Education and Practice (2009), Institute of Medicine (IOM)
The Dirt of Coming Clean: Perverse Effects of Disclosing Conflicts of Interest - Journal of Legal Studies, vol 34 (January 2005)
Professional medical associations and their relationships with industry: a proposal for controlling conflict of interest. JAMA. 2009 Apr 1;301(13):1367-72.

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