domingo, 23 de janeiro de 2022

Quanto a referência à Choosing Wisely na Nota Técnica 2/2022 - SCTIE/MS: Foi para ENCHER LINGUIÇA!

     A Choosing Wisely (CW) foi citada na Nota Técnica 2/2022 - SCTIE/MS:


     A CW é uma campanha multinacional para discutir sobreutilização de recursos em saúde. Sobreutilização inclui excessos que também se definem por "quantidade que excede os limites comuns de alguma coisa; o que é redundante; em que há copiosidade".

    De forma tragicômica, porque é parte do que a iniciativa combate, o nome CW entrou sem qualquer necessidade no documento, sugerindo utilização para "preencher espaço", fechar um número grande de pseudoexplicações. Qualquer um acostumado com a metodologia CW, ao ler a Nota Técnica, recomendaria como principal: 'Não escreva o desnecessário. O que não ajuda, na tomada de decisão, atrapalha". A não ser que o objetivo seja atrapalhar, encher linguiça para platéia não técnica...


     Por ser um exemplo de iniciativa que aponta o que NÃO FAZER, serviu de justificativa para escrevem que "os critérios metodológicos das Diretrizes Terapêuticas, de regra, diferem do que se observa de forma geral na iniciativa Choosing Wisely". Discurso pseudocientífico é assim: traz umas verdades até, que servem para fingir ser o assunto em questão mais complexo do que é. Ou simplesmente confundir, desviar o foco.

     Se é verdade que a iniciativa CW, de forma até mais do que geral, difere das tradicionais diretrizes e protocolos médicos, é também verdade que muitas Diretrizes Terapêuticas modernas utilizam sistemas que também contemplam “recomendações contrárias”: o clássico “Class III: No Benefit", presente em tantas diretrizes mundo afora.

     A questão central é outra: nem Choosing Wisely, nem Diretrizes Terapêuticas de qualquer natureza, possuem base independente para concluir ou dizer diferente do cômputo geral das evidências científicas, já amplamente disponíveis nos assuntos que geram a falsa polêmica atual. Basta observar a forma como a esmagadora das organizações científicas e instituições de saúde mais renomadas do mundo têm abordado a COVID-19.

     Questão secundária, de importância ainda enorme, é a referência do MS de que não há evidências suficientes para um posicionamento contrário. Quando, no início da pandemia, era verdadeira a informação de que o assunto era pouco estudado, por razões auto-explicativas, a resposta passava pelo ônus da prova. Hoje, conforme pode ser conferido em The WHO Therapeutics and COVID-19: living guideline, ou diretamente nos estudos independentes que o amparam, há evidência suficiente relacionada à falsa controvérsia. O MS, ao ignorar explicitamente a existência disto, de forma absurdamente caricatural na sua ridícula tabela 1, desloca claramente o debate para o terreno das crenças, única e exclusivamente. Para evitar falar em crime contra a humanidade.  

tabela 1

     Por tudo isto, a Nota Técnica 2/2022 - SCTIE/MS resta como peça clássica de folhetim pseudocientífico, clamando por máxima organização de todas as entidades médicas técnico-científicas como forma de minimizar o impacto negativo do atual momento na credibilidade da Medicina brasileira. 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

A confusão entre os paradigmas individual e populacional é compreensível, mas já passou do ponto.

A confusão entre os paradigmas individual e populacional é compreensível. Olho para trás e vejo que, eu próprio, cometi erros de interpretação ainda na era anterior da Influenza (H1N1) - sobre vacinação inclusive, muito especialmente após o arrefecimento daquela epidemia. Acho ainda que, na época da sua fase mais quente, também a instituição onde eu atuava cometeu equívocos: os protocolos traziam quase que exclusivamente uma lógica de cuidado INDIVIDUAL.

Ok, "tudo bem", pensamento a gente molda, aprimora - ainda mais eu como médico generalista, não epidemiologista de formação específica.

A experiência da COVID-19 surgiu cheia de ineditismos, nem todos imediatamente percebidos. Esteve até o dia de hoje carregada de incertezas, em maior ou menor grau. Há profundas incertezas no horizonte novamente: será o fim através de contaminação em massa? Surgirá nova variante? Houve naturalmente novos equívocos de interpretação durante esta epidemia também então. @LuisCLCorreia admitiu em https://www.instagram.com/p/B-u-2XjHuuA/ sobre https://medicinabaseadaemevidencias.blogspot.com/2020/01/coronavirus-epidemiologia-do-medo.html. Uma coisa poucos meses depois da outra.

É normal, "tudo bem" novamente. Super-especialistas erraram, craques em modelos preditivos "falharam" (entre aspas, porque não é a palavra apropriada para quem entende o que sejam modelos preditivos e suas esperadas limitações).

Apavora-me, e cada vez mais, no entanto, em janeiro de 2022 😳, gente conhecida de nosso movimento Choosing Wisely aqui no Brasil e fora, insistindo na confusão, minimizando os impactos sistêmicos da pandemia na saúde. Prasad descarrilhou completamente. Analisando mais profundamente um dos casos nacionais, foi possível mapear um perfil que defende quase a história natural dos problemas de saúde. A única coisa que pode e deve ser trabalhada são os [ninguém discute que importantíssimos] determinantes sociais. Rechaça qualquer tipo de intervenção artificial ou controle externo, com critérios bastante controversos sobre o que é artificial e o que é natural, ou sobre a falsa dicotomia entre uma coisa ser necessariamente boa e a outra necessariamente ruim. Sobre controle externo, sofre fácil de ver influência de Foucault e sua análise do poder e da domesticação dos corpos que compõem o espaço social (não é bolsonarista então, atenção para este detalhe). A partir disto, problematiza demais estatinas, vacinas, máscaras e a causa raiz das mortes com teste para COVID positivo durante esses últimos dois anos.

É muito fácil ser médico 'less is more' assim. Basta um script padrão, nos mesmos moldes que ideólogos extremistas criticam outros vários temas. Quando faltam argumentos, desviam para humanização e empatia (apenas - criando outra falsa dicotomia). Caricaturalmente, tornam possível fazer medicina sem precisar ler profundamente artigo científico e o mar de evidência que o cerca para concluir sobre probabilidade a priori do resultado em foco. Chega nesse ponto, basta citar Ioannidis e lembrar que a maioria dos estudos são falsos. Não queremos fazer da CWB um movimento assim!

Certa vez, dei de presente a estudantes que se aproximaram prometendo colaboração o curso de MBE do Luis Correia. Passado um tempo, sem que assistissem, perguntei se não iriam. Disseram que o conteúdo era muito denso, denso demais, "quem sabe vídeos curtos de até 2 minutos por tópico". Deixaram de ser os colaboradores que desejamos no movimento. Nos bastidores da Choosing Wisely Brasil, buscamos um movimento diferenciado que aprofunde, que fuja do simplório. Para, somente depois, simplificar.

O simplório pode sujar tanto a "água" do movimento "less is more", que corremos o risco de jogar sua parte boa fora em meio a tanto rechaço que celebridades como Vinay Prasad tem gerado, numa clara confusão entre paradigmas individual e populacional, mas não apenas: entre o que é interpretação crua de evidência e injeção de valores e preferências meramente pessoias nelas, característica de líderes carismáticos inflexíveis
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