Obviamente carisma não é uma característica negativa por si só, mas pode ser perigosa quando o líder se resume a isto. Ou quando o carisma e necessariamente alguns fatores associados passam a predominar, mesmo que por momentos ou situações.Transformational Leadership, Corporate Cultism and the Spirituality Paradigm: An Unholy Trinity in the Workplace? https://t.co/VDwAkKwINN— Guilherme Barcellos (@brhospitalist) July 3, 2020
Segundo o texto, líderes carismáticos tendem a ser indivíduos com auto-imagens muito positivas e muito orgulhosos dos temas e conclusões sobre os quais estudam ou refletem com frequência. Podem ainda ser pessoas com auto-confiança e convicções pouco abaláveis. Percebem a realidade unicamente através do prisma de suas próprias visões e as transferem, mesmo que através da sedução de admiradores - sem exatamente forçar então.
Neste cenário, o líder pode simplesmente impor crenças e modos aos seus recalcitrantes seguidores, a despeito de certos ou errados. Não há espaço para dúvidas ou dissidências. Uma perspectiva alternativa, baseada na institucionalização do feedback é raramente considerada. A influência é, via de regra, unilateral, fluindo do(s) líder(es) para os subordinados - é isso que passam a ser, subalternos mesmo. Problemas se tornam inevitáveis quando estes líderes desenvolvem convicções sobre só existir um único jeito de fazer as coisas - o seu próprio.
Qual a relação com Choosing Wisely e decisão compartilhada?
Uma coisa é criticar Cloroquina ou qualquer outra intervenção médica momentaneamente fantasiosa. Outra, bem diferente, é entrar em guerra com pacientes diretos ou potenciais ao defenderem ou optarem por fantasias - Cloroquina, Ivermectina ou qualquer outra. Poderia ser stents em pacientes assintomáticos, um debate de mais de uma década entre realidade e ilusão. E, como líderes carismáticos, acabar disseminando mais ódio do que informação necessária. É potencialmente muito injusto (muitos de nós costumamos ter nossos amuletos também), mas não apenas: é incompatível com decisão compartilhada e autonomia das pessoas;
Uma coisa é criticar uma determinada abordagem, como massoterapia, acupuntura ou Swan Ganz argumentando que, cientificamente, não se deve afirmar que cura ou melhora o prognóstico médico da doença. Outra coisa, bem diferente, é satanizar essas intervenções, que sequer poderiam ser chamadas de pseudociência quando quem as oferece/utiliza não lhes imputa propriedades desproporcionais ou descabidas. E, como líderes carismáticos, acabar disseminando mais estilo próprio do que informação útil e que auxilie na escolhas de terceiros;
Uma coisa é querer transformar, na marra, qualquer coisa em uma intervenção médica quando não é, como certas práticas espirituais ou rituais sociais variados. Outra, bem diferente, é querer proibir para os que gostam porque você não gosta. E, como líderes carismáticos e influentes, acabar disseminando mais preconceito do que informação transformadora.
Gostos e preferências, hobbies e manias não necessariamente devem ser discutidos com Pubmed eternamente aberto, intervalos de confiança, significâncias estatísticas e NNT's/NNH's....E é esta outra coisa que os perfis 'donos da razão carismáticos influenciadores', quando fazem, "fazem bem". Porque, quando pregam, alimentam tribo, ao mesmo tempo que bloqueiam diálogos externos. Transformam-se, então, em multiplicadores de si próprios e, muito naturalmente, em barreiras para decisões verdadeiramente compartilhadas e em risco escalonável para autonomias alheias. O risco final é o da transformação de movimentos que, mesmo quando confundem com comunicação interna geralmente harmoniosa, e possam dizer que defendem a Ciência, culminam em cultos pouco maleáveis, justamente uma característica da pseudociência:
Pensar e fantasiar não pode jamais ser considerado ilegal*, mesmo quando errados! A pior proibição é a do pensamento, passo essencial do exercício de autonomia, bem ou mal conduzido, bem ou mal exercido! Dificulta o trabalho de quem defende o método científico, mas faz parte...
* Profissionais da área também podem, eles próprios, optar por práticas ilusórias, e seria problema deles apenas. No entanto, quando o fazem profissionalmente (a até mesmo algumas postagens públicas em redes sociais podem caracterizar tentativa de convencimento por argumento de autoridade e, portanto, profissional), deveriam ser alvo de investigação, senão legal, ética - pelos respectivos conselhos profissionais. Ainda assim, atmosfera totalmente inculpadora deve ser evitada, para manutenção de Cultura Justa: não faz sentido queimar bruxos cloroquiners, como na Inquisição, no mesmo contexto cultural onde o próprio CFM ainda avaliza homeopatia, cardiologistas colocam milhares de stents desnecessários e promotores de bem-estar (wellness) hipertrofiam valor universal e inegociável de dietas específicas (como na seita low-carb) ou do estilo/intensidade de práticas esportivas com base em gostos pessoais, e por aí vai... Calma!
"Já ouvi um cético falar de modo superior e desdenhoso? Certamente. Às vezes até escutei, para minha posterior consternação, esse tom desagradável na minha própria voz. Há imperfeições humanas em ambos os lados dessa questão. Mesmo quando é aplicado com sensibilidade, o ceticismo científico pode parecer arrogante, dogmático, cruel e sem consideração para com os sentimentos e as crenças profundamente arraigadas dos outros. E deve-se dizer que alguns cientistas e céticos diligentes aplicam essa ferramenta como se fosse um instrumento grosseiro, com pouca finura. Às vezes é como se a conclusão cética viesse em primeiro lugar, como se as afirmações fossem rejeitadas antes do exame da evidência, e não depois. Todos nós acalentamos as nossas crenças. Em certo grau, elas definem o nosso eu. Quando aparece alguém que desafia o nosso sistema de crenças, declarando que sua base não é suficientemente boa - ou que, como Sócrates, faz perguntas embaraçosas em que não tínhamos pensado, ou demonstra que varremos para baixo do tapete pressupostos subjacentes de importância capital -, tal fato se torna muito mais do que uma busca do conhecimento. Nós o sentimos como um ataque pessoal." Carl Sagan, O Mundo Assombrado Pelos Demônios, cap. 17 - O casamento do ceticismo e da admiração.
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