Segundo reportagem publicada nesta Folha, a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade estima que, dos cerca de 5.000 profissionais ligados à entidade, 10% trabalhem em consultórios particulares –até há pouco atuavam apenas na rede pública.
O movimento não se limita a especialistas em saúde da família. A função de médico primário também pode ser desempenhada por clínicos gerais e profissionais de áreas mais abrangentes, como cardiologia, endocrinologia e geriatria.
A redescoberta do velho médico de família ilustra algumas das contradições da medicina moderna. Numa descrição caricatural, a oposição se dá entre o atendimento personalizado, proporcionado pelo generalista, e o massificado, no qual são vistos órgãos e moléstias, mas não o doente como um todo.
Embora uma combinação de romantismo e saudosismo faça a primeira opção soar mais atrativa, a verdade é que as duas abordagens são necessárias e não excludentes.
As estatísticas, onde elas existem, atestam que profissionais e centros hiperespecializados, que realizam procedimentos em escala industrial, têm resultados muito superiores aos de médicos e hospitais que não lidam tão frequentemente com o problema. Padronização e experiência levam a menores taxas de erros e complicações.
Dessa constatação empírica não decorre que o generalista deva ser mera porta de entrada que leva ao especialista. Não só porque a esmagadora maioria dos problemas podem ser resolvidos com intervenções simples, mas também porque é importante –e em alguns casos fundamental– que um único profissional esteja à frente do processo.
Conhecendo bem o paciente e tendo com ele uma relação de confiança, o "médico personalizado" encoraja a adesão ao tratamento, sobretudo quando implica mudanças no estilo de vida ou o uso contínuo de remédios. Facilita, também, a adoção de medidas preventivas.
Com a centralização, além disso, evita-se que sejam prescritas ao mesmo paciente drogas que, tomadas em conjunto, provocam interações indesejáveis ou fatais.
A procura por generalistas revela o quanto o sistema de saúde precisa ser mais racional, tanto na rede privada como na pública. Combinados, o profissional próximo ao paciente e os especialistas tendem a proporcionar cuidados mais eficazes e economia de recursos.
Editorial da Folha 29/01/2015