Por Leonardo C M Savassi
Docente da Universidade Federal de Ouro Preto
Docente da Universidade Federal de Ouro Preto
O contexto:
O Projeto de lei de conversão da MP 621/13 do deputado Rogério Carvalho (PT-SE), relator do projeto, defendeu a criação de uma “residência voltada para o SUS” (Sistema Único de Saúde). Segundo ele, o Brasil vai começar a formar médicos especialistas na atenção básica: "Temos há 20 anos programas como o Saúde na Família e nós ainda não temos formação de médicos especializados para trabalhar nesse programa. Essa alteração vai garantir que o SUS vai ter médico especializado em medicina geral e de família". Incrivelmente, já existe no Brasil a Residência em Medicina de Família e Comunidade, e uma Sociedade de Especialidade com este mesmo nome. A especialidade foi criada na década de 80 com o nome de Medicina Geral e Comunitária, antes mesmo da criação do SUS e do início do Programa Saúde da Família. No início do século XXI seu nome foi alterado para Medicina de Família e Comunidade (MFC), e a especialidade é reconhecida, desde 2002:
a) Na Confederação Ibero-americana de Medicina Familiar (CIMF).
b) Na Organização Mundial dos Medicos de Familia (WONCA).
c) Na Associação Medica Brasileira (AMB) - esta aprovada em 2003.
Leia aqui o histórico da especialidade: http://www.rbmfc.org.br/index.php/rbmfc/article/view/2/87
Roberto Carvalho negou ainda que o tempo de formação do médico será ampliado, pois a "nova residência" vai substituir a exigência de outros requisitos: "Essa residência será feita em substituição e aquelas especialidades que tinham pré-requisito em clinica médica e cirurgia geral terão de compatibilizar o tempo. Não há aumento do tempo de formação".
a) Na Confederação Ibero-americana de Medicina Familiar (CIMF).
b) Na Organização Mundial dos Medicos de Familia (WONCA).
c) Na Associação Medica Brasileira (AMB) - esta aprovada em 2003.
Leia aqui o histórico da especialidade: http://www.rbmfc.org.br/index.php/rbmfc/article/view/2/87
Roberto Carvalho negou ainda que o tempo de formação do médico será ampliado, pois a "nova residência" vai substituir a exigência de outros requisitos: "Essa residência será feita em substituição e aquelas especialidades que tinham pré-requisito em clinica médica e cirurgia geral terão de compatibilizar o tempo. Não há aumento do tempo de formação".
A fuga do ideal, do real e do possível:
Ao final do Gov. Lula, Min. Temporão, a diretora do DAB criou um adicional de R$1.000 para equipe que tivesse MFC em sua conformação. De lá para cá, Gov. Dilma, Min. Padilha tivemos:
a) o veto a este adicional;
b) Uma portaria que INCENTIVA (PAB Variável) qualquer formato de equipe - carinhosamente chamada na lista de Portaria "Samuel Blaustein";
c) Uma nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB 2011) que define equipes de Atenção Básica (eAB) e Saúde da Família (eSF) como "iguais" e piora a portaria: dois médicos para uma equipe, um médico para duas equipes, três médicos para quatro, e até um médico de 20 horas por equipe;
d) No mesmo documento, considera iguais a MFC (6.480 h) , a especialização em SF (720 h teóricas) e generalista (0h);
e) Criou o PROVAB, que sinaliza para a população que "um recém-formado (em especial o que não quer fazer APS) durante um ano para ganhar um bônus para prova de residência" é adequado. E para o recém-formado, sinaliza que o "castigo" de ficar um ano na APS será recompensado;
f) Frente aos movimentos de junho, faz um discurso: "Para melhorar o SUS vamos trazer de imediato milhares de médicos de fora". Ou seja, aponta que o SUS seria ruim por causa dos médicos, se esquecendo que são os generalistas e os próprios MFC que estão fazendo Medicina Rural por aí. Ou atendendo nas periferias;
g) Com o Programa "Mais Médicos", oferece uma bolsa que, assim como o Provab, é muito maior do que o salário dos MFC que estão no serviço há 5, 8, 10, 15 anos com salários inferiores a ela, que é integral e sem imposto;
h) Propõe que recém-formados façam o sétimo ano de medicina (sem professor/ tutor, que está em falta) na Atenção Básica e o oitavo nas UPAs: ou seja, sinaliza que sequer é preciso ser médico para fazer Atenção Primária e Urgência;
i) Retorna com a proposta de um ano de serviço obrigatório com o nome de "residência em SUS";
j) Por fim, aprova uma proposta que cria uma residência que já existe, de uma maneira "nunca antes vista" (residência se cria na Comissão Nacional de Residência Médica e não na Câmara dos nobres políticos brasileiros) com a relatoria de um indivíduo que, em 1999 clamou pelo fim desta mesma especialidade.
Ao final do Gov. Lula, Min. Temporão, a diretora do DAB criou um adicional de R$1.000 para equipe que tivesse MFC em sua conformação. De lá para cá, Gov. Dilma, Min. Padilha tivemos:
a) o veto a este adicional;
b) Uma portaria que INCENTIVA (PAB Variável) qualquer formato de equipe - carinhosamente chamada na lista de Portaria "Samuel Blaustein";
c) Uma nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB 2011) que define equipes de Atenção Básica (eAB) e Saúde da Família (eSF) como "iguais" e piora a portaria: dois médicos para uma equipe, um médico para duas equipes, três médicos para quatro, e até um médico de 20 horas por equipe;
d) No mesmo documento, considera iguais a MFC (6.480 h) , a especialização em SF (720 h teóricas) e generalista (0h);
e) Criou o PROVAB, que sinaliza para a população que "um recém-formado (em especial o que não quer fazer APS) durante um ano para ganhar um bônus para prova de residência" é adequado. E para o recém-formado, sinaliza que o "castigo" de ficar um ano na APS será recompensado;
f) Frente aos movimentos de junho, faz um discurso: "Para melhorar o SUS vamos trazer de imediato milhares de médicos de fora". Ou seja, aponta que o SUS seria ruim por causa dos médicos, se esquecendo que são os generalistas e os próprios MFC que estão fazendo Medicina Rural por aí. Ou atendendo nas periferias;
g) Com o Programa "Mais Médicos", oferece uma bolsa que, assim como o Provab, é muito maior do que o salário dos MFC que estão no serviço há 5, 8, 10, 15 anos com salários inferiores a ela, que é integral e sem imposto;
h) Propõe que recém-formados façam o sétimo ano de medicina (sem professor/ tutor, que está em falta) na Atenção Básica e o oitavo nas UPAs: ou seja, sinaliza que sequer é preciso ser médico para fazer Atenção Primária e Urgência;
i) Retorna com a proposta de um ano de serviço obrigatório com o nome de "residência em SUS";
j) Por fim, aprova uma proposta que cria uma residência que já existe, de uma maneira "nunca antes vista" (residência se cria na Comissão Nacional de Residência Médica e não na Câmara dos nobres políticos brasileiros) com a relatoria de um indivíduo que, em 1999 clamou pelo fim desta mesma especialidade.
Reflexões a partir de um debate:
As reflexões aqui emitidas são fruto de um debate na lista da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade:
Vamos debater alguns pontos: nós não estamos propondo uma "fuga pelo ideal" aqui
Discutir o "nome da especialidade" pode até ser considerado uma "filigrana", mas não é a questão. A questão é que se criou uma especialidade "duplicada" sem considerar a que já existe e com as falas de que realmente se criou algo "totalmente novo", e isto não é filigrana.
Também não estamos sendo maquiavélicos ao ponto de dizer quem é "bom" ou "mal". Estamos propondo a continuidade da construção de um modelo que - baseado em experiências históricas nacionais e internacionais - é o que mais se aproxima do ideal, ao invés de reinventar rodas.
Precisamos aprender com a história: falamos de interiorização, já tivemos PIASSUS, Projeto Rondon, PITS, Provab e agora Mais Médicos. Em que diferem substancialmente, em termos de FIXAÇÃO destes profissionais? Qualquer médico é melhor que nenhum médico? Bom, a ciência diz que não, mas talvez seja uma "fuga pelo ideal".
Não partiu do Ministério a "demonização dos médicos", como alguns acreditam aqui, e sim da “mili(tan)cia” virtual em redes sociais e em discursos bem colocados na mídia. Padilha e Dilma dizem que o programa "não é contra os médicos" e que "respeitamos o direito deles de não querer ir".
As reflexões aqui emitidas são fruto de um debate na lista da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade:
Vamos debater alguns pontos: nós não estamos propondo uma "fuga pelo ideal" aqui
Discutir o "nome da especialidade" pode até ser considerado uma "filigrana", mas não é a questão. A questão é que se criou uma especialidade "duplicada" sem considerar a que já existe e com as falas de que realmente se criou algo "totalmente novo", e isto não é filigrana.
Também não estamos sendo maquiavélicos ao ponto de dizer quem é "bom" ou "mal". Estamos propondo a continuidade da construção de um modelo que - baseado em experiências históricas nacionais e internacionais - é o que mais se aproxima do ideal, ao invés de reinventar rodas.
Precisamos aprender com a história: falamos de interiorização, já tivemos PIASSUS, Projeto Rondon, PITS, Provab e agora Mais Médicos. Em que diferem substancialmente, em termos de FIXAÇÃO destes profissionais? Qualquer médico é melhor que nenhum médico? Bom, a ciência diz que não, mas talvez seja uma "fuga pelo ideal".
Não partiu do Ministério a "demonização dos médicos", como alguns acreditam aqui, e sim da “mili(tan)cia” virtual em redes sociais e em discursos bem colocados na mídia. Padilha e Dilma dizem que o programa "não é contra os médicos" e que "respeitamos o direito deles de não querer ir".
Não culpo o Ministério pelas agressões a médicos em UPAs, debandada do SUS por recém-formados, desesperança dos acadêmicos, ou sentimento de menos-valia visto por aí. Mas criou-se um problema enorme: cairá a procura por postos de trabalho médico no SUS, e os melhores MFC estão indo para a Saúde Suplementar. É preciso pensar, após 2014, quem reverterá isto, ou não se construirá o SUS, mas dois subsistemas antagônicos e a cestinha do banco mundial será corroborada. Quem desejará colocar isto em seu currículo?
Na verdade, os "sanitaristas" e "gestores" que hoje são os verdadeiros problemas para os médicos que trabalham no SUS não estão nas altas hostes do MS nem na feira-livre da Câmara: estão sentados, em sua maioria, nas Secretarias Municipais de Saúde ou nas cadeiras de prefeitos, bradando palavras de ordem na Frente Nacional de Prefeitos ou no CONASEMS e influenciando as decisões do Ministério.
Na verdade, os "sanitaristas" e "gestores" que hoje são os verdadeiros problemas para os médicos que trabalham no SUS não estão nas altas hostes do MS nem na feira-livre da Câmara: estão sentados, em sua maioria, nas Secretarias Municipais de Saúde ou nas cadeiras de prefeitos, bradando palavras de ordem na Frente Nacional de Prefeitos ou no CONASEMS e influenciando as decisões do Ministério.
A hora de uma proposta com o olho no futuro.
Estamos discutindo como formar MFC para dar conta dos 35.000 postos de trabalho hoje existentes, e não uma proposta de provimento temporário que justamente por isto é chamado pelas entidades médicas de “eleitoreiro”.
Uma bolsa de R$8mil (Provab) ou de R$10mil (Mais Médicos) seria mais bem aproveitada fomentando a própria Residência em MFC nestes locais. Afinal, há vários postos de trabalho do “Mais Médicos” em periferias de grandes cidades ou municípios com porte e estrutura para ter Residência em MFC. Já não está claro que o que mais fixa o profissional de qualquer especialidade em um lugar é a residência médica?
Sugiro a leitura do demografia médica: http://www.cremesp.org.br/pdfs/demografia_2_dezembro.pdf
Para atender as necessidades do país, é importante que a SBMFC e nós que vivemos e coordenamos residência discutamos a flexibilização de alguns pontos da formação para tê-la em maior escala. A SBMFC é a menos corporativista entre todos os corporativistas, mas os médicos de família estamos meio cansados de ficar em "stand-by" ou "plano B".
A entidade está muito mais próxima de manter um debate saudável com o governo (fazer uma limonada com os limões apresentados), desde que este sinalize que já terminou a terraplanagem e está na hora de refazer a fundação. Afinal, o trator já passou pesado durante dois anos.
Para atender as necessidades do país, é importante que a SBMFC e nós que vivemos e coordenamos residência discutamos a flexibilização de alguns pontos da formação para tê-la em maior escala. A SBMFC é a menos corporativista entre todos os corporativistas, mas os médicos de família estamos meio cansados de ficar em "stand-by" ou "plano B".
A entidade está muito mais próxima de manter um debate saudável com o governo (fazer uma limonada com os limões apresentados), desde que este sinalize que já terminou a terraplanagem e está na hora de refazer a fundação. Afinal, o trator já passou pesado durante dois anos.