terça-feira, 9 de novembro de 2021

Quando Cuidados Paliativos interagem com intervenções de baixo valor sem o necessário cuidado, podem se prejudicar.

A relação das especialidades médicas com as pseudociências típicas e as intervenções de baixo valor de um modo geral é complexa. Algumas especialidades são mais “tradicionais” e prática de baixo valor, quando por elas encampadas, ganha roupagem de credibilidade. Cuidados paliativos - CPs, ou qualquer iniciativa mais "integral" (poderia ser a Slow Medicine ou a CWB), por sua vez, são mais suscetíveis a manchar a própria credibilidade do que a dourar intervenções de baixo valor.

Há quem, de forma romântica, tanto bem intencionada quanto simplória, misture em cuidados integrais ou multidimensionais (algo que todo paciente em tese merece) gradientes variados de valor COMO SE fossem tudo uma coisa só (apenas este é o problema, escolhas finais cada um que tenha as suas, não prejudicando terceiros).

Misturam, e não possuem sequer um modelo de financiamento para o CP estritamente técnico. Problema é que, paradoxalmente, ao invés de ajudarem na disseminação nacional, distanciam o feijão com arroz dos CPs de qualquer proposta de implantação sistêmica viável e sustentável.

Se é verdade que saúde é muito mais do que ausência de doença, é também inquestionável já estarem na fila brasileira, aguardando melhor incorporação, o CP estritamente técnico, um plano nacional que contemple determinantes sociais de saúde, o fortalecimento da APS, mas não somente, da prática generalista no Brasil, a valorização do tempo de atenção médica ao usuário e do trabalho cognitivo, etc.

Dualismo humano, natural,
não necessariamente criminalizável
Dizem defender o SUS, sistemas públicos e amplos de saúde, mas acabam com práticas holísticas inaplicáveis em larga escala sem necessário comprometimento de outras. Ou aplicáveis então apenas sob alguma forma de elitização, como quando acabam naturalmente em [seus] consultórios holísticos privados.

 

Parecem esquecer que, se aceitassem a existência de gradientes de valor, poderíamos em maior número, juntos, lutar pelas mesmas coisas, como através de voluntariados, vaquinhas digitais ou outras diversas opções de modelos complementares.

Parecem não querer até, para depois poder demonizar "o sistema", "o mercado" (que eu próprio critico sistematicamente inclusive). Mas, ironicamente, suas retóricas acabam por valorizar aquilo que muito especificamente oferecem (ou anseiam oferecer), num claro conflito de interesse, financeiro ou sentimental. Conflito esse que assume maior importância sempre que a motivação dos usuários não é espontânea, não parte predominantemente deles próprios - sempre que terceiros turbinam as expectativas.

Justificar intervenções por dimensões ou olhares que críticos não conseguem entender é discurso que unifica hemodinamicistas que brigam com os estudos científicos e as estatísticas em DAC estável, homeopatas e terapeutas alternativos/integrativos. Os dois últimos, ao falar da miopia do modelo biomédico tradicional (que existe) e ao demonizar as ditas tecnologias duras, usam apenas de retórica satélite - todos os três simplesmente querem fazer o que acreditam, como também urologistas com rastreio universal, fisioterapeutas com ventosas, etc. Se dissessem que defendem porque simplesmente "gostam", dariam inclusive uma espécie de xeque mate na tecnologia dura dos cardiologistas, que tanto abominam: ninguém seria capaz de defender stents porque simplesmente gosta. Já, para muitas práticas holísticas, é possível enxergar inúmeras que eu próprio ajudaria a defender sem necessariamente existir evidência impactando em desfechos clínicos relevantes. DESDE QUE não sequestre, do concorrido orçamento da saúde, recursos de intervenções de alto valor.

Muito do que faço porque simplesmente gosto ou me faz bem não tem evidência forte por trás. Gostaria de manter caso fosse hospitalizado, dentro do possível. Não é sobre isto o debate principal que compete a quem deseja pensar o sistema de cima, buscando justiça, equidade e sustentabilidade. 

LEITURA COMPLEMENTAR: Práticas Integrativas no SUS - quem são os dogmáticos?

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Está o movimento de Segurança do Paciente em perigo ou, ao menos, se distanciando de médicos "beira-leito" e de pacientes?

Segurança do Paciente ter ganho capilaridade no Brasil entre médicos eminentemente "beira-leito" através de movimentos dos quais fiz parte ou mesmo protagonizei é verdade, apesar de bastante parcial e questionável. Anestesiologistas puramente assistenciais já trabalhavam a causa muito antes de nós. Alguns movimentos eram também percebidos paralelamente na Medicina Intensiva brasileira, embora fortemente estimulados pela Enfermagem ainda. Talvez tenhamos sido os primeiros a chamar atenção para o tema de forma minimamente organizada como representantes médicos das usualmente negligenciadas enfermarias hospitalares. 

Num de nossos movimentos, traduzimos versões de Understanding Patient Safety.

Lucas Zambon foi meu parceiro naquela época e já apontava dados brasileiros de eventos adversos em salas de emergência (pronto-socorros). Essas unidades foram fisicamente aprimoradas ao longo dos anos (anatomicamente falando então, embora ainda preponderantemente uma anatomia não necessariamente pensada sob a perspectiva da segurança do paciente), mas muito pouco ganharam de fisiologia de organizações de alta confiabilidade (ou mínima confiabilidade mesmo). Para citar dois exemplos altamente comprometedores, PS's no Brasil seguem sendo território onde para atuar basta ser médico ou enfermeiro (qualquer profissional tendo um número de registro profissional, com qualquer formação a priori e qualquer interesse futuro) e muito pouco retêm profissionais para um carreira longa e sustentável naquilo que de fato é uma especialidade ou área de atuação profissional em muitos países com sistemas de saúde mais evoluídos.

PASHA2010 - Oficina de Segurança do Paciente
para aspirantes à hospitalista

Lucas Zambon apresentou o tema Segurança pela 
primeira vez para colegas que hoje palestram nele.

Atualmente não mais tenho o mesmo entusiamo pelo tema que cresceu muito, aqueceu negócios e mercados, promete mundos e fundos. Aliás, acho que tenho o mesmo entusiamo. Mas voltei a pensar nele como médico "beira-leito" apenas, o que absolutamente não acredito seja o melhor.

Parte dos meus questionamentos são também do autor dos livros acima, a exemplo dessas manifestações e reflexões de Wachter em 'Está o movimento de segurança do paciente em perigo?'. Parte diz muito especificamente ao tom pautado pelo business da Acreditação. Essa semana, revisitei meus anseios pessoais a partir de uma situação tensa do mundo trivial da Medicina (o mundo "real" aos olhos de quem a pratica na ponta), vejam só:

Ao longo de duas décadas, já perdi (que lembro) 3 pacientes em contexto onde sangue ou secreções atrapalharam ou retardaram intubações. Não sei se teria sido diferente fazendo coisas diferentes, ou mesmo estando outro médico no meu lugar, mas me culpo internamente, é assim...

Me envolvi numa situação semelhante agora. Mas quando, após larisgoscopar e não ver absolutamente nada, lembrei que uma otorrino estava próxima (vinha em atendimento por sangramento grave na mesma paciente, presumível epistaxe), disparei: "empresta o teu aspirador". E foi espetácular! Foi revelador! Foi simplificador! Enxerguei. E intubei. Como de costume. 

Normalmente utilizamos na UTI ou atendimentos do TRR umas sondas moles de aspiração, de rendimento pífio em situações de muito acúmulo e alta vazão de secreções ou sangue. Os otorrinos carregam um "Bico de Yankauer". Adapta ao mesmo sistema de aspiração dos leitos. De Inox, o aspirador custa 150 reais. É reutilizável após CME.  


Ocorre que nos emaranhamos em questões mal encaminhadas sobre Segurança do Paciente, seja por cenários específicos de idiotização, seja por comprometer práticas de bom potencial por falta de hierarquização ou planejamento integral (Menos Pode Ser Mais em Qualidade & Segurança). E nos esquecemos de ter uma mixaria de um aspirador destes na caixinha de intubação. Bem ou mal, a pandemia trouxe isso à tona também: nos emaranhamos em discussões fúteis e perdemos tempo precioso. Discuti isto aqui, e há ali descrição de como, mesmo antes da pandemia, UTI's - uma que eu mesmo coordenei - carecem de fisiologia de unidade minimamente confiável para abordar pacientes com insuficiência respiratória grave: não basta anatomia (o leito e o ventilador microprocessado de última geração), precisa da tal "fisiologia". 

Segurança do Paciente, em muitos cenários, perdeu o foco no paciente. Como já escreveu a antropologista Marilyn Strathern, com base na 'Goodhart's Law': 

          When a mesure becomes a target, it ceases to be a good measure.


Em outras palavras, se recompensas são acopladas à mensuração mais do que ao resultado propriamente dito, humanos darão um jeito (qualquer um) de "fazer por merecer". E, ao fazê-lo, com as coisas se acomodando de diversas formas, apequenam o valor do propósito da mensuração. 

Donald Campbell também escreveu:

The more any quantitative social indicator is used for social decision-making, the more subject it will be to corruption pressures and the more apt it will be to distort social processes it is intended to monitor. 


Meu envolvimento em Segurança do Paciente, além da assistência direta aos meus pacientes, dependente hoje da inclusão de pelo menos algumas dessas dimensões do processo, ou alguma outra da vida mais mundana dos hospitais:

  • VALORIZAÇÃO DAS PROFISSÕES PARAMÉDICAS;
  • RELAÇÃO ENFERMAGEM / FISIOTERAPIA POR LEITO ADEQUADA;
  • DESBUROCRATIZAÇÃO DO TRABALHO DE ENFERMEIROS E TÉCNICOS DE ENFERMAGEM;
  • BURNOUT;
  • QUALIDADE MÍNIMA NAS UNIDADES, ALÉM DE INSUFICIENTES RDC'S E MEDÍOCRES EAD'S.
Ontem, uma residente de primeiro ano de Medicina Intensiva chegou atrasada porque estava à noite na UTI de hospital vizinho como "A intensivista" - UTI que muito tranquilamente poderia receber familiares meus, pelas opções de hospitais que costumam utilizar em Porto Alegre.

Hoje, mostraram-me este teste pós-EAD para MÉDICOS comprovarem competência para início de atendimento de parada cardiorrespiratória em hospital também de POA:

Que mais poderíamos ter na lista? Fato é que precisamos, para cada profecia autorrealizável a ser trabalhada hoje pelos Departamentos de Qualidade e Segurança, investir também em um ítem realmente sensível da vida hospitalar cotidiana e aos pacientes. A "identificação do paciente" se resolve com investimento em tecnologia e menos romantização da prática....

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Novos Modelos de Remuneração: A Realidade é mais Complexa que a Teoria

Recentemente, grupo de especialidade médica fez parceria com plano de saúde verticalizado em modelo de Capitação. Muito já me empolguei com isso. Já fui visitar estruturas com ênfase na Capitação, inclusive na Atenção Primária, que nunca foi meu foco principal.

Mas a realidade é mais complexa que a teoria. Trata-se de uma especialidade cirúrgica. Ganham um fixo para gerenciar um número específico de vidas. Se optam por operar, não ganham a mais por isso. Ao indicar procedimentos, no entanto, estão percebendo nítido boicote da fonte pagadora. O plano de saúde, embora não fosse gastar mais com os médicos, incorporaria custos com a hospitalização e outros indiretos - alguns, apesar de apenas potenciais, bastante elevados. 

Quando a ética não é valorizada, boas ideias se perdem. Inovações não cumprem seu papel. Capitação vira sinônimo de decapitação. É sempre importante ir além dos jargões como Valor. Que Valor?! Valor para quem?? 

Decapitação de São Paulo por Enrique Simonet, 1887


quarta-feira, 29 de setembro de 2021

O cérebro dicotômico na Medicina: o outro mecanicista - o eu superior.

Assim como pouco existe essa coisa do ético absoluto e do antiético na Medicina, pouco existe da dicotomia caricatural entre médico mecanicista versus não mecanicista. E esta frase de Marcia Angell abaixo poderia e deveria ser adaptada:

O fato é de que acontece a dicotomia caricatural entre médico mecanicista versus não mecanicista, mas não prevalece...

Basta observarmos como muitos conseguem se afastar da visão mecanicista ao analisar criticamente territórios alheios, como de outras especialidades, mas não desempenham igual ao analisar a sua própria prática ou a de seus pares.

Compreender Racionalização na tomada de decisão, com promoção de uma atmosfera que favoreça discussões maduras e autocríticas, teria muito mais alcance do que a imaginação utópica de um mundo onde éticos/pensadores críticos (modelo mental de cientista) e antiéticos/mecanicistas acabam catalogados e tudo se resolve, seja por segregação dos “incuráveis”, seja pelo “lado bom” ensinando o "lado ruim".

A realidade é muito mais complexa...

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

O que "os Rolling Stones" podem ensinar a médicos que enfrentam a infodemia e a desinformação na pandemia?

Como médico na pandemia, vejo frequentes barbaridades em redes sociais e WhatsApp. No início, sentia-me obrigado a confrontá-las, principalmente entre conhecidos. Considerava um "dever cívico". 

Um grande aprendizado que o amadurecimento na pandemia proporcionou foi não mais dar atenção, em especial ao envolver questões amplamente divulgadas em veículos tradicionais de saúde, como sites de instituições médicas de reconhecimento internacional. Demorei um pouco para abandonar conselhos gratuitos aos parentes e amigos mais próximos, mas já superei também. E são aprendizados para levar para a vida de médico adiante da pandemia. Aliás, as "bases teóricas" já existem há muito mais tempo, mas somente a infodemia e a desinformação na pandemia fizeram-me enxergar. 

Por que não tentar mudar conhecidos que não querem mudar, quando isto estiver te afetando negativamente?

Da mesma forma que a maioria das hipóteses médicas não vingam (material complementar aqui e aqui), e, quando vingam, são de alcance limitado (material complementar aqui e aqui), a maioria dos pacientes que não assumem posturas mais comprometidas com a própria saúde e bem-estar sobrevivem. Até que morrem. Mas, somente pelo fato de que somente morremos um vez, resta óbvio que, probabilisticamente falando, viver é mais provável em quase todo cenário clínico preventivo ou mesmo ambulatorial.

Vejamos exemplo da doença coronária

O ISCHEMIA Trial arrolou pacientes com doença coronária estável e teste de isquemia positivo. Houve um grupo com seguimento mais conservador e ajuda a entender o prognóstico destes pacientes sem que saíamos desentupindo como que em arco-reflexo suas artérias coronárias:


Sem entrar no mérito de que a diferença acima (quando aparente) não apresentou diferença estatística, temos ali um braço tratado conservadoramente por longos 5 anos e as consequências disto ao longo do período: menos de 20% apresentou morte cardiovascular, infarto do miocárdio ou hospitalização por angina instável. Em outras palavras, a grande maioria destes pacientes (~ 8 em cada 10) sobreviveu com "check-up alterado". Para o leigo entender: não é que nada deve ser feito quando a alteração é identificada. Mas, de um jeito ou de outro, muitos pacientes simplesmente sobrevivem, a maioria simplesmente sobrevive. Até que descompensa. Até que morremos. Neste ínterim, acumulamos auto-enganos, acreditando em picaretas e picaretagens diversos, em super-alimentos, em remédios revolucionários (conteúdo complementar no vídeo imediatamente abaixo). E nos desviamos das coisas que realmente podem impactar mais fortemente em nossa saúde ou, pelo menos, em nossa qualidade de vida, mas são difíceis mesmo. Muito difíceis! Não bastasse, não vêm com garantia.



Já o EXCEL Trial acompanhou, a partir de seus critérios de inclusão, pacientes com anatomia coronária ainda mais complicada. A maioria dos pacientes se manteve vivo ao final de 3 anos. Discutimos recentemente seus achados através da provocação: Como assim o melhor tratamento pode não ser o mais indicado?

Mas, puxa, assim ainda é muito difícil para eu entender! Bom, quem sabe através dos Rolling Stones?


O lendário baterista Charlie Watts, é público e notório, enfrentou longos anos onde seus demônios foram nada menos do que álcool e heroína:



Em 2004, foi diagnosticado com câncer de garganta. Havia fumado muitos anos. Sobreviveu. 

E o mais incrível é que Watts, a quem queremos aproveitar para prestar homenagem, teve um dos históricos de saúde mais saudáveis entre os integrantes dos Rolling Stones, ainda vivos. Por serem famosos, chamam atenção. Mas muito é viés de confirmação.





Então, dentro do possível, relaxemos. Especialmente os profissionais a quem a infodemia e a desinformação na pandemia não têm feito bem. Se não podemos salvar o mundo, a maioria dos nossos parentes e amigos que tomam Ivermectina para adotar comportamentos de risco ainda deve sobreviver. A maioria que não se vacina idem (sem perceber as nefastas consequências em cascata da medíocre, e muito pouco solidária, decisão). Embora não precisasse pandemia para explicar isso! A maioria dos nossos parentes e amigos que se lambuzam (muitas vezes de verdade) com proteções ilusórias enquanto neglicenciam questões importantes de saúde e bem-estar irá sobreviver. Até morrer, o final comum de todos nós. Mas, normalmente, muitas vezes aos trancos e barrancos, simplesmente sobrevivemos. E cada vez mais:

Clique na imagem e leia sobre longevidade e escolhas sábias.


sexta-feira, 28 de maio de 2021

O Eu Superior, Você Inferior!

O 'Eu Superior, Você Inferior' é disparado o maior obstáculo para escolhas sábias.

É a versão do 'Eu Ético, O Outro Não', minha conhecida da época em que discutia conflitos de interesse com mais afinco, e usual pouco alcance. Daquela época, tenho texto abaixo:

O cérebro ético na Medicina (o eu ético - o outro não)

Estudos em neurociência e psicologia sugerem que toda pessoa pode ser um pouco mais influenciável do que costuma pensar que seja. E não é surpreendente que médicos pensem que conflitos de interesses não os afetam pessoalmente, apenas aos outros.

Na avaliação de autores de diretrizes clínicas citada previamente (Choudhry et al., 2002), quando perguntaram se existia a possibilidade do relacionamento afetar recomendações, apenas 7% disse que sim - considerando suas próprias recomendações - mas praticamente 1/5 respondeu que o colega poderia ser influenciado. Vários são os trabalhos onde este resultado se repete. Reforça um paradoxo atual da civilização ocidental: cada um de nós, individualmente ou em grupos organizados, tem a crença de estar muito acima de tudo que aí está. Ninguém aceita, ninguém aguenta mais, nenhum de nós pactua com o mar de lama. O problema é que, ao mesmo tempo, o resultado de todos nós juntos é precisamente tudo o que aí está, estamos muito aquém da somatória das nossas auto-imagens individuais ou corporativas (Blum, 1994; Sandel, 2005; Wojciszke, 2005; Bocian e Wojciszke, 2014).

Se é compreensível que a maioria de nós veja a si mesmo como pessoa ética que sob hipótese alguma colocaria sua objetividade a venda, isso atrapalha, e muito, a busca por soluções.

Ocorre o mesmo na discussão sobre escolhas médicas racionais. Todos acham que fazem certo e o problema são os outros. Não foram raros os envolvidos com a Choosing Wisely que eram leões ao atacar práticas alheias, mas se chatearam quando coisas que defendiam ou por eles praticadas foram colocadas na berlinda.


Não precisamos nem de leões (visão inculpadora) nem de auto-preservação. Mentes científicas devem se moldar com a variação do conhecimento, e não querer que o conhecimento se ajuste a suas visões de mundo ou ao mercado em que atuam. Quando há incerteza acima da aceitável, devem simplesmente aceitar. Devem saber ainda que é possível defender práticas e realizá-las até, sem promoter o que a Ciência não consegue demonstrar. Mas aí está nosso verdadeiro gargalo. Somos muito pouco capazes, todos nós. Identificamos os outros pisando na bola ou exagerando, mas muito menos frequentemente nós próprios.

Percebo também por recentes discussões que acompanhei envolvendo pessoas que admiro por conhecerem bioestatística e MBE (todos mais do que eu, inclusive). A partir de uma postagem pública de um deles, sobre interpretação de um tema bastante controverso, outros levantaram as controversas em fóruns que não incluía o autor original, e o tom mais recorrente foi o da sua desqualificação, mais do que da sua interpretação aquela. Ficou escancarada a dificuldade de discussões abertas, francas, em bom tom e construtivas - embora individualmente sempre achemos que são os outros que comprometem. Eu não sou diferente! Prevaleceu, mais uma vez, o 'Eu Superior, Você Inferior', a ponto de ofuscar o verdadeiro debate. Simplesmente nós não discutimos o que nos ameaça, mesmo que ilusoriamente. 

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Hype na setor e a desafiadora Saúde Baseada em Humildade

Hype na Saúde: Nesta História, Sempre Alguém é Afagado. E Gosta.

Na posição de afagados, raramente conseguimos dizer não ou freiar movimento pernicioso, a partir de posicionamento que seria, justamente, mais do que estratégico. Remete ao conceito de Saúde Baseada em Humildade, a ser discutido mais adiante no texto.

Hype na Saúde é problema antigo que parece ter se amplificado nas últimas décadas.

Há livros recentes inteiramente dedicados ao tema:





















Um de seus braços contemporâneos está no jornalismo. À medida em que o endereço IP e o clique do mouse de cada usuário podem ser fácil e constantemente rastreados, criou-se ambiente onde as notícias não são mais apenas o que os jornalistas fazem; são também o que o público quer que sejam. Título jornalístico agora é um teaser, recurso publicitário usado em campanhas e lançamento de produtos. Mas não quero hoje aqui explorar esta perspectiva...

Com a COVID-19, alguns hypes caricaturais surgiram no Brasil e, pela insistência neles por setores diversos, ganharam visibilidade cada vez maior no curso da epidemia nacionalmente. Com a evidente politização, mesmo a transformação de idéias incertas hipervalorizadas (quadro inicial) em intervenções que derradeiramente falharam em robustos ensaios clínicos (situação atual) não modificou posturas. Mas também não quero explorar esta perspectiva, com a hipótese de que as raízes disto tudo estão muito além do "tratamento precoce", de seus defensores e daqueles que monotematicamente o condenam, fechando um ciclo vicioso de enorme promoção de debate fútil e nada transformador, que está fazendo muitas pessoas mais neutras perderem curiosidade científica, termo naturalmente redundante.  

Ao criticarem o "tratamento precoce", muitos se colocam do lado da Ciência. Lembraram agora este trecho que tenho anotado, de autor que infelizmente não consegui resgatar:

Cada um de nós, individualmente ou em grupos organizados, tem a crença de estar muito acima de tudo que aí está. Ninguém aceita, ninguém aguenta mais, nenhum de nós pactua com o mar de lama. O problema é que, ao mesmo tempo, o resultado de todos nós juntos é precisamente tudo o que aí está, estamos muito aquém da somatória das nossas auto-imagens individuais e, principalmente, de nossos grupos.

Minha hipótese principal é que somos TODOS responsáveis diretos ou indiretos por cultura Hype na Saúde! Vejamos exemplos fora dos holofotes:

Plasma na COVID-19 nunca ganhou visibilidade além das mensagens de vários hospitais solicitando doadores para "salvar vidas" e pessoas elogiando a iniciativa. Com o meu não foi diferente: 

 

Quando saiu essa postagem, em agosto do ano passado, tentei movimento interno na tentativa de interrompê-la ou reposicioná-la:

---------- Forwarded message ---------
De: Guilherme Brauner Barcellos 
Date: qui., 13 de ago. de 2020 às 14:27
Subject: 
To: xxxxxxxxx

Caros Xxxxxx e Xxxxxxx

Há um assunto que me preocupa bastante na atual fase que é literacia científica. Os desafios são muitos, é um trabalho de formiguinha, não temos controle direto sobre muitas coisas. Mas temos sobre algumas:

Vcs já viram nossa mais recente postagem em redes sociais sobre Plasma & CODID?

Como hospital universitário, acadêmico, quando não temos elementos concretos para festejar vitórias finais, mas estamos na luta com pesquisa, devemos saber festejar a luta, a trajetória em busca de respostas. 

Nossa posição é tão tendenciosa ao Plasma, por vezes afirmando benefício, que, se eu fosse paciente ou familiar, pouco informado, e não caísse no sorteio de quem receberá a intervenção, ficaria desesperado. Acho que devemos conversar com quem está fazendo e calibrar expectativas. 

Um abraço, Guilherme Barcellos 

O debate imediato avançou um pouco...

---------- Forwarded message ---------
De: Guilherme Brauner Barcello
Date: dom., 16 de ago. de 2020 às 08:29
Subject: Re:
To: xxxxxxxxx

A abordagem suscita uma série de consequências ruins, a serem avaliadas através dos comentários dos leitores. Depositam escancarada esperança desproporcional. Agradecem sistematicamente por algo que não sabemos se faz qualquer diferença nos resultados.

Mais adiante tentei resgatar o tema:

---------- Forwarded message ---------
De: Guilherme Brauner Barcellos 
Date: dom., 11 de out. de 2020 às 15:57
Subject: Re:
To: xxxxxxxxxxx

Para um seguimento tardio de nossa conversa, com dados adicionais. Ontem conversei com pesquisador do grupo Recovery. Estão em fase final do ECR do Plasma, um ensaio clínico bem mais robusto que o nosso, e, provavelmente, negativo. Hoje, diferente de quando chamei a intervenção alvo de nossa conversa de incerta, já possuímos 2 ensaio clínicos randomizados negativos. Um pequeno ensaio clínico chinês e um estudo argentino melhor, multicêntrico, já maior que o nosso. Ambos negativos. De incerteza total, temos hoje um ecossistema que, principalmente se o estudo do grupo Recovery vier mesmo negativo, fará com que tenhamos que considerar a hipótese de que, caso nosso pequeno ECR aberto seja positivo, ele represente um falso positivo. A probabilidade pré-teste de Plasma para COVID-19 funcionar é cada vez menor - e, do ponto de vista médico, nunca foi possível afirmar.

Bom feriado a todos, Guilherme

Já sabemos onde isso foi parar:


Materiais complementares de Plasma & COVID:


Mais recentemente, outro assunto me impressionou, mesmo que não tenha partido diretamente da instituição. 
Na reportagem, falam que: 

Tratamento aplicado ao ator Paulo Gustavo, ECMO salva 50% dos pacientes no Clínicas.

Esse hype é caso especial, pois sequer a informação precisaria ser verdadeira para justificar e bem justificar o emprego da intervenção em questão. Muito diferente de Plasma, que não deve mais ser utilizado para COVID-19, muito menos propagandeado.

Sou também intensivista e, com ou sem hype, tenho orgulho de ter ECMO em minha instituição, para os pacientes que acompanho e tanto prezo. São robustos os dados de melhoria com ECMO em desfechos intermediários como oxigenação. Ao se indicar para pacientes onde oxigenação compatível com a vida não pode ser oferecida por qualquer outro método, ou em circunstâncias muito próximas disto, estamos diante do tipo de situação na Medicina onde bastam evidências desse porte. A Medicina Baseada em Evidências diz bastar, no específico contexto e salvaguardadas exigências que nos distanciem minimamente de futilidade terapêutica. Não se queira, apenas, tornar o uso mais liberal ou precoce. Com racionalidade, indique-se! Orgulhe-se de ter. Agradeçamos existir! 🙏 🙌 Busquemos avançar em modelos de negócio / remuneração que garantam a intervenção na Medicina Suplementar e no SUS, disponibilizando aos pacientes elegíveis acesso com a necessária logística e agilidade. 

No entanto, nada disto acima significa computar todos os pacientes que sobrevivem com ECMO como sobreviventes pela ECMO, muito pelo contrário:

Fossemos analisar especificamente resultados de mortalidade por ECMO em SARA, evidências são majoritariamente observacionais e, portanto, não confirmatórias por natureza. Entre os dois ECR's principais, os achados do EOLIA em mortalidade foram sem significância estatística (testou, na verdade, uma estratégia mais liberal, já que aos controles se poderia indicar ECMO como resgate final - e muito ocorreu, configurando-se, para a hipótese em questão, num estudo negativo); o CESAR, por sua vez, foi um bom estudo não confirmatório positivo em combinado primário de morte e disabilidade, mais puxado pelo segundo desfecho, entre outras limitações. Adiante disso, algumas meta-análises espremem todos essas informações conjuntamente, mas não deveriam ser encaradas como solução para questão que, reforço, sequer precisa de solução, exceto quiséssemos a ampliação liberal de cobertura. Aparentemente alguns percebem essa flexibilização como mais fácil, ou "segura", pelo caminho da emoção e secundária sensibilização, do que pelo caminho das evidências. Vai que surge um estudo grande negativo, né? 


Em conclusão, não daria para afirmar além de que vidas são salvas com ECMO (diferente de por ECMO). 1. Não conseguiríamos discriminar, mesmo existindo benefício (leitura complementar aqui). 2. Não bastasse, o benefício, na situação pontual, é plausível, algo mais provável do que coisas apenas plausíveis, mas cientificamente incerto ainda, em terreno absurdamente complexo!

E uma nota adicional é importantíssima:

- A afirmação "barrado no SUS, o tratamento não está disponível em larga escala", ignora tendência mundial de que não ocorra mesmo. Os melhores resultados parecem acontecer com centros de excelência e referência, cujas equipes são altamente especializadas e treinadas permanentemente, tudo como apoio a regiões geográficas compostas por outras UTI's exatamente sem ECMO, trabalhando em rede gerenciada.  

Então, resto feliz por Paulo Gustavo estar em lugar com mais este recurso, o que geralmente é sinônimo ainda de uma UTI acima da média, onde ECMO é mais reflexo disto do que qualquer outra coisa. 

Médicos niilistas negariam a utilidade da ECMO em SARA e COVID-19. A Medicina Baseada em Evidências dela faz uso, e apropriadamente. A Saúde Baseada em Humildade, auto-explicativa a estas alturas, estabelece paradigma por demais interessante: ao reconhecer a incerteza, nos direciona, paradoxalmente, ao dever de valorizar mais as estruturas de Terapia Intensiva como um tudo, desviando do fascínio da tecnologia específica, e facilitando que os verdadeiros heróis da pandemia sejam destacados: técnicos de Enfermagem, demais membros da equipe multiprofissional intensiva, gestores de UTI's e hospitalares (nesta ordem mesmo).

Lembrem, por fim, que, sem equipes minimamente coesas e engajadas, muitas UTI's sofrem para realizar até mesmo manobras prona no Brasil (ilustrado aqui). Evitar hypes é também colaborar com hierarquização de recursos, objetivando o benefício final do maior número de indivíduos com o orçamento disponível.  

Se for verdade que pessoas, de um modo geral, não gostam de gente com dedo em riste os dizendo que devem fazer diferente, talvez tenhamos mais sucesso rebatendo menos asneiras de Bolsonaro, enquanto fortalecemos, em paralelo, um sistema cuja cultura geral envergonhe a quem apresenta promessas descalibradas, consequentemente expectativas descabidas. Esse sistema não representa, hoje, a Medicina ou a Saúde brasileiras na suas relações com a sociedade...

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Frenectomia: Estamos Cortando Freios de Bebezinhos Desnecessariamente?

Começo esse texto deixando claro que não tenho nenhuma expertise na área, sequer em pediatria. E que não é objetivo da minha revisão e posteriores provocações esgotar o tema ou sentenciar sobre valor das intervenções questionadas - que sirvam para fomentar debates e que estes sejam, por favor, baseados em evidências. É este o objetivo maior da Choosing Wisely Brasil!

Curiosidade partiu da descrição de uma conversa entre dois otorrinolaringologistas. Um deles estava ainda festejando o nascimento da filha quando recebeu a notícia de que a criança havia pontuado mal em avaliação de "freio curto", sendo indicada frenectomia. Desconfortável com o diagnóstico e com o procedimento, solicitou avaliação de colega de confiança que atua em Otorrino Pediatria. O profissional orientou que esperassem sua avaliação. Plano era realização imediata, automática, do procedimento abaixo...


O Otorrino Pediatra chegou para avaliar no segundo dia de vida do bebê. No anterior, concomitante ao muito ágil diagnóstico, a criança apresentou dificuldades para amamentação. No D2, estava mamando bem. Foi globalmente avaliada sendo, após, momentaneamente contra-indicado o procedimento. Avaliações posteriores mantiveram a conduta conservadora e a criança apresentou um desenvolvimento normal. Era saudável!

Há marcos históricos dessa questão no Brasil:

Em junho de 2014, Lei 13.002 tornou obrigatória a realização do "Protocolo de Avaliação do Frênulo da Língua em Bebês", em todos os hospitais e maternidades brasileiros. Do ponto de vista de pensamento médico probabilístico e racional, intervenções dessa natureza, universais, raramente fazem sentido, muito menos diferenças clínicas relevantes sem consequências negativas não intencionais. 

Em manifestação pública, o político autor da lei escreveu nitidamente orgulhoso: "Pesquisas em todo o mundo têm comprovado a importância do diagnóstico e intervenção precoce dessa alteração. Com a aprovação dessa lei, o Brasil torna-se o primeiro país a oferecer esse teste em todas as maternidades, abrindo mais um campo de atuação para os profissionais da saúde e beneficiando a população". 

Foi além:

"Quanto mais cedo, melhor

É importante que seu bebê faça o exame o mais cedo possível... para que se descubra, com a maior antecedência, se tem língua presa, evitando dificuldades na amamentação, possível perda de peso e, principalmente, o desmame precoce. Seguir essas recomendações faz toda diferença para a amamentação e consequentemente para a boa saúde do seu filho".

Em 2018, Nota Técnica do Ministério da Saúde de número 35 visa orientar os estabelecimentos de saúde e seus profissionais sobre a Lei 13.002. Nela, começam definindo anquiloglossia (língua presa),  A PARTIR DE CRITÉRIOS PURAMENTE ANATÔMICOS, RECONHECIDAMENTE UM TERRENO FÉRTIL PARA SOBREDIAGNÓSTICOS.

Seguem com item 2, intitulado "Anquiloglossia e amamentação":

"A anquiloglossia tem sido apontada como um dos fatores que podem interferir negativamente na amamentação, diminuindo a habilidade do recém-nascido para fazer uma pega e sucção adequadas, dificultando o adequado estímulo à produção de leite e o esvaziamento da mama e causando dor nas mães durante a amamentação". Eles mesmo complementam: "Embora as evidências sobre a associação entre anquiloglossia e dificuldades na amamentação não sejam robustas, alguns testes têm sido propostos para facilitar a identificação de alterações no frênulo lingual que potencialmente podem interferir na mobilidade da língua".

Fui então atrás dessas evidências, de forma rápida, razão pela qual quem tiver adendos sinta-se estimulado a acrescentar ao debate: Não parecem existir evidências capazes de estabelecer causalidade forte e prevalente entre anquiloglossia, especialmente não extrema, e dificuldades persistentes na amamentação! Revisão de 2016 da Canadian Agency for Drugs and Technologies in Health aponta:

"There is disagreement across specialties regarding whether a tongue-tie should be divided to facilitate breastfeeding, and under what circumstances. Ankyloglossia is not the only cause of breastfeeding issues, and in cases of comorbidities or alternative primary causes, frenectomy may not result in resolution. Un-split lingual frenulum may physically adapt (i.e., stretch with age) over time and breastfeeding quality may improve without intervention. The Canadian Paediatric Society has communicated that under most circumstances, tongue-tie is an incidental anatomical finding without significant consequences for the quality of breastfeeding, and that surgical intervention may not be warranted unless difficulty breastfeeding or other clinical concerns present themselves".

O Protocolo de Avaliação sugerido na Nota Técnica resulta de trabalho altamente elogiável cujos fins foram, única e exclusivamente, diagnósticos. Entretanto, sabemos de outras tantas situações em Medicina e Saúde que nenhum diagnóstico, por mais correto que seja, deve definir per si uma intervenção corretiva. São etapas distintas. Avaliações distintas. Toda intervenção corretiva deve ser, ela própria, especificamente testada: uma coisa é uma coisa, a outra coisa é outra coisa. E a forma de testar intervenções em saúde é, idealmente, através de ensaio clínicos randomizados.

Mas antes de avaliar o que existe de evidência de eficácia do procedimento em questão, percebamos como a mídia apresenta o assunto:


Uma busca rápida na internet encontra vasta propaganda do procedimento como eficaz, simples e seguro. Em muitas delas, é evidentemente promovido e banalizado. Aparentemente agrada mais Dentistas do que Otorrinos, sendo que os médicos muitas vezes possuem o convênio para o qual o pacientezinho está hospitalizado, enquanto os primeiros "precisam" fazer Particular. Após alta hospitalar, Cirurgiões-Dentistas têm, em média, mais facilidades para realização do procedimento em consultório do que Otorrinos.

Aos Fonoaudiólogos, a Lei gera uma reserva de mercado interessante. Mas, como em tantas outras situações parecidas da assistência hospitalar, não é assim que profissões deveriam se tornar indispensáveis - fonoaudiólogos são, ou deveriam ser, espontaneamente indispensáveis nos hospitais, devendo ser acessíveis para qualquer paciente certo no momento certo, não para qualquer paciente em todo e qualquer momento.

Há conflitos de interesse óbvios contidos nessa discussão!

ECR's e Revisões Sistemáticas sobre o tema:
Há poucos e pequenos ensaios clínicos. Como esperado nesse cenário, resultados para todos os lados. Alta probabilidade de falsos-positivos, seja pela situação de acasos secundários aos diminutos tamanhos, seja pela predominância de achados positivos altamente subjetivos. Em conclusão, não há evidências confirmatórias de eficácia, tal como conclui resumo da Cochrane posterior à Lei 13.002:

"Frenotomy reduced breastfeeding mothers' nipple pain in the short term. Investigators did not find a consistent positive effect on infant breastfeeding. Researchers reported no serious complications, but the total number of infants studied was small. The small number of trials along with methodological shortcomings limits the certainty of these findings. Further randomised controlled trials of high methodological quality are necessary to determine the effects of frenotomy".

E segurança de frenectomia? Bom, idealmente não deveríamos discutir segurança onde não há comprovação de eficácia. Se no procedimento em questão não é muito difícil concluir por se tratar de procedimento com baixo potencial de complicações, segue a regra universal de que sempre ocorrem (entre as sempre raras regras universais):

A regra das consequências negativas não intencionais é das poucas coisas que para as quais podemos e devemos ter certeza na Vida.


De volta ao caso que motivou a discussão:
Só se interessa pelo desfecho de redução de dor mamária mãe que por ventura tenha dor mamária! A nossa não apresentava! Automatismos em saúde são perigosos, não bastando boas intenções. Assim como se interessa pelo desfecho de melhora na amamentação quem apresenta dificuldades sustentadas na amamentação!

Deve a Frenectomia se transformar em mais um caso de #MedicalReversal????? Relativo, com certeza! Para saber a resposta mais amplamente, ao invés de Leis e Notas Técnicas com risco de serem apenas bem intencionadas, e ao invés de evidentes lobbies de corporações, quem sabe uma verdadeira união de profissionais da saúde e políticos (sociedade), com foco exclusivamente nos pacientes, em prol de uma evidência científica com capacidade confirmatória? A Nota Técnica de 2018 falava em "treinamentos de aplicação do protocolo mediante aplicação de filmagens". Houve custo disto? Qual foi? Poderia ter ajudado na viabilização de ensaio clínico randomizado apropriado?????

Para concluir, deixo provocação às Sociedades de Otorrinolaringologia e Pediatra: quem sabe abordar isto numa Lista de Recomendações Choosing Wisely Brasil?

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