No roteiro educativo dos residentes da Clínica Mayo, a sessão aguardada com mais ansiedade por todos, e com sofrimento visceral pelos envolvidos, era a chamada Morte Revisitada. Quinzenalmente, quatro mortes recentes eram analisadas em busca de aprendizado e de erros que pudessem ser convertidos em lições para que – tomara fosse possível – não se repetissem.
Aquela catarse era precedida por trocas de confidências, apoio velado, revisões conjuntas e insônia, muita insônia, porque sem dúvida um dos exercícios mais massacrantes da atividade médica é a retrospecção dos maus casos. Quando temos isenção ao revisar o que aconteceu na trajetória do fracasso, é inevitável descobrir que invariavelmente ocorreram momentos em que alguma coisa não foi bem entendida ou adequadamente valorizada e que, talvez, se tivesse sido, o desfecho poderia ser diferente.
Como sempre aprendemos com os nossos erros, nada mais didático do que esquadrinhá-los, em busca de aprendizado para o futuro. Mas como dói!
E porque dói a maioria dos médicos e hospitais, mesmo os universitários, fogem dessa prática. Mais cômodo é atribuir o insucesso à natureza, que além de grande e generosa não tem como se defender. A atividade médica, ancorada numa ciência imprecisa, sem a inflexibilidade dos modelos matemáticos, usa os meios conhecidos de decisão baseados em evidências, e depende de fatores impalpáveis como atenção, bom senso, juízo crítico e experiência. E, se não bastasse, pode ser influenciada por elementos ainda mais fragilizantes como depressão, ansiedade, mau humor e cansaço.
Se o dia a dia dessa atividade, tão fascinante e exigente porque lida com o nosso bem mais valioso, está exposto a uma margem de erro tão perturbadora, o mínimo que se espera de um médico responsável é a consciência de sua limitação. Não pode ser coincidência que os melhores médicos sejam pessoas humildes, serenas e bem resolvidas. Não há espaço para exibicionismo e arrogância na trilha pantanosa da incerteza e do imprevisto. Em 40 anos de atividade médica intensa, nunca encontrei um posudo que fosse, de verdade, um bom médico. O convívio diário com a falibilidade recicla atitudes, elimina encenações, modela comportamentos e enternece corações. Tenho reiterado isso aos mais jovens: evitem os pretensiosos, porque eles, na ânsia irrefreável de aparentar, gastam toda a energia imprescindível para ser.
E ficam assim, vazios.
* Médico- cirurgião torácico e chefe do setor de Transplantes da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre RS
Em 2010, justamente
a experiência da Mayo Clinic foi abordada em evento que organizei em Florianópolis, através de Jason H. Szostek e a conferência intitulada Start doing the morbidity and mortality conference and transform it into an instrument for systemwide improvement.
Aqui artigo de Szostek sobre o mesmo assunto: A Systems Approach to Morbidity and Mortality.
Aqui
um vídeo sobre o mesmo tema: Transforming Morbidity and Mortality Conference into Improved Patient Care.
Sobre Medicina Hospitalar, hospitalistas, qualidade assistencial, segurança do paciente, erro médico, conflitos de interesses, educação médica e outros assuntos envolvendo saúde, política e cotidiano.
sábado, 20 de outubro de 2012
segunda-feira, 15 de outubro de 2012
If You Lose the Patient, Don't Lose the Lessons
domingo, 14 de outubro de 2012
Discurso interessante
Palavras ao vento, se a ideia for depender de pessoas perfeitas. Se for usado para a compreensão da necessidade de transparência e controle, vale a pena.
sexta-feira, 12 de outubro de 2012
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
domingo, 7 de outubro de 2012
Controle e transparência em entidades médicas
Procuro entidade médica, particularmente as do tipo associação sem fins lucrativos, que:
- respeite Missão e Estatuto;
- esteja sempre aberta para aprimorar o Estatuto, tornando-se progressivamente menos dependente de pessoas;
- favoreça a participação de membros e até mesmo o surgimento de oposições;
- divulgue ampla prestação de contas (não apenas financeira);
- ao promover educação médica continuada, que o faça sem indústria farmacêutica ou com indústria farmacêutica - sem problemas -, mas que construa e aprimore políticas de relacionamento com quem for se relacionar e não tenha o mesmo interesse primário.
Quando fizemos a atual chapa que dirige a SOBRAMH, trabalhei forte para concretizá-la. Próximo do término de meu mandato e do prazo para encerramento das inscrições, já ficando evidentes alguns problemas, fui sondado para quebrar o combinado e partir para um novo período (e seria nas regras do jogo, e acabaria sem oposição). Fiz questão de não ceder, porque sempre critiquei a perpetuação no poder de pessoas em entidades médicas com estas características, e eu estava completando três anos à frente da SOBRAMH, sem levar em conta os outros muitos “extra-oficiais” para fazer brotar o movimento. Havia mecanismos para manter o norte, mas dependeria de participação ativa do coletivo médico...
Permitiu-se agora que um "II Congresso", cuja data era de conhecimento de alguns há mais tempo, fosse efetivamente lançado apenas após o prazo previsto em Estatuto para organização de chapas se esgotar. Ignorou-se (antes e depois) tudo que consta em Estatuto para garantir minimamente um processo eleitoral digno. Houve o caso do colega paranaense que enviou e-mail ao atual presidente no início de 2012 solicitando orientação para regularizar sua situação e foi informado que havia “problemas”. Recebeu agora dados de uma conta bancária que sempre existiu, e sugestão de pagamento de R$300,00 (a anuidade vinha sendo R$50,00), “assim poderá participar em assembléia geral de logo mais com voz e voto”. Voto em quê? Serão R$300,00 (mais custos de deslocamento e hospedagem) para enfrentar o absoluto desconhecido (ou não). A SBPT cobra R$420,00 por (verdadeira) anuidade, e inclui o Jornal Brasileiro de Pneumologia, entre outras vantagens. A AMIB cobra R$ 450,00, oferecendo acesso on-line às dez principais revistas médicas internacionais da especialidade. A estratégia de esvaziar uma associação, apostando em evento periódico, criando até mesmo dificuldades para pessoas que desejem o exercício do associativismo, é mais velha que andar pra frente. Para então fazer uso predominantemente político ou movido por interesses secundários!
Na última semana, vice-presidente exonerado da atual gestão recebeu e-mail de colega paulista (neófito no movimento em todos os sentidos) o convidando para o evento. Educadamente, disse não e agradeceu! É triste ver pioneiros se afastando, não querendo sequer participar da grade... Pior por se tratar de um dos poucos hospitalistas entre o grupo de atual diretores.
Ao concluir meu mandato, na assembleia de encerramento, distribui cópias de documentos com toda movimentação financeira para cada participante. Deixei meu tempo e energia sob a forma de receitas para esta associação sem fins lucrativos, inclusive doação relacionada à tradução de livro, para, ao questionar qualquer coisa da nova diretoria, ficar com a impressão, pela maneira como processam qualquer reivindicação, de que estou furungando em negócio alheio.
Tenho criticado fortemente a confusão entre público e privado nas associações médicas. Que não fique a ideia de que não admiro o privado. Fosse como faz Sound Physicians – HM, the way it should be, em paralelo com a SOBRAMH, e não haveria problema. Inclusive penso que, hoje, a organização que melhor representa boa parte dos ideais que me moveram a criar e alavancar a associação para promoção da Medicina Hospitalar (de cunho predominantemente técnico- científicos) é a MedicinaNet. Um empresa privada que vem fornecendo educação médica em diversas áreas fundamentais para hospitalistas. Tenho MedicinaNet e não pagarei mais a SOBRAMH, a não ser que mude. Há inclusive outras vantagens: há menos objetivos secundários em jogo, e, consequentemente, um maior comprometimento do prestador de serviço com a qualidade do produto que oferece, razão quase única de sua existência. E se o produto não for bom, não lucram. Muitos poderiam dizer que uma associação médica não deve viver apenas de promover educação continuada. Mas isto apenas reforça meu atual posicionamento: hoje, melhor a neutralidade, do que fomentar o tipo de hospitalista que está sendo promovido nos bastidores por parte das atuais lideranças.
Historicamente, busquei melhorar questões envolvendo controle e transparência em entidades médicas das quais participei, como a Associação Nacional de Médicos Residentes, que por muitos anos (não sei como está agora) insistiu em fazer tudo errado para manter o poder, em última instância agrupando amigos e parceiros como membros votantes (sem exigência de estarem em situação regular) e afastando opositores com o argumento de não estarem em situação regular. Por não me manifestar externamente, fui também conivente. Como não lembrar também de minha participação na SBCM/RS, da qual fui diretor sem ter aderido previamente à entidade, sem nunca ter pago anuidade - entrei como convidado, saí quando percebi que meus questionamentos não teriam eco. Mais recentemente, o caso do SIMERS é emblemático. Espero que a SOBRAMH amadureça. Lamento profundamente já terem se passado praticamente dois anos de receberem a entidade com algum dinheiro em caixa e jamais terem dado qualquer retorno aos vários que fizeram pequenos aportes. Enquanto isto estarei depositando meu tempo e energia em outros projetos, como, por exemplo, ajudando amigo que promove segurança do paciente através de iniciativa absolutamente privada, para não dizer pessoal. Não engana ninguém com discurso associativista e sob rúbrica de entidade sem fins lucrativos. Terá sido este o último texto que escreverei em relação à SOBRAMH, a não ser que venha a elogiá-la no futuro. É o que espero poder fazer, independente das pessoas que nela estiveram.
- respeite Missão e Estatuto;
- esteja sempre aberta para aprimorar o Estatuto, tornando-se progressivamente menos dependente de pessoas;
- favoreça a participação de membros e até mesmo o surgimento de oposições;
- divulgue ampla prestação de contas (não apenas financeira);
- ao promover educação médica continuada, que o faça sem indústria farmacêutica ou com indústria farmacêutica - sem problemas -, mas que construa e aprimore políticas de relacionamento com quem for se relacionar e não tenha o mesmo interesse primário.
Quando fizemos a atual chapa que dirige a SOBRAMH, trabalhei forte para concretizá-la. Próximo do término de meu mandato e do prazo para encerramento das inscrições, já ficando evidentes alguns problemas, fui sondado para quebrar o combinado e partir para um novo período (e seria nas regras do jogo, e acabaria sem oposição). Fiz questão de não ceder, porque sempre critiquei a perpetuação no poder de pessoas em entidades médicas com estas características, e eu estava completando três anos à frente da SOBRAMH, sem levar em conta os outros muitos “extra-oficiais” para fazer brotar o movimento. Havia mecanismos para manter o norte, mas dependeria de participação ativa do coletivo médico...
Permitiu-se agora que um "II Congresso", cuja data era de conhecimento de alguns há mais tempo, fosse efetivamente lançado apenas após o prazo previsto em Estatuto para organização de chapas se esgotar. Ignorou-se (antes e depois) tudo que consta em Estatuto para garantir minimamente um processo eleitoral digno. Houve o caso do colega paranaense que enviou e-mail ao atual presidente no início de 2012 solicitando orientação para regularizar sua situação e foi informado que havia “problemas”. Recebeu agora dados de uma conta bancária que sempre existiu, e sugestão de pagamento de R$300,00 (a anuidade vinha sendo R$50,00), “assim poderá participar em assembléia geral de logo mais com voz e voto”. Voto em quê? Serão R$300,00 (mais custos de deslocamento e hospedagem) para enfrentar o absoluto desconhecido (ou não). A SBPT cobra R$420,00 por (verdadeira) anuidade, e inclui o Jornal Brasileiro de Pneumologia, entre outras vantagens. A AMIB cobra R$ 450,00, oferecendo acesso on-line às dez principais revistas médicas internacionais da especialidade. A estratégia de esvaziar uma associação, apostando em evento periódico, criando até mesmo dificuldades para pessoas que desejem o exercício do associativismo, é mais velha que andar pra frente. Para então fazer uso predominantemente político ou movido por interesses secundários!
Na última semana, vice-presidente exonerado da atual gestão recebeu e-mail de colega paulista (neófito no movimento em todos os sentidos) o convidando para o evento. Educadamente, disse não e agradeceu! É triste ver pioneiros se afastando, não querendo sequer participar da grade... Pior por se tratar de um dos poucos hospitalistas entre o grupo de atual diretores.
Ao concluir meu mandato, na assembleia de encerramento, distribui cópias de documentos com toda movimentação financeira para cada participante. Deixei meu tempo e energia sob a forma de receitas para esta associação sem fins lucrativos, inclusive doação relacionada à tradução de livro, para, ao questionar qualquer coisa da nova diretoria, ficar com a impressão, pela maneira como processam qualquer reivindicação, de que estou furungando em negócio alheio.
Tenho criticado fortemente a confusão entre público e privado nas associações médicas. Que não fique a ideia de que não admiro o privado. Fosse como faz Sound Physicians – HM, the way it should be, em paralelo com a SOBRAMH, e não haveria problema. Inclusive penso que, hoje, a organização que melhor representa boa parte dos ideais que me moveram a criar e alavancar a associação para promoção da Medicina Hospitalar (de cunho predominantemente técnico- científicos) é a MedicinaNet. Um empresa privada que vem fornecendo educação médica em diversas áreas fundamentais para hospitalistas. Tenho MedicinaNet e não pagarei mais a SOBRAMH, a não ser que mude. Há inclusive outras vantagens: há menos objetivos secundários em jogo, e, consequentemente, um maior comprometimento do prestador de serviço com a qualidade do produto que oferece, razão quase única de sua existência. E se o produto não for bom, não lucram. Muitos poderiam dizer que uma associação médica não deve viver apenas de promover educação continuada. Mas isto apenas reforça meu atual posicionamento: hoje, melhor a neutralidade, do que fomentar o tipo de hospitalista que está sendo promovido nos bastidores por parte das atuais lideranças.
Historicamente, busquei melhorar questões envolvendo controle e transparência em entidades médicas das quais participei, como a Associação Nacional de Médicos Residentes, que por muitos anos (não sei como está agora) insistiu em fazer tudo errado para manter o poder, em última instância agrupando amigos e parceiros como membros votantes (sem exigência de estarem em situação regular) e afastando opositores com o argumento de não estarem em situação regular. Por não me manifestar externamente, fui também conivente. Como não lembrar também de minha participação na SBCM/RS, da qual fui diretor sem ter aderido previamente à entidade, sem nunca ter pago anuidade - entrei como convidado, saí quando percebi que meus questionamentos não teriam eco. Mais recentemente, o caso do SIMERS é emblemático. Espero que a SOBRAMH amadureça. Lamento profundamente já terem se passado praticamente dois anos de receberem a entidade com algum dinheiro em caixa e jamais terem dado qualquer retorno aos vários que fizeram pequenos aportes. Enquanto isto estarei depositando meu tempo e energia em outros projetos, como, por exemplo, ajudando amigo que promove segurança do paciente através de iniciativa absolutamente privada, para não dizer pessoal. Não engana ninguém com discurso associativista e sob rúbrica de entidade sem fins lucrativos. Terá sido este o último texto que escreverei em relação à SOBRAMH, a não ser que venha a elogiá-la no futuro. É o que espero poder fazer, independente das pessoas que nela estiveram.
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