Medicina Baseada em Evidências: Declaração de Conflitos de Interesse - Dá para Con...: "A partir de 2013 todas as indústrias de equipamentos ou farmacêuticas americanas terão de declarar qualquer pagamento acima de US$ 10,00"
Sobre o mesmo assunto:
http://www.unisimers.com.br/videos/index.php?palestra=392
Sobre Medicina Hospitalar, hospitalistas, qualidade assistencial, segurança do paciente, erro médico, conflitos de interesses, educação médica e outros assuntos envolvendo saúde, política e cotidiano.
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
Qual o seu preço?
por José Pedro Goulart
Todo mundo tem um preço. O meu, aliás, é bem barato, algo num raio de um metro e meio em torno do umbigo de alguém como a Scarlett Johansson, por exemplo, me compra com facilidade. Isso não quer dizer que eu não tenha princípios, tenho. Mas esses custam mais caro.
A moeda de cada um varia. E digo mais, o sentido da vida está em descobrir a sua: prestígio, poder, glória - não há doação, mas troca, escambo. Vale para caridade, para arte, para política. De alguma forma há lucro. Vendemo-nos o tempo todo.
Quem diz que não se vende por nada não ama ninguém. Que pai ou mãe deixariam de entregar qualquer coisa, até mesmo a honra, para salvar a vida de um filho? A moeda que nos compra pode ser trágica, pode ser oportunista; mas, atenção crianças, pode ser nobre. Eis o meu ponto, dependendo das circunstâncias qualquer um vende a alma, o corpo e até negocia a morte (se houver a garantia de 72 virgens esperando do lado de lá, por exemplo). Mas sim, acredito que se possa levar uma vida menos ordinária escolhendo bem o balcão, e principalmente o diabo e a moeda que nos compra.
Quando o lucro é "só" dinheiro, bem, aí o assunto é outro. O dinheiro em si maquia o resultado, ou melhor, só vê o resultado - um passo para mesquinhez. Um sujeito muito velho sovina e endinheirado continua acumulando riqueza somente pelo prazer de ficar empilhando números. (Talvez se pudesse trocaria tudo o que tem por uma outra moeda, como uma nova juventude. Mas o pior é que não pode.)
Foi por isso que acreditei que Ronaldinho iria jogar no Grêmio. Os dirigentes reabriram as portas do Olímpico mesmo sabendo que o jogador deu uma banana para o clube há dez anos. Foram tentados, cobiçaram uma oportunidade. Numa situação normal o time não teria condições financeiras para trazer um Ronaldinho, mesmo com a carreira do sujeito minguando.
Mas o Grêmio achava que só ele tinha a moeda que iria comprar o jogador. Qual moeda? "O perdão". Era isso que Ronaldinho e sua turma ansiariam. De posse dessa moeda raríssima, o craque poderia comprar o esquecimento, refazer a memória vil que deixou para trás, ter passe livre na sua cidade natal. Grande acordo.
Mas os dirigentes estavam enganados, como se enganaram todos os torcedores que se associaram no perdão para jogador. Ronaldinho não estava atrás de reconciliações. A moeda que o Grêmio queria era uma só: reconhecimento; talvez algum amor. Mas a moeda do Ronaldinho continua a mesma, a que sempre foi desde sempre.
Todo mundo tem um preço. O meu, aliás, é bem barato, algo num raio de um metro e meio em torno do umbigo de alguém como a Scarlett Johansson, por exemplo, me compra com facilidade. Isso não quer dizer que eu não tenha princípios, tenho. Mas esses custam mais caro.
A moeda de cada um varia. E digo mais, o sentido da vida está em descobrir a sua: prestígio, poder, glória - não há doação, mas troca, escambo. Vale para caridade, para arte, para política. De alguma forma há lucro. Vendemo-nos o tempo todo.
Quem diz que não se vende por nada não ama ninguém. Que pai ou mãe deixariam de entregar qualquer coisa, até mesmo a honra, para salvar a vida de um filho? A moeda que nos compra pode ser trágica, pode ser oportunista; mas, atenção crianças, pode ser nobre. Eis o meu ponto, dependendo das circunstâncias qualquer um vende a alma, o corpo e até negocia a morte (se houver a garantia de 72 virgens esperando do lado de lá, por exemplo). Mas sim, acredito que se possa levar uma vida menos ordinária escolhendo bem o balcão, e principalmente o diabo e a moeda que nos compra.
Quando o lucro é "só" dinheiro, bem, aí o assunto é outro. O dinheiro em si maquia o resultado, ou melhor, só vê o resultado - um passo para mesquinhez. Um sujeito muito velho sovina e endinheirado continua acumulando riqueza somente pelo prazer de ficar empilhando números. (Talvez se pudesse trocaria tudo o que tem por uma outra moeda, como uma nova juventude. Mas o pior é que não pode.)
Foi por isso que acreditei que Ronaldinho iria jogar no Grêmio. Os dirigentes reabriram as portas do Olímpico mesmo sabendo que o jogador deu uma banana para o clube há dez anos. Foram tentados, cobiçaram uma oportunidade. Numa situação normal o time não teria condições financeiras para trazer um Ronaldinho, mesmo com a carreira do sujeito minguando.
Mas o Grêmio achava que só ele tinha a moeda que iria comprar o jogador. Qual moeda? "O perdão". Era isso que Ronaldinho e sua turma ansiariam. De posse dessa moeda raríssima, o craque poderia comprar o esquecimento, refazer a memória vil que deixou para trás, ter passe livre na sua cidade natal. Grande acordo.
Mas os dirigentes estavam enganados, como se enganaram todos os torcedores que se associaram no perdão para jogador. Ronaldinho não estava atrás de reconciliações. A moeda que o Grêmio queria era uma só: reconhecimento; talvez algum amor. Mas a moeda do Ronaldinho continua a mesma, a que sempre foi desde sempre.
Insuficiência cardiaca descompensada grave e o estudo positivo nunca publicado
Estive recentemente com um paciente com descompensação grave de insuficiência cardíaca, situação que sempre desperta discussões quentes: Swan-Ganz? Dobutamina? Há quem defenda do uso liberal à moratória, o que faz deste um assunto que empolga quem gosta de debates e controvérsias.
Particularmente procuro evitar o uso de inotrópicos. As alternativas que disponho me dão arrepios quando tenho que usar, mas às vezes acabam sendo necessárias. Via de regra é a Dobutamina. Seria muito bom se algum outro inotrópico emplacasse...
John G.F. Cleland (Department of Cardiology, University of Hull, Castle Hill Hospital, Cottingham, Kingston-upon-Hull) já escreveu que:
Será que já existe alternativa melhor à Dobutamina? É o Levosimendan?
Há muitos anos atrás eu tive acesso aos resultados de um ensaio clínico randomizado que ajudaria nesta questão: CASINO! Venceu o Levosimendan, em segundo ficou Placebo e em último ficou a Dobutamina.
Lembrava que fora através do theheart.org, e procurei novamente, já que nunca encontrei o ECR propriamente dito devidamente publicado. Volta e meia eu saí atrás dele nestes últimos anos, sem sucesso. Encontrei a mesma referência que acredito ter lido na época e de onde tirei o slide dos resultados do CASINO que tenho até hoje: http://www.theheart.org/article/221625.do
Em 2006, no The European Journal of Heart Failure, Cleland publicou Clinical trials update from the American Heart Association: REPAIR-AMI, ASTAMI, JELIS, MEGA, REVIVE-II, SURVIVE, and PROACTIVE. Vejamos onde discute o REVIVE-II e o SURVIVE:
No material do theheart.org, há citações do autor do trabalho: Dr. Michael N Zaires (Tzam's Hospital, Piraeus, Greece).
Failure to verify the data I think.
Some have suggested scientific fraud but I have no insight one way or the other.
John [Cleland]
Já no material do theheart.org, de 2004, contava que:
Tire suas próprias conclusões. O inédito é que normalmente há histórias de engavetamento de estudos negativos (The “File Drawer” Effect). É o primeiro caso que vejo de engavetarem estudo positivo. Já não bastasse a interrupção precoce*, parece haver mais coisas, no mínimo, estranhas. *The study was originally designed to recruit 600 patients, however, was stopped prematurely after 299 patients had been enrolled, due to a clear mortality benefit in favour of levosimendan.
John G.F. Cleland é autor de trabalhos financiados pelo laboratório do Levosimendan, mas em algumas publicações sobre insuficiência cardíaca informa não ter potenciais conflitos de interesse a declarar.
Encontrei Michael Zaires como co-autor de trabalho sobre IC onde consta: The authors of this manuscript have certified that they comply with the Principles of Ethical Publishing in the International Journal of Cardiology. Como pode uma revista “informar” assim? Sem dizer nem que sim, nem que não, dá a referência do manual de ética para o leitor! Há várias publicações dele em jornais que não exigem declaração de conflitos de interesse. Encontro uma em Heart com Competing interests: None declared.
Particularmente procuro evitar o uso de inotrópicos. As alternativas que disponho me dão arrepios quando tenho que usar, mas às vezes acabam sendo necessárias. Via de regra é a Dobutamina. Seria muito bom se algum outro inotrópico emplacasse...
John G.F. Cleland (Department of Cardiology, University of Hull, Castle Hill Hospital, Cottingham, Kingston-upon-Hull) já escreveu que:
"If levosimendan were available in the UK I would be using it because there is evidence that it is safer than any other IV agent"Seu grupo foi responsável por meta-análise que demonstrou que a Dobutamina aumenta mortalidade.
Será que já existe alternativa melhor à Dobutamina? É o Levosimendan?
Há muitos anos atrás eu tive acesso aos resultados de um ensaio clínico randomizado que ajudaria nesta questão: CASINO! Venceu o Levosimendan, em segundo ficou Placebo e em último ficou a Dobutamina.
Lembrava que fora através do theheart.org, e procurei novamente, já que nunca encontrei o ECR propriamente dito devidamente publicado. Volta e meia eu saí atrás dele nestes últimos anos, sem sucesso. Encontrei a mesma referência que acredito ter lido na época e de onde tirei o slide dos resultados do CASINO que tenho até hoje: http://www.theheart.org/article/221625.do
Em 2006, no The European Journal of Heart Failure, Cleland publicou Clinical trials update from the American Heart Association: REPAIR-AMI, ASTAMI, JELIS, MEGA, REVIVE-II, SURVIVE, and PROACTIVE. Vejamos onde discute o REVIVE-II e o SURVIVE:
Are these data sufficient to warrant the widespread use of levosimendan? This depends on your clinical practice. If you do not use intravenous inotropic or vasodilator agents for the management of heart failure then there is insufficient evidence, as yet, to suggest that you should use levosimendan. However, there is as much or more evidence for the safety and efficacy of levosimendan for acute on chronic heart failure than for any other intravenous inotropic or vasodilator agent, including nitrates or nesiritide. Therefore, if you do use such intravenous agents for the treatment of such patients you might consider levosimendan, even perhaps as the agent of first choice provided cost is not an issue. Clearly, more clinical trial data are desirable and will probably be required by regulators.Ele levou em conta os resultados do CASINO, os insere em gráficos inclusive. Há referência de todos os trabalhos que cita no artigo e de onde tira suas conclusões. Não do CASINO? O que houve com este estudo?
No material do theheart.org, há citações do autor do trabalho: Dr. Michael N Zaires (Tzam's Hospital, Piraeus, Greece).
“Current treatment for acute decompensated heart failure which consists of IV diuretics, nitrates, or inotropes such as dobutamine or milrinone is unsatisfactory because it has not managed to improve mortality and there are side effects such as an increase in arrhythmias.”Mas, e a final de contas, onde foi parar o tal CASINO? Resolvi perguntar diretamente à Cleland e Zaires. Veja a resposta do primeiro:
"Intravenous levosimendan showed a significant survival benefit while dobutamine actually increased mortality," Zairis said.
Failure to verify the data I think.
Some have suggested scientific fraud but I have no insight one way or the other.
John [Cleland]
Já no material do theheart.org, de 2004, contava que:
... doctors listening to the presentation had their reservations about the results because of the positive effect of levosimendan, CASINO was stopped early after enrollment of 299 patients instead of the planned 600. One observer commented, "It was unfortunate that a small study was stopped in this way because there will remain some uncertainties."Michael Zaires não respondeu o meu e-mail.
The p value for the benefit of levosimendan vs placebo was only 0.04, however, and doctors listening to the presentation were concerned that the analysis was done on-treatment instead of by intention-to-treat, commenting that if the eight patients who withdrew were included this may have altered the p value. "We really critically have to know what happened to those patients," one said.
Zairis was unable to say what happened to the eight patients, but he told heartwire that he now routinely uses levosimendan in acute hospitalized heart-failure patients in Greece.
John G.F. Cleland é autor de trabalhos financiados pelo laboratório do Levosimendan, mas em algumas publicações sobre insuficiência cardíaca informa não ter potenciais conflitos de interesse a declarar.
Encontrei Michael Zaires como co-autor de trabalho sobre IC onde consta: The authors of this manuscript have certified that they comply with the Principles of Ethical Publishing in the International Journal of Cardiology. Como pode uma revista “informar” assim? Sem dizer nem que sim, nem que não, dá a referência do manual de ética para o leitor! Há várias publicações dele em jornais que não exigem declaração de conflitos de interesse. Encontro uma em Heart com Competing interests: None declared.
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
As dificuldades e os riscos da Medicina Hospitalar no Brasil
As dificuldades e os riscos da Medicina Hospitalar no Brasil: apresentar o modelo não foi fácil, mas o mais complicado está por vir.
Até 2004, praticamente não havia por aqui referências à Medicina Hospitalar. No Google Brasil, começaram a aparecer em 2004, a partir do site http://www.medicinahospitalar.com.br/, na época do Grupo de Estudos e Atualização em Medicina Hospitalar. É possível encontrar algumas outras poucas referências daquela época em língua portuguesa, mas não retratam muito bem o modelo.
Foi a partir de 2007 que o movimento começou a ganhar força. Ocorreu a fundação da Sociedade Brasileira de Medicina Hospitalar (SOBRAMH) e, em 2008, o I Congresso Brasileiro de Medicina Hospitalar. Daí para frente, a discussão tornou-se cada vez mais intensa e é possível dizer que em 2010 os hospitalistas estavam devidamente apresentados aos brasileiros.
Agora já há inúmeras pessoas e organizações, paralelamente, e até mesmo concorrendo, discutindo ou tratando do assunto.
Considerando que esta trajetória de 2004 a 2010 foi bastante trabalhosa e, principalmente, que o impacto da Medicina Hospitalar agradaria toda e qualquer organização ou pessoa preocupada com eficiência e/ou custos na assistência a saúde, o que pode estar por vir?
Nos EUA, não saíram contratando “médicos modernos” e, pronto, resolvido. Não foi fácil a trajetória inicial do movimento que consagrou a Medicina Hospitalar como a especialidade médica que com mais rapidez cresceu na história da Medicina moderna. E vejo como particularmente empolgante a busca contínua por aperfeiçoamento que eles seguem ainda hoje empregando. Não partiram da contratação de hospitalistas. Modificaram o processo de assistência hospitalar. E moldaram, a partir disto, e muito paulatinamente, as pessoas nele envolvidas. Surgiu, então, o hospitalista. Como fruto, não como semente. E, a partir disto, é óbvio que se beneficiaram e se beneficiam por troca de experiências, através de consultorias e cursos, entre outras.
Imagine como seria bom se fossemos capazes de, através de em um passe de mágica, viabilizar ganho de qualidade e resolver a questão em torno dos erros médicos, contratando qualquer médico para ser hospitalista, em qualquer instituição. Médicos formados no modelo tradicional, sem nunca terem tido nada no currículo sobre segurança do paciente. Que recém acabaram a residência de Clínica Médica, ou até mesmo recém formados, lançados para serem os responsáveis por conquistas que alguns hospitais divulgam aos clientes antes mesmo de serem fato real, antes mesmo de trabalharem os alicerces do modelo. É possível assim? Dificuldades semelhantes enfrentou e enfrenta a Medicina de Emergência no Brasil. Estamos fazendo parecido com a Medicina Hospitalar, ou pior.
Fazem o mesmo quando tentam inserir profissionais como “hospitalistas”, e não estão preparados para modificar o modus operandi vigente. Pior quando os colocam para servir de retaguarda ao modelo tradicional, no formato “mid-level providers”.
Modelo tradicional é modelo tradicional, o de Medicina Hospitalar é o de Medicina Hospitalar. O último uma inovação em relação ao primeiro, o que por si só não significa superioridade. Deve haver quebra de paradigma para existir. Estaríamos abrindo mão daquele médico que dá as coordenadas estando, na maior parte do seu tempo, do lado de fora do hospital. Pelo menos como protagonista no ambiente hospitalar.
O que mais tenho visto aqui é pouco ou quase nada modificarem o modus operandi, ou fazê-lo de outra forma que não através do aproveitamento de nosso modelo. Há hospitais que passaram a chamar o plantão clínico que sempre tiveram de "equipe de hospitalistas". Há grupos incentivando a confusão com Sistemas de Resposta Rápida. Há também quem esteja fazendo apenas marketing por marketing. Interpretações e adaptações estão ocorrendo e sucitando debate [leia mais].
Aliás, marketing por marketing é estratégia que vem sendo bastante aplicada. Escutei recentemente a seguinte história: Há um hospital privado brasileiro que está na moda. Em quase toda discussão sobre qualidade assistencial estão presentes. Liderança deste hospital foi convidada para falar em evento em outro estado cujo tema central era Emergências. Não é o forte deles. No estado onde o evento foi realizado, há alguns hospitais que obtiveram resultados positivos através do Protocolo de Manchester. Ao invés de darem ênfase às experiências locais, alguém se lembrou de convidar representante do hospital da moda para apresentar o Protocolo. Imediatamente após aceitar o convite, a liderança do hospital da moda ligou para um conhecido gestor de emergências questionando: “que m... é este tal de Consenso de Manchester?”. Ao final, apresentou “excelente” palestra sobre Protocolo de Manchester, através de slides que eram do gestor de emergências. E não faltou no evento quem tenha pensado: “estas caras são muito bons mesmo”. Não aplicam!
Outra história interessante diz respeito ao formato que alguns vêm defendendo. Em um hospital onde isto acontece, após longo discurso de defesa do que estavam fazendo, o gestor médico questionou-me: “você realmente não acha isto bom?”. E era óbvio que estavam com iniciativas bacanas, apenas não eram através de hospitalistas. E pode até um hospital se sair melhor que outro que emprega a Medicina Hospitalar segundo a cartilha, em razão da complexidade do que estamos tratando. Múltiplos fatores interferem nos resultados. Apenas defendo que não se chame de Medicina Hospitalar o que não é. Mas voltando à história... Respondi que achei tudo muito legal, mas que apenas não identificava aquilo como Medicina Hospitalar e que me preocupava a satisfação profissional daqueles médicos que atuavam como “hospitalistas”. Minutos após, na sala de estar médico, em momento informal e de descontração, um cirurgião tratou os "hospitalistas" por "residentes que já sabiam o necessário". Outro médico se referiu a eles como “quem agora liga para nós ao invés da enfermeira”. E conversei mais tarde com uma hospitalista da instituição que quase chorou ao descrever seu descontentamento. Atendem intercorrências dos pacientes dos outros, não se sentem sequer membros de uma equipe e fazem muito, mas muito, trabalho burocrático.
Usar da Emergência como exemplo é muito interessante. Ou até mesmo da Medicina Intensiva. Vamos adiante...
Nestes dois cenários, têm se organizado grupos ou pessoas para explorar trabalho médico. Normal! Podem ser outros médicos a fazer isto inclusive. Colocam-se como intermediários entre o hospital e os profissionais da linha de frente. E forçam uma divisão ainda maior do bolo, muitas vezes errática - e isto pode ser um problema.
Enquanto isto, nas emergências Brasil afora, a regra é trabalharem médicos inexperientes, que não encontram nesta atividade uma carreira. Aqueles poucos que teriam gosto pela área vêem a empolgação ruir com o tempo, com a falta de profissionalização do setor e de valorização profissional. Não há costumeiramente aliança hospital - fonte pagadora - médicos. Os médicos da linha de frente, pelo menos, dela não fazem parte. E os outros dois players reconhecem os problemas advindos disto, mas não têm conseguido romper a zona de “conforto”. Conforto entre aspas, já que há uma forte crise e ela só cresce.
Quais são os riscos da Medicina Hospitalar no Brasil?
Servir de ferramenta para hospitais apenas, sem a necessária aliança com as fontes pagadoras e, principalmente, com os profissionais da linha de frente.
Sem suprir demandas dos profissionais da linha de frente, reproduziremos o que faz a Medicina de Emergência, impossibilitando fazer da atividade de hospitalista uma carreira médica.
Alternativas outras de aproximação das lógicas assistencial e administrativa já falharam por pretenderem a simples regulação da primeira pela segunda. No modelo de Medicina Hospitalar, o resultado deve brotar primariamente da assistência, e isto faz parte da grande e imprescindível mudança. Fazer isto no Brasil está complicado, adaptações estão surgindo, mas talvez não sejam boas para o médico. Percebe-se fácil que muitas instituições estão empregando “hospitalistas” para fazer o que mid-level providers estão fazendo nos EUA. Não é Medicina Hospitalar, mas igualmente é um movimento bem interessante. O risco é inserirmos médicos nesta atividade, criando uma categoria de segunda linha, de clínicos descontentes. Isto compromete minha perspectiva de que o movimento de Medicina Hospitalar no Brasil seja capaz, tal como está sendo nos EUA, de resgatar um espaço mais nobre de atuação para o médico generalista.
Não podemos fazer como SOBRAMH o mesmo que costuma fazer a maioria das especialidades médicas. Cabe aos sócios de associações médicas definirem o norte e exigirem melhorias e correta alocação de recursos. São eles próprios que permitem que suas lideranças passem a se ocupar principalmente de gerir lutas de poder, ao invés de melhor trabalhar interesses legítimos do movimento, fato comum em muitas associações. Mas, mesmo sendo necessário cuidar de nossa associação, os hospitalistas que efetivamente já existem devem perceber que o mais importante ambiente para despenderem tempo e energia nos próximos 2-3 anos será o seu próprio hospital. Será este o verdadeiro cenário de aprendizado e conquistas para o nosso movimento em curto prazo.
Até 2004, praticamente não havia por aqui referências à Medicina Hospitalar. No Google Brasil, começaram a aparecer em 2004, a partir do site http://www.medicinahospitalar.com.br/, na época do Grupo de Estudos e Atualização em Medicina Hospitalar. É possível encontrar algumas outras poucas referências daquela época em língua portuguesa, mas não retratam muito bem o modelo.
Foi a partir de 2007 que o movimento começou a ganhar força. Ocorreu a fundação da Sociedade Brasileira de Medicina Hospitalar (SOBRAMH) e, em 2008, o I Congresso Brasileiro de Medicina Hospitalar. Daí para frente, a discussão tornou-se cada vez mais intensa e é possível dizer que em 2010 os hospitalistas estavam devidamente apresentados aos brasileiros.
Agora já há inúmeras pessoas e organizações, paralelamente, e até mesmo concorrendo, discutindo ou tratando do assunto.
Considerando que esta trajetória de 2004 a 2010 foi bastante trabalhosa e, principalmente, que o impacto da Medicina Hospitalar agradaria toda e qualquer organização ou pessoa preocupada com eficiência e/ou custos na assistência a saúde, o que pode estar por vir?
- Aproveitamento da idéia como [dysfunctional] business ou marketing apenas!
- Indução consciente de confusão de conceitos!
Medicina Hospitalar é um modelo com características bem peculiares e médico hospitalista não é qualquer médico que trabalhe em hospital. Não é meu objetivo aqui explicar o modelo, mas... Já se percebe muitos hospitais no Brasil divulgando que o adotaram, alguns sem se afastar um milímetro sequer do modelo tradicional. Estão anunciando que contrataram um médico “moderno”, que é sucesso nos States e altamente resolutivo. Há quem já queira ensinar. Organizações e pessoas que ainda necessitariam aprender, e o que é pior: divulgam como se existissem profissionais prontos para se tornar solução fácil de todos os problemas advindos da complexidade da assistência hospitalar de um dia para o outro. Ou que sabem como encontrá-los e/ou produzi-los. Como se instituições no Brasil, sejam hospitais, organizações de ensino ou empresas de consultoria, possuíssem agora uma fórmula simples para o gap de qualidade e o problema dos erros na assistência à saúde. Há cursos de pós-graduação prometendo fazer de você um excelente e bem sucedido hospitalista em 380 horas. Bobagem - quando feito desta forma.
Enquanto muitos lá onde cunharam o termo hospitalistas ainda assumem que há muito a melhorar no próprio modelo e no campo da segurança do paciente, alguns hospitais brasileiros têm anunciado que estão prontos: “temos hospitalistas”, “somos pioneiros”. Quando não anunciam serem os primeiros – vários deles juntos!!! E “temos segurança”, “temos qualidade”, dando a impressão de ser tudo irretocável, quando falam para o público externo (compreensível) e também nos fóruns de discussão que envolvem aqueles responsáveis de fato por construir um assistência melhor e mais segura (preocupante).
Para início de conversa, é preciso reconhecer que “Quality & Safety” é sinônimo de aperfeiçoamento CONTÍNUO. Que perfeição não existirá nunca – mas que a busca constante por ela é necessária. E que o que serve para uma instituição pode não servir para a outra (e isto vale para hospitalistas inclusive).
A partir destas premissas, penso que somente avançaremos em Medicina Hospitalar se, antes de qualquer coisa, a organização estiver disposta a modificar cultura e processos críticos. Será preciso o surgimento de mais destas e o fortalecimento da cultura nas que já existem. Em ambientes onde não pretendem mudar, não devemos sequer estimular a introdução do modelo, pelo risco de somente desgastá-lo. Resta óbvio, em minha opinião, que a Medicina Hospitalar tem que crescer de dentro para fora, sem negar a importância secundária de projetos e ações vindos de fora para dentro, como os próprios congressos que organizei.
Enquanto muitos lá onde cunharam o termo hospitalistas ainda assumem que há muito a melhorar no próprio modelo e no campo da segurança do paciente, alguns hospitais brasileiros têm anunciado que estão prontos: “temos hospitalistas”, “somos pioneiros”. Quando não anunciam serem os primeiros – vários deles juntos!!! E “temos segurança”, “temos qualidade”, dando a impressão de ser tudo irretocável, quando falam para o público externo (compreensível) e também nos fóruns de discussão que envolvem aqueles responsáveis de fato por construir um assistência melhor e mais segura (preocupante).
Para início de conversa, é preciso reconhecer que “Quality & Safety” é sinônimo de aperfeiçoamento CONTÍNUO. Que perfeição não existirá nunca – mas que a busca constante por ela é necessária. E que o que serve para uma instituição pode não servir para a outra (e isto vale para hospitalistas inclusive).
A partir destas premissas, penso que somente avançaremos em Medicina Hospitalar se, antes de qualquer coisa, a organização estiver disposta a modificar cultura e processos críticos. Será preciso o surgimento de mais destas e o fortalecimento da cultura nas que já existem. Em ambientes onde não pretendem mudar, não devemos sequer estimular a introdução do modelo, pelo risco de somente desgastá-lo. Resta óbvio, em minha opinião, que a Medicina Hospitalar tem que crescer de dentro para fora, sem negar a importância secundária de projetos e ações vindos de fora para dentro, como os próprios congressos que organizei.
Nos EUA, não saíram contratando “médicos modernos” e, pronto, resolvido. Não foi fácil a trajetória inicial do movimento que consagrou a Medicina Hospitalar como a especialidade médica que com mais rapidez cresceu na história da Medicina moderna. E vejo como particularmente empolgante a busca contínua por aperfeiçoamento que eles seguem ainda hoje empregando. Não partiram da contratação de hospitalistas. Modificaram o processo de assistência hospitalar. E moldaram, a partir disto, e muito paulatinamente, as pessoas nele envolvidas. Surgiu, então, o hospitalista. Como fruto, não como semente. E, a partir disto, é óbvio que se beneficiaram e se beneficiam por troca de experiências, através de consultorias e cursos, entre outras.
Imagine como seria bom se fossemos capazes de, através de em um passe de mágica, viabilizar ganho de qualidade e resolver a questão em torno dos erros médicos, contratando qualquer médico para ser hospitalista, em qualquer instituição. Médicos formados no modelo tradicional, sem nunca terem tido nada no currículo sobre segurança do paciente. Que recém acabaram a residência de Clínica Médica, ou até mesmo recém formados, lançados para serem os responsáveis por conquistas que alguns hospitais divulgam aos clientes antes mesmo de serem fato real, antes mesmo de trabalharem os alicerces do modelo. É possível assim? Dificuldades semelhantes enfrentou e enfrenta a Medicina de Emergência no Brasil. Estamos fazendo parecido com a Medicina Hospitalar, ou pior.
Fazem o mesmo quando tentam inserir profissionais como “hospitalistas”, e não estão preparados para modificar o modus operandi vigente. Pior quando os colocam para servir de retaguarda ao modelo tradicional, no formato “mid-level providers”.
Modelo tradicional é modelo tradicional, o de Medicina Hospitalar é o de Medicina Hospitalar. O último uma inovação em relação ao primeiro, o que por si só não significa superioridade. Deve haver quebra de paradigma para existir. Estaríamos abrindo mão daquele médico que dá as coordenadas estando, na maior parte do seu tempo, do lado de fora do hospital. Pelo menos como protagonista no ambiente hospitalar.
O que mais tenho visto aqui é pouco ou quase nada modificarem o modus operandi, ou fazê-lo de outra forma que não através do aproveitamento de nosso modelo. Há hospitais que passaram a chamar o plantão clínico que sempre tiveram de "equipe de hospitalistas". Há grupos incentivando a confusão com Sistemas de Resposta Rápida. Há também quem esteja fazendo apenas marketing por marketing. Interpretações e adaptações estão ocorrendo e sucitando debate [leia mais].
Aliás, marketing por marketing é estratégia que vem sendo bastante aplicada. Escutei recentemente a seguinte história: Há um hospital privado brasileiro que está na moda. Em quase toda discussão sobre qualidade assistencial estão presentes. Liderança deste hospital foi convidada para falar em evento em outro estado cujo tema central era Emergências. Não é o forte deles. No estado onde o evento foi realizado, há alguns hospitais que obtiveram resultados positivos através do Protocolo de Manchester. Ao invés de darem ênfase às experiências locais, alguém se lembrou de convidar representante do hospital da moda para apresentar o Protocolo. Imediatamente após aceitar o convite, a liderança do hospital da moda ligou para um conhecido gestor de emergências questionando: “que m... é este tal de Consenso de Manchester?”. Ao final, apresentou “excelente” palestra sobre Protocolo de Manchester, através de slides que eram do gestor de emergências. E não faltou no evento quem tenha pensado: “estas caras são muito bons mesmo”. Não aplicam!
Outra história interessante diz respeito ao formato que alguns vêm defendendo. Em um hospital onde isto acontece, após longo discurso de defesa do que estavam fazendo, o gestor médico questionou-me: “você realmente não acha isto bom?”. E era óbvio que estavam com iniciativas bacanas, apenas não eram através de hospitalistas. E pode até um hospital se sair melhor que outro que emprega a Medicina Hospitalar segundo a cartilha, em razão da complexidade do que estamos tratando. Múltiplos fatores interferem nos resultados. Apenas defendo que não se chame de Medicina Hospitalar o que não é. Mas voltando à história... Respondi que achei tudo muito legal, mas que apenas não identificava aquilo como Medicina Hospitalar e que me preocupava a satisfação profissional daqueles médicos que atuavam como “hospitalistas”. Minutos após, na sala de estar médico, em momento informal e de descontração, um cirurgião tratou os "hospitalistas" por "residentes que já sabiam o necessário". Outro médico se referiu a eles como “quem agora liga para nós ao invés da enfermeira”. E conversei mais tarde com uma hospitalista da instituição que quase chorou ao descrever seu descontentamento. Atendem intercorrências dos pacientes dos outros, não se sentem sequer membros de uma equipe e fazem muito, mas muito, trabalho burocrático.
Usar da Emergência como exemplo é muito interessante. Ou até mesmo da Medicina Intensiva. Vamos adiante...
Nestes dois cenários, têm se organizado grupos ou pessoas para explorar trabalho médico. Normal! Podem ser outros médicos a fazer isto inclusive. Colocam-se como intermediários entre o hospital e os profissionais da linha de frente. E forçam uma divisão ainda maior do bolo, muitas vezes errática - e isto pode ser um problema.
Enquanto isto, nas emergências Brasil afora, a regra é trabalharem médicos inexperientes, que não encontram nesta atividade uma carreira. Aqueles poucos que teriam gosto pela área vêem a empolgação ruir com o tempo, com a falta de profissionalização do setor e de valorização profissional. Não há costumeiramente aliança hospital - fonte pagadora - médicos. Os médicos da linha de frente, pelo menos, dela não fazem parte. E os outros dois players reconhecem os problemas advindos disto, mas não têm conseguido romper a zona de “conforto”. Conforto entre aspas, já que há uma forte crise e ela só cresce.
Quais são os riscos da Medicina Hospitalar no Brasil?
Servir de ferramenta para hospitais apenas, sem a necessária aliança com as fontes pagadoras e, principalmente, com os profissionais da linha de frente.
Sem suprir demandas dos profissionais da linha de frente, reproduziremos o que faz a Medicina de Emergência, impossibilitando fazer da atividade de hospitalista uma carreira médica.
Alternativas outras de aproximação das lógicas assistencial e administrativa já falharam por pretenderem a simples regulação da primeira pela segunda. No modelo de Medicina Hospitalar, o resultado deve brotar primariamente da assistência, e isto faz parte da grande e imprescindível mudança. Fazer isto no Brasil está complicado, adaptações estão surgindo, mas talvez não sejam boas para o médico. Percebe-se fácil que muitas instituições estão empregando “hospitalistas” para fazer o que mid-level providers estão fazendo nos EUA. Não é Medicina Hospitalar, mas igualmente é um movimento bem interessante. O risco é inserirmos médicos nesta atividade, criando uma categoria de segunda linha, de clínicos descontentes. Isto compromete minha perspectiva de que o movimento de Medicina Hospitalar no Brasil seja capaz, tal como está sendo nos EUA, de resgatar um espaço mais nobre de atuação para o médico generalista.
Não podemos fazer como SOBRAMH o mesmo que costuma fazer a maioria das especialidades médicas. Cabe aos sócios de associações médicas definirem o norte e exigirem melhorias e correta alocação de recursos. São eles próprios que permitem que suas lideranças passem a se ocupar principalmente de gerir lutas de poder, ao invés de melhor trabalhar interesses legítimos do movimento, fato comum em muitas associações. Mas, mesmo sendo necessário cuidar de nossa associação, os hospitalistas que efetivamente já existem devem perceber que o mais importante ambiente para despenderem tempo e energia nos próximos 2-3 anos será o seu próprio hospital. Será este o verdadeiro cenário de aprendizado e conquistas para o nosso movimento em curto prazo.
Números que faltavam do PASHA2010
R$ 59.500 de inscrições
R$ 123.700 de patrocínios
(R$ 152.700) de custos
R$ 30.500 de resultado
Mais informações em http://medicinahospitalar.blogspot.com/2010/11/educacao-medica-continuada-sem_22.html
Reforço minha impresão de que os eventos milionários não são necessários para boa qualidade científica. Show de Ivete Sangalo ou similar definitivamente não é. Sociedades médicas em geral podem fazem diferente do que vem sendo feito. Basta quererem.
sábado, 8 de janeiro de 2011
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
Conflicts of Interest and Evidenced BIASed Medicine
Está disponível no UNISIMERS aula de Edwin Gale, professor de diabetologia na Bristol University. O médico inglês, ex-presidente da Associação de Médicos da Grã-Bretanha e Irlanda, abordardou o tema “Conflicts of Interest and Evidenced BIASed Medicine: lessons from diabetes”.
Gale esteve no Brasil para congresso de endocrinologia e aceitou meu convite para esta atividade. Foi simplesmente sensacional!
Gale esteve no Brasil para congresso de endocrinologia e aceitou meu convite para esta atividade. Foi simplesmente sensacional!
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