terça-feira, 19 de novembro de 2024

Em entidade que criei (e já tenho quase vergonha de ter criado), desenvolveram um selo de qualidade e deram pioneiramente para o hospital do próprio diretor. Tomara que tenha entendido mal. Ou tanto faz também, uma vez que já estou em projetos em que pensam e atuam diferente. 

Segue abaixo a proposta que recebemos e a resposta de um dos coordenadores adjuntos da CWB. Ele sequer precisou me consultar, pois já temos um norte claro e critérios bem definidos sobre os cenários em que dispensamos prestígio ou dinheiro:

Proposta recebida:
"Nossa empresa forneceria o curso para todos os médicos interessados, aplicaríamos uma prova e analisaríamos dados para verificar se os médicos estão alinhados com a filosofia do Choosing Wisely. Esses médicos receberiam um selo, e, com isso, venderíamos esse serviço de várias formas, em parceria com vocês."

Resposta:
"Obrigado pelas palavras. Reconheço sua boa intenção, mas infelizmente a proposta não se alinha à nossa visão. O Choosing Wisely Brasil não apoia a criação de ‘selos de qualidade’. Tenho dúvidas se um curso, seguido de prova e certificação de ‘sabedoria’, seria o caminho mais apropriado. Acredito que o foco deve ser uma mudança cultural progressiva, sistêmica e coletiva. Fico à disposição para conversarmos melhor."

Esse episódio do selo deles, no entanto, apenas ilustra movimentos que foram cíclicos ao longo desse já longo movimento. Nunca esqueço de uma gestão bem anterior em que um membro da diretoria realizou evento no seu hospital, de São Paulo, deflagrando uma série de tentativas de alçar a instituição como "the grande destaque nacional". Curiosamente, sequer havia hospitalistas naquele local — apenas um TRR, tratado quase como "móveis e utensílios".

Já em 2011, escrevi aqui no blog sobre a importância de "se necessário, destacar o trabalho do vizinho, em vez do nosso." É um exercício difícil, sem dúvida. Agora, pergunto-me: qual é, afinal, a diferença desse programa especialmente diferenciado para tantas outras boas iniciativas de MH espalhadas pelo Brasil? Talvez apenas o fato de serem "amigos dos reis", ou a própria corte. 

sexta-feira, 19 de julho de 2024

Jovens hospitalistas em seu apogeu técnico-científico também têm muito o que aprender com a velha guarda das enfermarias...

Recentemente fiquei sabendo que meu atual hospital está começando uma iniciativa de avaliação dos médicos preceptores pelos residentes. Muitos anos atrás eu já estimulava avaliação por pares em programas de MH que coordenei ou colaborei como consultor, com a particularidade, acredito que ainda pouco comum, de instigar avaliação dos hospitalistas pela equipe multidisciplinar.

À esquerda, avaliação de um hospitalista. À direita, do corpo clínico tradicional, composto por médicos antigos na instituição e que apresentavam altas taxas de permanência hospitalar, entre outros resultados problemáticos.







Em questões relacionadas à gerenciamento assistencial, como plano e preparação para alta hospitalar, os hospitalistas se saíam, em média, melhor do que o corpo clínico tradicional. A diferença já não foi tão favorável aos hospitalistas quando se permitiu um caráter mais subjetivo às respostas, como avaliando cordialidade. O hospitalista foi avaliado com nota mínima em cordialidade por 20% da equipe multiprofissional. E talvez isto também explique os 20% de notas mínimas em outras avaliações.
 
Surpreendentemente, quando enfermeiras e nutricionistas foram perguntadas sobre disponibilidade, o corpo clínico tradicional se saiu melhor, mesmo sem tanta presença física no hospital. Ao ver os resultados, que não foram muito diferentes com outros hospitalistas do grupo, fui conversar com a equipe multidisciplinar. Contaram, por exemplo, que pontuaram mal disponibilidade porque, mesmo que encontrassem fisicamente o hospitalista, não sentiam que dava valor às questões delas. A maioria dos médicos antigos, por sua vez, oferecia mais atenção, parecia gostar mais de conversar e explicar as coisas.

No campo da medicina, a competência técnica é, sem dúvida, um componente crucial. Médicos devem estar atualizados com os mais recentes avanços científicos, possuir habilidades diagnósticas afiadas e aplicar tratamentos eficazes. Este hospitalista da avaliação, em especial, tinha evidente muito boa capacidade técnico-científica. No entanto, a prática da medicina vai muito além disso. Para ser um médico verdadeiramente completo em hospitais, é igualmente essencial desenvolver habilidades interpessoais e demonstrar empatia e respeito pela equipe de saúde.

Quando os profissionais de saúde trabalham juntos, eles não estão apenas buscando uma solução para os problemas de saúde dos pacientes, mas também apoiando-se mutuamente, compreendendo as dificuldades uns dos outros e construindo confiança. A capacidade de ouvir ativamente e construir uma relação de confiança com a equipe é tão importante quanto a capacidade de realizar um diagnóstico preciso ou um tratamento de ponta. Equipes de saúde que se sentem compreendidas e respeitadas são mais propensas a seguir recomendações, comunicar preocupações de forma aberta e colaborar de maneira efetiva. 

O que tirei de lição deste episódio é que jovens médicos em seu apogeu técnico-científico também têm muito o que aprender com médicos antigos que muitas vezes chamam de "tigres". Disso depende inclusive a sustentabilidade de programas de MH Brasil afora... Não foi nem um nem dois tecnicamente bons médicos hospitalistas que já vi derrubados pela equipe multidisciplinar. E que bom que foram. Não é isso que põe em risco o movimento, é justamente a falta de soft skills, algo anterior. 
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