quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A Medicina de Família e Comunidade já existe, senhores políticos…

O MINISTÉRIO, A MEDICINA DE FAMÍLIA E COMUNIDADE E A “MGFC-SUS” OU... O CONGRESSO TEM ALGUMA PRERROGATIVA DE (RE)CRIAR ESPECIALIDADES?

Por Leonardo C M Savassi
Docente da Universidade Federal de Ouro Preto

O contexto:
O Projeto de lei de conversão da MP 621/13 do deputado Rogério Carvalho (PT-SE), relator do projeto, defendeu a criação de uma “residência voltada para o SUS” (Sistema Único de Saúde). Segundo ele, o Brasil vai começar a formar médicos especialistas na atenção básica: "Temos há 20 anos programas como o Saúde na Família e nós ainda não temos formação de médicos especializados para trabalhar nesse programa. Essa alteração vai garantir que o SUS vai ter médico especializado em medicina geral e de família". Incrivelmente, já existe no Brasil a Residência em Medicina de Família e Comunidade, e uma Sociedade de Especialidade com este mesmo nome. A especialidade foi criada na década de 80 com o nome de Medicina Geral e Comunitária, antes mesmo da criação do SUS e do início do Programa Saúde da Família. No início do século XXI seu nome foi alterado para Medicina de Família e Comunidade (MFC), e a especialidade é reconhecida, desde 2002:
a) Na Confederação Ibero-americana de Medicina Familiar (CIMF).
b) Na Organização Mundial dos Medicos de Familia (WONCA).
c) Na Associação Medica Brasileira (AMB) - esta aprovada em 2003.
Leia aqui o histórico da especialidade: http://www.rbmfc.org.br/index.php/rbmfc/article/view/2/87
Roberto Carvalho negou ainda que o tempo de formação do médico será ampliado, pois a "nova residência" vai substituir a exigência de outros requisitos: "Essa residência será feita em substituição e aquelas especialidades que tinham pré-requisito em clinica médica e cirurgia geral terão de compatibilizar o tempo. Não há aumento do tempo de formação".

A fuga do ideal, do real e do possível:
Ao final do Gov. Lula, Min. Temporão, a diretora do DAB criou um adicional de R$1.000 para equipe que tivesse MFC em sua conformação. De lá para cá, Gov. Dilma, Min. Padilha tivemos:
a) o veto a este adicional;
b) Uma portaria que INCENTIVA (PAB Variável) qualquer formato de equipe - carinhosamente chamada na lista de Portaria "Samuel Blaustein";
c) Uma nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB 2011) que define equipes de Atenção Básica (eAB) e Saúde da Família (eSF) como "iguais" e piora a portaria: dois médicos para uma equipe, um médico para duas equipes, três médicos para quatro, e até um médico de 20 horas por equipe;
d) No mesmo documento, considera iguais a MFC (6.480 h) , a especialização em SF (720 h teóricas) e generalista (0h);
e) Criou o PROVAB, que sinaliza para a população que "um recém-formado (em especial o que não quer fazer APS) durante um ano para ganhar um bônus para prova de residência" é adequado. E para o recém-formado, sinaliza que o "castigo" de ficar um ano na APS será recompensado;
f) Frente aos movimentos de junho, faz um discurso: "Para melhorar o SUS vamos trazer de imediato milhares de médicos de fora". Ou seja, aponta que o SUS seria ruim por causa dos médicos, se esquecendo que são os generalistas e os próprios MFC que estão fazendo Medicina Rural por aí. Ou atendendo nas periferias;
g) Com o Programa "Mais Médicos", oferece uma bolsa que, assim como o Provab, é muito maior do que o salário dos MFC que estão no serviço há 5, 8, 10, 15 anos com salários inferiores a ela, que é integral e sem imposto;
h) Propõe que recém-formados façam o sétimo ano de medicina (sem professor/ tutor, que está em falta) na Atenção Básica e o oitavo nas UPAs: ou seja, sinaliza que sequer é preciso ser médico para fazer Atenção Primária e Urgência;
i) Retorna com a proposta de um ano de serviço obrigatório com o nome de "residência em SUS";
j) Por fim, aprova uma proposta que cria uma residência que já existe, de uma maneira "nunca antes vista" (residência se cria na Comissão Nacional de Residência Médica e não na Câmara dos nobres políticos brasileiros) com a relatoria de um indivíduo que, em 1999 clamou pelo fim desta mesma especialidade.

Reflexões a partir de um debate:
As reflexões aqui emitidas são fruto de um debate na lista da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade:
Vamos debater alguns pontos: nós não estamos propondo uma "fuga pelo ideal" aqui
Discutir o "nome da especialidade" pode até ser considerado uma "filigrana", mas não é a questão. A questão é que se criou uma especialidade "duplicada" sem considerar a que já existe e com as falas de que realmente se criou algo "totalmente novo", e isto não é filigrana.
Também não estamos sendo maquiavélicos ao ponto de dizer quem é "bom" ou "mal". Estamos propondo a continuidade da construção de um modelo que - baseado em experiências históricas nacionais e internacionais - é o que mais se aproxima do ideal, ao invés de reinventar rodas.
Precisamos aprender com a história: falamos de interiorização, já tivemos PIASSUS, Projeto Rondon, PITS, Provab e agora Mais Médicos. Em que diferem substancialmente, em termos de FIXAÇÃO destes profissionais? Qualquer médico é melhor que nenhum médico? Bom, a ciência diz que não, mas talvez seja uma "fuga pelo ideal".
Não partiu do Ministério a "demonização dos médicos", como alguns acreditam aqui, e sim da “mili(tan)cia” virtual em redes sociais e em discursos bem colocados na mídia. Padilha e Dilma dizem que o programa "não é contra os médicos" e que "respeitamos o direito deles de não querer ir".
Não culpo o Ministério pelas agressões a médicos em UPAs, debandada do SUS por recém-formados, desesperança dos acadêmicos, ou sentimento de menos-valia visto por aí. Mas criou-se um problema enorme: cairá a procura por postos de trabalho médico no SUS, e os melhores MFC estão indo para a Saúde Suplementar. É preciso pensar, após 2014, quem reverterá isto, ou não se construirá o SUS, mas dois subsistemas antagônicos e a cestinha do banco mundial será corroborada. Quem desejará colocar isto em seu currículo?
Na verdade, os "sanitaristas" e "gestores" que hoje são os verdadeiros problemas para os médicos que trabalham no SUS não estão nas altas hostes do MS nem na feira-livre da Câmara: estão sentados, em sua maioria, nas Secretarias Municipais de Saúde ou nas cadeiras de prefeitos, bradando palavras de ordem na Frente Nacional de Prefeitos ou no CONASEMS e influenciando as decisões do Ministério.

A hora de uma proposta com o olho no futuro.
Estamos discutindo como formar MFC para dar conta dos 35.000 postos de trabalho hoje existentes, e não uma proposta de provimento temporário que justamente por isto é chamado pelas entidades médicas de “eleitoreiro”.
Uma bolsa de R$8mil (Provab) ou de R$10mil (Mais Médicos) seria mais bem aproveitada fomentando a própria Residência em MFC nestes locais. Afinal, há vários postos de trabalho do “Mais Médicos” em periferias de grandes cidades ou municípios com porte e estrutura para ter Residência em MFC. Já não está claro que o que mais fixa o profissional de qualquer especialidade em um lugar é a residência médica? 
Sugiro a leitura do demografia médica: http://www.cremesp.org.br/pdfs/demografia_2_dezembro.pdf
Para atender as necessidades do país, é importante que a SBMFC e nós que vivemos e coordenamos residência discutamos a flexibilização de alguns pontos da formação para tê-la em maior escala. A SBMFC é a menos corporativista entre todos os corporativistas, mas os médicos de família estamos meio cansados de ficar em "stand-by" ou "plano B".
A entidade está muito mais próxima de manter um debate saudável com o governo (fazer uma limonada com os limões apresentados), desde que este sinalize que já terminou a terraplanagem e está na hora de refazer a fundação. Afinal, o trator já passou pesado durante dois anos.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Quem está triste?

Interessante texto
http://oglobo.globo.com/opiniao/arriba-abaixo-10559021
Passa rápido pelo Mais Médicos, como estratégia de "identificação de um inimigo e de uma solução para derrotá-lo — médicos elitistas versus populares". E chama atenção para questão interessante. Se os "médicos comuns" estão apanhando e só, a relação do Governo com os médicos empresários é mais complexa e talvez explique algumas das dificuldades dos primeiros. Segundo a autora, "os que tocam os negócios das Unimeds acabam de ganhar um baita presente pré-eleitoral. O ministro Fernando Pimentel participou neste mês da convenção da empresa em Belo Horizonte e anunciou a abertura de créditos do BNDES para incentivar a reforma e construção de hospitais para expandir as demandas de planos privados. Cogita-se estender empréstimos governamentais a todas as empresas".
Segundo outro material da mesma autora, nas eleições de 2010, as empresas de planos de saúde destinaram R$ 11,8 milhões em doações oficiais para as campanhas de 153 candidatos a cargos eletivos, o que contribuiu para a eleição de 38 deputados federais, 26 deputados estaduais, 5 senadores, além de 5 governadores e da presidente da República (http://ref.scielo.org/64rndj).

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Em defesa do possível

Há muitos anos, estudo conflitos de interesse na Medicina. Com a ajuda de colegas e algumas organizações, realizei e sigo promovendo debates e ações envolvendo o tema. Já foram vários colaboradores ao longo deste tempo - alguns cansaram e abandonaram por perceber pouco alcance. Aos céticos, digo que percebo avanço lento e gradual.

Quem sempre esteve conosco foram os “radicais anti-indústria” - aahh, estes são fiéis! Houve ainda casos de pseudo-aliados que nitidamente vestiram a camiseta enquanto na vitrine por palestras e outras formas de “aparecer” - exatamente o mesmo mecanismo através do qual farmacêuticas captam bons profissionais para falarem muito pouco criticamente de coisas nas quais não acreditam 100% ou que têm ressalvas.

Dentro das iniciativas desenvolvidas, mais recentemente, lançamos o Blog intitulado Evidence Biased Medicine, e, a partir dele, atuamos também em eventos científicos, entre outras atividades. Escrevo desta vez aqui pelo compromisso que temos de, nesse outro espaço, e dentro do possível, não misturar temas políticos ou ideológicos. Mas, obviamente, tenho minhas próprias preferências. Que, naturalmente, influenciam-me. Sou capitalista, por exemplo! Ao mesmo tempo, sou um grande crítico do capitalismo, objetivamente porque acredito que precisa ser aprimorado constantemente, como forma de nos afastar cada vez mais de modelos piores. Não é, e nunca será perfeito! Tanto os paladinos do capitalismo quanto os do socialismo mencionam as deficiências de um sistema como razões para defender o modelo alternativo. Sou defensor de focar nas deficiências do meu modelo (e de todas minhas preferências) e fazê-lo(las) melhor(es). E não acredito em mundo perfeito.

Não foram poucas as vezes que também pensei em abandonar o movimento. Revelei acima algumas preferências pessoais, como forma de me fazer compreender. Estamos cercados por radicais de todo tipo (anti-capitalismo, anti-Medicina, anti-medicações, anti-psiquiatria, anti-vacinas, zooxiitas - termo que escutei recentemente para definir defensores radicais dos direitos dos animais - e todas suas contrapartes), produzindo um cenário confuso, que inviabiliza a construção de um espaço de “ética possível”, como se houvesse sempre uma condição ideal a priori da qual não se pode abrir mão - o socialismo, por exemplo. Ou um mundo sem indústrias farmacêuticas.

Tenho dificuldades de lidar com todos - inclusive as "contrapartes". Mas, inegavelmente, desafiam-me mais os radicais do tipo anti-capitalista ou anti-medicações. Nossa única ligação é com o fato de que criticamos o relacionamento entre médicos e indústrias de medicamentos/tecnologias. Nossas diferenças iniciam na forma como teorizamos deva ser apresentada a questão, ficando ainda mais evidentes em nossas proposições ou atitudes práticas. Que não me entendam mal (algo difícil neste mundo de inaceitação da crítica)... Historicamente foram, e continuam sendo, quem mais apoia nosso blog e seus desdobramentos, divulgando textos, artigos, e participando dos eventos que promovemos ou divulgamos. Nosso movimento é tão frágil que não pode perder nenhum aliado. Apenas defendo que uma postura mais moderada e focada no caso em questão pode ser mais eficiente e resolutiva - para o caso em questão.

Percebe-se claramente no discurso de muitos dos médicos radicais anti-farmacêuticas a cobrança por profissionais "éticos". E é sempre ruim quando fazem isto em tom que sugere estarem cobrando colegas a imagem e semelhança deles próprios. Pior quando confundem ética com opções de formas e estilos de vida. Ou em tom que clama por um “mundo perfeito” - espaço 100% livre de mazelas como vaidade e corrupção, que para tal deve seguir as tais formas e estilos de vida por eles propostos.

Por que pouco ajudam?


Porque embora façam número e coro quando algum escândalo vem a tona, e divulguem nossas notícias e posts mais picantes, muito pouco colaboram para melhorar o mundo real - naturalmente humano, imperfeito por falta de opção. E, me atrevo a dizer, que mundo legal! Um mundo sem pitadas de problemas e defeitos provavelmente seria monótono, entediante. Então, eles ajudam pouco porque se comportam como soldados na espreita, em batalha acontecendo, onde, embora tenham claramente definido um lado, ficam à espera da reunião de todos seus inimigos no mesmo campo de guerra e na mesma hora.

Costumam ser profissionais ligados a especialidades médicas onde o contato com indústrias, empresas, consultores ou mesmo propagandistas é naturalmente menos necessário. Será que avançamos mais exigindo o "ótimo" (reflitam que isto já é um ponto de vista) para todos, ou aceitando variantes de bom? Reconhecer e aceitar diferenças entre perfis profissionais, e entre características de relacionamentos destes grupos com outros stakeholders e com o mercado, me parece fundamental...

São implacáveis ao criticar especialidades tecnológicas por excesso de testes diagnósticos, mas não se esforçam, com o mesmo ímpeto, para entender e combater o impacto sistêmico de nosso perverso modelo de remuneração, e o quanto afeta distintamente especialidades predominantemente tecnológicas e predominantemente cognitivas (as suas). Esta questão é mais complexa do que "os intrinsicamente bonzinhos promovem uso racional de medicamentos e tecnologias, e os que mal desempenham são bandidos vendidos". É a mesma limitação que faz muitos acreditarem em dicotomia reducionista simplória, onde o médico ou é um sub-especialista hiper-atualizado, mas insensível às dificuldades do país e das pessoas, ou é um generalista humano, sensível e engajado nos problemas sociais. Meu amigo Stephen Stefani recentemente escreveu sobre isto, chamando de simplicidade grosseira, "que apenas cria personagens para uso político e partidário". Tem toda razão!

Curiosamente, estes que aqui critico, negam-se a discutir conflitos de interesse com os quais se envolvem (vide fluxograma).

Nosso pressuposto é de que a ética das relações humanas é uma construção histórica e social, portanto é possível sua defesa em qualquer tempo, lugar ou sistema econômico.

Desta forma, entendemos que, para avanços mais rápidos e maiores, uma cultura diferente ainda precisa surgir:

• Menos maniqueísta;

• Mais crítica em relação a si mesmo ou ao grupo a que pertecemos;

• Mais focada em uma "ética melhor", não sendo necessário parar de sonhar ou de acreditar em utopias até, mas buscando melhorias - a partir do ponto em que se está, e do tamanho que for possível.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Podem os pacientes ajudar para sua própria segurança?

Meu colega e amigo Quinto Neto acredita que sim e está lançando este livro:

"Informações importantes que você e seus familiares devem saber e como podem colaborar para evitar danos decorrentes do atendimento de saúde recebido. Incidentes no atendimento de saúde são eventos indesejáveis que podem resultar em danos de diferentes graus aos pacientes, tais como medicação e/ou dosagem errada; via de administração errada; cirurgia em parte errada do corpo ou cirurgia errada; infecção associada ao atendimento recebido; queda do paciente ao ser transferido de um lugar para outro. Às vezes, certas situações desagradáveis ocorrem devido ao descuido ou violação de regras. A maioria dos incidentes, porém, acontece em virtude de uma série de falhas que se associam e atingem as pessoas que recebem cuidados de saúde".

Bob Wachter é mais ambivalente em relação ao potencial de pacientes e familiares realmente serem capazes de ajudar.

Controversas a parte, estou ansioso para ler o livro.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Como o entendimento de organizações em geral poderia ajudar na melhoria das médicas

Segundo o material em anexo, "as organizações precisam buscar meios para analisar não apenas a capacidade técnica e intelectual dos seus profissionais, mas também a capacidade de discernimento e a capacidade de resistência a pressões situacionais quando diante de dilemas éticos que podem sofrer ao longo de suas atividades". Escancara que, apesar de ética ser, na visão simplória do problema, um único caminho a trilhar e o contrário do anti-ético, no mundo real, isto é questão muito mais complexa e movediça. Pesquisa escancara contradições naturais do comportamento humano e, no documento, algumas formas de gerenciar o problema são sugeridas.

Leia o material na íntegra

Não tenho vergonha de responder que já me comportei ou correria risco de cair no "vermelho" em alguns elementos da pesquisa...

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Demissão na ANS é ponta do iceberg chamado conflito de interesses

A demissão do diretor da ANS Elano Figueiredo é só a ponta do polêmico iceberg chamado conflito de interesses.

A sua derrocada se deu pelo fato de ele ter omitido em seu currículo enviado ao governo e ao Senado ter sido representante jurídico de uma operadora de saúde (Hapvida).

Elano trabalhou com carteira assinada para a Hapvida por quase dois anos, entre outubro de 2008 a junho de 2010. Mas no currículo encaminhado ao governo, Figueiredo informou apenas que, nesse período, trabalhou como advogado. Ele alega que a omissão se deu por questões de sigilo profissional.

Um levantamento do Idec (Instituto Nacional de Defesa do Consumidor) mostrou que a Hapvida foi a quarta operadora que mais negou cobertura aos seus usuários em 2012. Mas o instituto não relativizou o número de usuários da operadora, que é a terceira maior do Brasil em beneficiários, com o de reclamações.

De acordo com a ANS, que relativiza os números, a operadora está em 20º lugar no índice de reclamações entre as cem maiores.

Enquanto esteve advogando para a Hapvida (e depois para a Unimed), as ações impetradas por Elano buscavam reverter punições aplicadas à empresa por se negar a pagar o tratamento de segurados.

Mas esse tipo de expediente não é exclusivo de Elano. Vários diretores que já passaram pela ANS tiveram altos cargos nas operadoras de saúde e, depois de deixarem a agência, voltaram para o setor privado, um movimento que já foi apelidado de "porta giratória".

A ANS, órgão do governo responsável por fiscalizar os planos de saúde e mantido por recursos públicos, leva até 12 anos para analisar processos em que operadoras de planos de saúde são acusadas de irregularidades contra seus clientes.

A agência diz que segue um processo legal para a aplicação de penalidades contra as operadoras e que não há impedimento que proíba que seus diretores venham ou retornem ao mercado de planos de saúde. Argumentam que tais pessoas "entendem do setor".

A saída de Elano é bom momento para discutir a questão dos conflito de interesses não só na ANS, mas também em outras agências regulatórias do país.

Um outro exemplo instigante: uma antiga gerente da área de propaganda de medicamentos da Anvisa agora é alta executiva da Interfarma (associação que representa as multinacionais farmacêuticas no Brasil).

O discurso dela, antes anti-indústria, agora está totalmente afinado com o dos laboratórios. Sabe de cor e salteado a retórica contrária e os próprios planos que a Anvisa tinha para o setor.

Não há nada de ilegal nisso, é claro, mas rende bons questionamentos no campo da bioética. Não é hora de o governo federal prestar mais atenção nessas relações conflituosas entre os seus funcionários e o setor que deveriam fiscalizar?

por Cláudia Collucci, repórter especial da Folha, especializada na área da saúde. Mestre em história da ciência pela PUC-SP e pós graduanda em gestão de saúde pela FGV-SP, foi bolsista da University of Michigan (2010) e da Georgetown University (2011), onde pesquisou sobre conflitos de interesse e o impacto das novas tecnologias em saúde.

Leia de julho de 2013 sobre o mesmo tema: Sinistro na ANS - Desde sua criação, a agência foi capturada pelo mercado que ela deveria fiscalizar.