terça-feira, 3 de novembro de 2020

COVID-19 afetando o cérebro: estudo demonstra danos ao Raciocínio Clínico.

Era início de madrugada e recebi paciente na UTI.

SIDA, sem tratamento adequado, em mal estado geral. Atendido em casa pelo SAMU, entubado no ato do atendimento lá, trazido ao hospital. Chegou chocado. Bastante chocado.

História prejudicada, mas sugeria redução progressiva no nível de consciência em 36-48hrs, provável insuficiência respiratória aguda de causa neurológica e/ou choque. Mas como insuficiência respiratória e tubo orotraqueal lembram pulmão, e pulmão lembra COVID, foi transferido para área restrita. 

Na Emergência, solicitaram PCR para conoravírus. Frente ao rótulo "COVID-19", Dímeros-D foram, no piloto automático, incluídos.

Na UTI, RX de tórax normal. Mecânica ventilatória e oxigenação compatíveis com quadro de insuficiência respiratória aguda de causa não pulmonar - impressão de estarmos com um pulmão normal em ventilação mecânica! Avaliação ecocardiográfica e de membros inferiores sem sinais diretos ou indiretos de tromboembolismo venoso. Leucocitose e desvio. PCR elevada. Choque descompensado era o mais relevante naquele momento... Choque séptico? Culturas não haviam sido solicitadas, mas Dímeros-D não faltaram. 

Como parte da abordagem do choque grave, fui me preparando para passagem de acesso venoso central e linha arterial. Havia visto registro da Emergência apontando Dímeros-D elevados, "inicio Enoxaparina em dose plena". Perguntei se havia recebido o anticoagulante e a resposta primeira foi não. "Não façam então", avisei, enquanto me paramentava para os procedimentos.

Passagem de acesso venoso central guiada por ecografia transcorreu sem intercorrências. Houve tentativa sem sucesso de passagem de linha em radial. Após passagem em artéria femoral, evoluiu, como complicação da punção, um enorme hematoma. 

Havia recebido a Enoxaparina!

PCR para coronavírus, saiu, mais adiante, negativo. O paciente não tinha COVID!

Pré-pandemia, utilizávamos do valor preditivo negativo dos Dímeros-D em pacientes com probabilidade pré-teste baixa. Houvesse alta probabilidade clínica, nem considerávamos utilização de Dímeros-D, mesmo que a decisão fosse anticoagular até outro exame mais definitivo. O que acontece agora??? Danos do vírus ao Raciocínio Clínico?   

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