domingo, 12 de julho de 2020

Criticidade verdadeira exige valorização da auto-crítica.

Desde os tempos em que eu discutia mais Conflitos de Interesse, é fácil de perceber duas posturas:

- Não aceitação completa da possibilidade das influências externas sobre a corporação médica com magnitudes minimamente valorizáveis;

- Aceitação da influência sobre terceiros, mas não sobre si mesmo (eu já chamei isso de O eu ético, o outro não).

A postura de aceitar a influência sobre si mesmo eu raramente vi. Talvez seja apenas uma manifestação da pouca capacidade de auto-crítica tão prevalente em nós humanos.

Recentemente publicamos um trabalhinho que rendeu mídia espontânea.
Jornalista publicou matéria cujo link de divulgação destaca foto de Bolsonaro. No texto, dando a entender ser conclusão de nossa pesquisa, afirmou que polarização política promove a irracionalidade médica do contexto atual. Deveria ter escrito que era a "sua" interpretação...

Não concordo que a irracionalidade seja novidade da epidemia - pode ter sido potencializada.
E até acho que a polarização política tem relação com isto mesmo.

Entretanto, nosso estudo, de caráter absolutamente exploratório, traz uma SUGESTÃO* de irracionalidade médica excedente - o que chamamos lá de "efeito pandemia". Não tem capacidade de afirmar que esse excedente é real, e muito menos de apontar fatores associados. Nosso objetivo, a priori, era promover reflexões, e nesse aspecto, o que chamei de trabalhinho ganha enorme relevância.

* Na amostragem como foi feita, médicos responderam perguntas. Qualquer questionário é apenas uma amostra de perguntas possíveis, cujas respostas não passam de uma outra amostra das atitudes e experiências dos respondedores para cada uma das questões. Em nossa avaliação, comparamos Hidroxicloroquina com Vitamina C em sepse. É possível que o menor apego dos profissionais à Vitamina C possa simplesmente refletir pouco conhecimento da questão entre não-intensivistas.


Pois quando começamos a receber críticas de que o artigo tinha viés ideológico, sugeri o uso da análise acima como parte da explicação. E que, e aí não foi sugestão (as razões estão em nosso regimento e código de condutas), fugíssemos das discussões eminentemente políticas estando a marca Choosing Wisely Brasil de alguma forma associada. A neutralidade, inclusive política, é um mito, mas, enquanto coordenador da iniciativa, não abro mão do permanente exercício de busca, mesmo que utópico. Nosso foco de discussão na CWB é saúde, secundariamente evidências científicas e escolhas possíveis.

Achei muito interessantes respostas de alguns:

"O mais importante é nosso artigo está lá";

"O jornalista pode notar que ressalvas foram feitas e não mais nos prestigiar".

Aqui é importante parar e destacar: Quando reclamamos que terceiros não atuam assertivamente calibrando interpretações daqueles que escrevem sobre seus resultados, favorecendo spins positivos e outras formas de hipervalorização de achados ou interpretações desproporcionais, é importante lembrar, para acertar o tom, que não fazem por mal - tal como nós não fizemos.

É muito possível que apenas estejamos todos em meio que não valoriza o feedback negativo. Em ambiente onde nossas ideias precisam parecer mais "ideologicamente completas" do que são para emplacar na mídia, sempre sob a perspectiva parcial de alguém então.

E, se esse diagnóstico estiver certo, mesmo que incompleto, devemos assimilar que o exercício de autocorreção pública e sem firulas não seria apenas aconselhável, e sim obrigatório - o único ponto de partida para movimentos que desejem promover nos outros mudanças em questões que são sistêmicas e incluem a todos - não há eles errados e nós imunes.

Não apontamos limitações de nossas produções científicas e intelectuais porque a cultura é a mesma de outros tantos setores. As coisas devem ser atrativas, sexies, quando não apelativas. É essencialmente isso que precisa mudar.

   

Um comentário:

  1. Grande Guilherme Barcellos. Teu texto é realístico. Parabéns o Alfredo Guarischi, cirurgião, RJ.

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