Sobre Medicina Hospitalar, hospitalistas, qualidade assistencial, segurança do paciente, erro médico, conflitos de interesses, educação médica e outros assuntos envolvendo saúde, política e cotidiano.
segunda-feira, 29 de junho de 2020
sexta-feira, 26 de junho de 2020
quarta-feira, 17 de junho de 2020
Por favor, não diga que avisou do Corticóide!
É claro que tanto eu quanto colegas da Choosing Wisely Brasil temos nossos palpites sobre drogas para o COVID-19. Muitos até não, pelo histórico das doenças virais semelhantes.
Entretanto, o bom senso indica não contar aos quatro ventos antes de evidências positivas de suficiente e boa qualidade surgirem ou, pelo menos, um corpo bem consistente de evidências preliminares. Por quê?
Em parte, já tentei explicar aqui. Para quem lê em inglês, sugiro fortemente esse livro também, com linguagem acessível a quem não é profissional da saúde:
Ainda não quero entrar no mérito da Dexametasona para COVID-19 em si, pois aguardo publicação para ler o estudo na íntegra. Devo confessar que "ansiosamente" - já sinto ser possível "torcer por uma medicação"....
Mas, por favor, não diga que avisou do Corticóide!
Era o que diziam UCSF e Brigham and Women's Hospital, se é que isso importa muito.
O fato é que não havia evidências suficientes, diretas ou indiretas. E existe uma discussão sobre riscos bastante relevante:
Entretanto, o bom senso indica não contar aos quatro ventos antes de evidências positivas de suficiente e boa qualidade surgirem ou, pelo menos, um corpo bem consistente de evidências preliminares. Por quê?
Em parte, já tentei explicar aqui. Para quem lê em inglês, sugiro fortemente esse livro também, com linguagem acessível a quem não é profissional da saúde:
Ainda não quero entrar no mérito da Dexametasona para COVID-19 em si, pois aguardo publicação para ler o estudo na íntegra. Devo confessar que "ansiosamente" - já sinto ser possível "torcer por uma medicação"....
Mas, por favor, não diga que avisou do Corticóide!
Não havia motivos para indicar uso rotineiro antes, simples assim.Num cenário onde o nível de incerteza é assustadoramente mais alto que a média, dizer que avisou antes, quando algo se torna recomendação por novas evidências, além de sugerir aptidão de médium vidente, traduz desrespeito à ciência em grau máximo.— Guilherme Barcellos (@brhospitalist) June 17, 2020
Era o que diziam UCSF e Brigham and Women's Hospital, se é que isso importa muito.
O fato é que não havia evidências suficientes, diretas ou indiretas. E existe uma discussão sobre riscos bastante relevante:
SARS: systematic review of treatment effects. PLoS Med. 2006;3(9):e343. CONCLUSIONS Despite an extensive literature reporting on SARS treatments, it was not possible to determine whether treatments benefited patients during the SARS outbreak. Some may have been harmful. Clinical trials should be designed to validate a standard protocol for dosage and timing, and to accrue data in real time during future outbreaks to monitor specific adverse effects and help inform treatment.
Corticosteroids as adjunctive therapy in the treatment of influenza. Cochrane Database Syst Rev. 2016;3:CD010406. MAIN RESULTS We identified 19 eligible studies (3459 individuals), all observational; 13 studies (1917 individuals) were suitable for inclusion in the meta-analysis of mortality. Data specific to mortality were of very low quality. Reported doses of corticosteroids used were high and indications for their use were not well reported. On meta-analysis, corticosteroid therapy was associated with increased mortality (odds ratio (OR) 3.06, 95% confidence interval (CI) 1.58 to 5.92). Pooled subgroup analysis of adjusted estimates of mortality from four studies found a similar association (OR 2.82, 95% CI 1.61 to 4.92). Three studies reported greater odds of hospital-acquired infection related to corticosteroid therapy; all were unadjusted estimates and we graded the data as very low quality.
Corticosteroid Therapy for Critically Ill Patients with Middle East Respiratory Syndrome. Am J Respir Crit Care Med. 2018;197(6):757. CONCLUSIONS Corticosteroid therapy in patients with MERS was not associated with a difference in mortality after adjustment for time-varying confounders but was associated with delayed MERS coronavirus RNA clearance.
Mesmo nas condições clínicas mais próximas (para COVID-19 especificamente quase tudo é, obviamente, muito novo e controverso), onde o Princípio de Complacência deve ser aceito e empregado, a dúvida era válida e não encorajava o uso rotineiro de qualquer corticoide. Em meta-análises de SARA, até o início da epidemia, eventual positividade discutível veio sempre puxada por estudo antigo de 1998, cujos resultados nunca mais foram igualmente replicados. Subgrupos mostraram aumento de mortalidade. O fato é que não utilizamos, nos bons centros do Brasil e do mundo, corticoide de rotina em SARA, não sejam hipócritas! Presenciei a utilização do Protocolo de Meduri por um curto período durante minha residência, nem lembro bem a razão. Foi em 2003. Nunca mais depois.
De qualquer forma, o protocolo de Meduri se utilizava de cerca de 4x mais corticoide ao dia (calculada equivalência) do que o estudo que aguardamos da Dexametasona em COVID-19, por período cerca de 3x maior. O Uptodate já não recomenda ele e sim o equivalente à aproximadamente o dobro da dose do RECOVERY Trial pelo dobro do tempo (menos que Meduri, então) - para casos selecionados, reconhecendo o benefício incerto fora situações bastante específicas, e desestimulando nas situações de SARA não grave.
Ou seja, estamos falando de evidências comparáveis, mas, bem ou mal, agora uma absolutamente inédita e específica, com dose e tempo de tratamento muito pouco comparáveis. No tal Protocolo de Madri, falam em "pulsoterapia" (risco ↑↑↑↑↑), provavelmente, então, doses muito maiores do que os 6mg dia de Dexametasona (não encontro a dose exata em lugar nenhum, indício forte de picaretagem). Então, não venham dizer que avisaram, por mínimo bom senso! Aguardo com ansiedade e otimismo/esperança o RECOVERY Trial. Sabendo que não será milagroso...
quarta-feira, 10 de junho de 2020
Bem organizar o sistema em REDE deveria ser o foco das gestões, não soluções mágicas.
Bem organizar o sistema em REDE deveria ser o foco das gestões, não as discussões circulares que não levam a lugar nenhum... O problema no extremo não é e não será Porto Alegre, a não ser que se supere em incompetência e estripulias. Há centenas de localidades Brasil afora onde qualquer coisa excedente leva ao descontrole... desde sempre, embora a situação atual gere preocupação mais do que justa e relevante.
Ainda assim, Porto Alegre tem carências e gargalos em menor escala. Como a falta de integração das instituições em redes, em tese, muito em tese, bem mais simples de serem construídas - como para ECMO, por exemplo, tecnologia útil para abordagem de insuficiências respiratórias hipoxêmicas refratárias.
Já fui chefe de uma UTI que não tinha ECMO. Nem acho que deveria ter. Mas hospitais sem esse ou qualquer outro serviço/intervenção eventualmente necessários deveriam se organizar em rede, antecipando demandas e potencialmente salvando vidas mais facilmente. Não sabem fazer. Não querem fazer. Não há sistema que os force a, pelo menos, conversar. Há competição absolutamente disfuncional entre organizações hospitalares (com exceções, é claro, geralmente trazidas por gestores que não duram muito).
Transplantes ilustram melhor o cenário, na medida em que, como possuímos vários órgãos, facilitariam acordos do tipo "perco acolá, mas ganho aqui". Uma distribuição a partir de critérios sérios e meritocráticos facilitaria formação de equipes de alta performance e melhores resultados para os pacientes. Expertise se constrói, para alguns procedimentos ultra-especializados com grandes desníveis de conhecimento até mesmo dentro de uma única instituição. Na que trabalho, de ECMO sei o básico do básico (conhecimento insuficiente, então). Mas há um grupo que faz apenas a gestão dela, e muito bem.
Na prática, faz transplante e ECMO quem quer e consegue, muitos não conseguem por não viabilizar volume (leia-se resultados financeiros) e mínima expertise. Seriam facilitados por organização no estilo da proposta acima, houvesse pensamento sistêmico e mecanismos compensatórios.
Ah, e, quem não faz, esconde até não dar mais...
Confortável em cenário em que ninguém está, de fato, procurando...
Já fui chefe de uma UTI que não tinha ECMO. Nem acho que deveria ter. Mas hospitais sem esse ou qualquer outro serviço/intervenção eventualmente necessários deveriam se organizar em rede, antecipando demandas e potencialmente salvando vidas mais facilmente. Não sabem fazer. Não querem fazer. Não há sistema que os force a, pelo menos, conversar. Há competição absolutamente disfuncional entre organizações hospitalares (com exceções, é claro, geralmente trazidas por gestores que não duram muito).
Transplantes ilustram melhor o cenário, na medida em que, como possuímos vários órgãos, facilitariam acordos do tipo "perco acolá, mas ganho aqui". Uma distribuição a partir de critérios sérios e meritocráticos facilitaria formação de equipes de alta performance e melhores resultados para os pacientes. Expertise se constrói, para alguns procedimentos ultra-especializados com grandes desníveis de conhecimento até mesmo dentro de uma única instituição. Na que trabalho, de ECMO sei o básico do básico (conhecimento insuficiente, então). Mas há um grupo que faz apenas a gestão dela, e muito bem.
Na prática, faz transplante e ECMO quem quer e consegue, muitos não conseguem por não viabilizar volume (leia-se resultados financeiros) e mínima expertise. Seriam facilitados por organização no estilo da proposta acima, houvesse pensamento sistêmico e mecanismos compensatórios.
Ah, e, quem não faz, esconde até não dar mais...
Confortável em cenário em que ninguém está, de fato, procurando...
quinta-feira, 4 de junho de 2020
Saturei novamente de COVID, vou discorrer sobre Meteorologia.
Até porque virou moda palpitar "cheio de convicção" sobre assuntos que não são se fazem presentes nem nos livros e artigos da tua área, nem na tua prática profissional. O ideal ainda é que essas coisas andassem juntos, mas não dá para exigir muito em tempo de epidemia, né?
Então resolvi fazer uma leitura dinâmica sobre meteorologia hoje e já escrever a respeito. A ideia surgiu após um colega, imediatamente antes de se queixar de político que havia errado uma previsão ruim para a COVID-19 na região deles, reclamar que a previsão meteorológica para o final de semana anterior havia sido de sol. E que, com base nela, trocou plantões para ir à praia, alugou um Jet Ski, e... choveu. 😏
Como funciona a previsão do tempo, hein?
Segundo fonte que saltou primeiro na tela do computador:
Entendi que essa é a pergunta de bilhão de dólares também na meteorologia, onde, por décadas, os meteorologistas se juntam com programadores para tentar minimizar o máximo possível os erros na previsão do tempo. Uma das coisas a se fazer, é usar cada vez mais as evidências ou tecnologias a favor. A outra é ter bons profissionais.
Então resolvi fazer uma leitura dinâmica sobre meteorologia hoje e já escrever a respeito. A ideia surgiu após um colega, imediatamente antes de se queixar de político que havia errado uma previsão ruim para a COVID-19 na região deles, reclamar que a previsão meteorológica para o final de semana anterior havia sido de sol. E que, com base nela, trocou plantões para ir à praia, alugou um Jet Ski, e... choveu. 😏
Como funciona a previsão do tempo, hein?
Segundo fonte que saltou primeiro na tela do computador:
Os meteorologistas precisam não só ficar atentos às variações climáticas, como também aos seus impactos na sociedade. Muitas atividades, incluindo econômicas, são influenciadas pelo tempo e pelo clima, e fazer essa ponte entre a previsão e a aplicação é fundamental.Comecei a achar o assunto altamente interessante. Em meio à pandemia, sem conseguir encontrar quase ninguém capaz de discutir saúde e economia considerando existir grande importância nas duas coisas e complexa interdependência cheia de não linearidades entre elas, brilhei os olhos com meu novo assunto. Imagines agora falarem na importância de ponte entre previsão e aplicação, em paralelo à epidemia de predições na COVID-19 que, mesmo quando acertadas, não deveriam levar a nenhum lugar diferente daquele em que estavas? Se com a pandemia da COVID-19 não consigo discutir Valor, saí do parágrafo acima certo de ter achado uma bom assunto para distração entre os plantões na UTI...
Fazer uma estimativa de como estará o tempo nos próximos dias e nas próximas semanas nem sempre é uma tarefa fácil. Alguns fatores - fenômenos naturais como El Niño e La Niña, correntes marítimas - podem interferir muito nas condições meteorológicas de uma região e mudar o cenário rapidamente. Institutos de pesquisa no mundo todo desenvolvem softwares conhecidos como modelos meteorológicos. Com eles, é possível tentar prever o que vai acontecer, em uma região específica. Esse estudo envolve o conhecimento e as informações de inúmeras variáveis locais, como a temperatura, a análise da formação de nuvens, a pressão atmosférica, a umidade relativa do ar, a direção e a velocidade do vento, entre outros dados. Dessa forma, por meio do conhecimento e dos dados coletados, adquiridos através de avançadas tecnologias - que incluem estações de superfície, radares, satélites, antenas que rastreiam mudanças no campo eletromagnético da troposfera e, assim, as ocorrências de raios, balões meteorológicos e radiossondas, boias oceânicas -, os modelos meteorológicos são alimentados e, a partir de potentes computadores, criam-se previsões baseadas em probabilidades.
Aí encontrei uma pérola:
O PAPEL DOS METEOROLOGISTAS: Depois de captados, os dados são reunidos em uma "carta de tempo". Esses mapas sozinhos dizem pouco - ou quase nada. Quem vai atribuir os significados a esses dados, por meio da interpretação, são os profissionais meteorologistas, que têm a qualificação necessária para entender o que cada mapa quer dizer e traduzir para o público.
No campo da meteorologia, parecem aceitar que não são capazes de opinar sem evidências, sem o referencial/norte conceitual trazido pelas evidências deles. Que exemplo de humildade! Sob outra perspectiva, escancaram no trecho acima o nobre papel da "experiência clínica", uma ferramenta para ser usada na seqüência das evidências então. Não para adivinhar a priori tudo que é papel das "avançadas tecnologias". Na COVID-19, vejo colegas inteligentes dizendo que acreditam na Cloroquina porque funcionou em meia dúzia de casos que trataram... PQP! Vamos de volta à meteorologia...
Os modelos numéricos que geram os gráficos da previsão do tempo têm uma série de limitações. Apesar de tentarem simular os fenômenos que acontecem na atmosfera da melhor forma possível, momento a momento, esses modelos não são perfeitos. Assim, cabe ao meteorologista a tarefa de decidir qual a melhor interpretação daqueles dados, um processo de interpretação e tomada de decisões que funciona melhor quando feito em grupo. Assim, vários meteorologistas experientes podem confrontar suas ideias e chegar a um consenso do que os dados realmente querem dizer. Essa decisão leva em conta fatores como a geografia, a vegetação e o clima de cada região. É por se tratar de um sistema tão complexo que a previsão do tempo não acerta cem por cento das vezes. Em alguns casos, pode acontecer de uma chuva inesperada cair no meio do dia, por exemplo, contrariando o que disse a meteorologia. Faz parte de uma ciência que lida com incertezas.
Como é que é? Conversas entre pessoas com visões diferentes????????? 😳 Está ficando interessante demais. Na atualidade, no circo da COVID-19, só "debatemos" em tribos. Vamos de volta à meteorologia... ⛅
MAS QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS ERROS NA PREVISÃO DO TEMPO?
Mesmo com o avanço da tecnologia, essas simulações e interpolações não são perfeitas (como nada na vida é). Escrever o movimento da atmosfera através de fórmulas é uma tarefa muito difícil e nesta etapa, já aparecem os primeiros erros na previsão do tempo. Ora, se a previsão de uma cidade é feita através de uma média de outras cidades, essa previsão fica mais propícia à erros. Ainda mais se o comportamento do tempo da cidade for diferente das cidades vizinhas, sendo mais quente ou mais fria. Depois de toda as análises e filtros, é traçado um mapa para os próximos dias para ver quais regiões terão sol, chuva leve ou chuva forte. E é nessa hora que outros erros acabam surgindo. Como a previsão é realizada para todo o país, é difícil analisar algo muito específico, com isso, a previsão é feita para uma determinada área que abrange várias cidades. Logo, se falam que vai chover forte nesta área e alguma cidade deste grupo não recebe chuva, a previsão para essa cidade foi errada. Também tem o erro da própria natureza. Como dizia um professor de meteorologia “a natureza não lê o mesmo livrinho que a gente”. O conteúdo encontrado nos livros e nas fórmulas matemáticas seria um retrato (quase) perfeito do comportamento da atmosfera, porém a realidade é diferente disso. Muitas vezes as simulações mostram que uma frente fria ou uma baixa pressão vai seguir um determinado caminho com uma velocidade, mas por algum motivo, há um atraso ou um avanço. E cabe ao meteorologista ajustar ou amenizar esse desvio, com base na sua experiência.
O ERRO MAIS COMUM DA MÍDIA
... é o tempo disponível para você falar da previsão para todo o Brasil. Na televisão, cada segundo é importante, e muitas vezes a previsão do tempo tem cerca de um minuto. Com isso, um novo filtro é feito: qual é o assunto mais importante que deve ser falado? Com isso, você acaba generalizando a previsão mais ainda. E quanto mais você falar de forma ampla, maior será o erro. E para minimizar esse erro, só com mais tempo na televisão, algo que é difícil hoje em dia. Uma dica boa para isso é verificar a previsão completa no site da emissora.
O QUE FAZER COM ERROS NA COVID 19 ENTÃO?
Entendi que essa é a pergunta de bilhão de dólares também na meteorologia, onde, por décadas, os meteorologistas se juntam com programadores para tentar minimizar o máximo possível os erros na previsão do tempo. Uma das coisas a se fazer, é usar cada vez mais as evidências ou tecnologias a favor. A outra é ter bons profissionais.
Mas meu maior conselho seria entendermos mais naturalmente os erros, apontarmos menos os dedos para quem previu e não confirmou, analisarmos sempre o Valor da previsão (capacidade de ser importante pelo que gerará, não através de si própria apenas). Por fim, refletir mais antes de falar sobre temas que envolvem predições. E nesse ponto precisamos ter mais compreensão com os políticos. O ostracismo para eles é pior do que não acertar no que dizem. Precisam aparecer! Errado é médico se comportar como político!