quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Relacionamento entre médicos, estudantes de medicina e farmacêuticas II

Durante o I Simpósio Brasileiro de Pediatra Hospitalar, eu, Sami El Jundi e o então estudante de medicina, Douglas Freitas, futuro residente de Clínica Médica, aplicamos questionário sobre Relacionamento entre médicos, estudantes de medicina e farmacêuticas.

Havia sido elaborado e aplicado por nós, Paulo Ricardo Cardoso, João Luiz Marin Casagrande e Ricardo Parolin Schnekenberg no PASHA2010. Saiba mais.

Desta vez, apenas 25 pessoas entregaram os questionários integralmente preenchidos. 88% dos respondedores era estudante de Medicina. Os demais se identificaram como médicos ou gestores. Interessante perceber que este segundo grupo entregou bem mais o questionário sobre conhecimento do que vem a ser um médico hospitalista. Às vezes, parece que fugimos deste debate sobre conflitos de interesse... talvez Freud explique...

Quando questionados se é apropriado receber presentes da indústria farmacêutica de baixo valor monetário (canetas, mousepads, etc), a maioria (64%) respondeu que sim (concordo fortemente ou concordo).

Quando questionados se é apropriado receber presentes da indústria farmacêutica de maior valor monetário (smartphones, tablets, inscrições em congressos, viagens, etc), a maioria (68%) respondeu que não (discordo fortemente ou discordo).

Em estudo clássico publicado em J Gen Intern Med 2005;20:777-86, com estudantes de medicina, 85% consideraram inadequado que políticos recebam presentes de corporações, mas apenas 46% que os médicos não devem receber presentes da indústria farmacêutica.

Quando questionados se os materiais educativo-promocionais distribuídos pela indústria farmacêutica são usualmente fontes confiáveis para obter informação a respeito de novos medicamentos, 84% responderam que não.

Apesar de não confiarem na informação dos propagandistas, quando questionados se o seu hospital ou faculdade deve impedir o contato com representantes de laboratórios, a maioria (75%) acredita que médicos em geral não devem ser privados disto. O grupo se dividiu em relação à exposição de médicos em formação e estudantes de Medicina aos profissionais da indústria farmacêutica.

A maioria não acha inadequado que o médico receba presentes de baixo valor monetário, e também não considera (84%) que estes presentes influenciem a prescrição médica.

Percentual bem significativo respondeu que não é inadequado receber presentes de maior valor monetário, mas a imensa maioria (88%) aceita que influenciam as prescrições médicas.

Quando questionamos os participantes se eventos médicos com a participação das farmacêuticas tendem a ser enviesados, 88% responderam que sim (concordo fortemente ou concordo).

O fato do I Simpósio Brasileiro de Pediatria Hospitalar não ter estabelecido por opção nenhuma forma de relação com a indústria farmacêutica teve alguma influência na sua decisão de participar? Não houve respostas com 'influenciou negativamente'. Apenas 20% responderam que influenciou positivamente, embora muitos dos outros aceitem eventos em parceria com a indústria como "potencialmente enviesados".

Questionamos se “presentes da indústria farmacêutica ou vínculo comercial poderiam te influenciar?”, permitindo ‘sim’ e ‘não’ como respostas e se “presentes da indústria farmacêutica ou vínculo comercial poderiam influenciar teus colegas?”, permitindo ‘sim’ ou ‘como exceção absoluta a regra’ como respostas. 76% dos participantes negaram a possibilidade de serem, eles próprios, influenciados, mas consideraram que a maioria absoluta de seus colegas poderia ser (92%).

É bastante interessante a análise de alguns comentários que foram feitos espontaneamente pelos participantes.

 - “Podemos receber presentes, desde que não interfiram em nossas condutas”.

- “Não se pode impedir ou proibir (em relação ao contato com representantes de laboratórios), tem que haver maturidade médica para não se deixar influenciar”. Quando questionado se presentes da indústria ou vínculo comercial poderiam influenciá-lo, respondeu que não. Quando questionando se poderiam influenciar seus colegas, respondeu que sim, com o seguinte comentário: “falta maturidade”.

- Influência? “No meu caso, não. Nos demais, é possível que influencie”.

Esta situação do "eu não, mas não ponho a mão no fogo por terceiros" é bastante freqüente:


Colei acima dois slides de minhas aulas sobre o assunto, apenas para lustrar o quão comum é este achado. Talvez explique o comportamento de algumas pessoas que não aceitam entrar neste debate com o argumento: "Isto é tão básico. Basta a pessoa ser ética como eu e tudo funcionaria perfeito".

Um comentário:

  1. Ricardo Parolin Schnekenberg24 de janeiro de 2012 às 14:36

    É complicado... E não parece que vai mudar tão logo. É só ver a felicidade de estudantes e médicos em congressos em encher suas bolsas com bugigangas. Confesso que também já fiz isso, mas foi só até ler o livro da Marcia Angell e me educar sobre o tema em que percebi que "there's no free lunch".

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