terça-feira, 21 de junho de 2011

Conflitos de interesse: possíveis soluções

Conversei demoradamente com a jornalista da Folha de São Paulo sobre o que gerou a matéria publicada em 14/06/2011. Por razões de fácil compreensão, apenas parte foi aproveitado. Sinto-me honrado de ter podido contribuir em meio a opiniões de pessoas tão importantes, como o presidente do Conselho Federal de Medicina.

Divulgo abaixo mais detalhes, e espero a partir disto poder abrir aqui um canal de discussão do mais alto nível sobre o assunto.

Não sou necessariamente a favor de todas as alternativas que serão elencadas abaixo para lidar com conflitos de interesse na Medicina. Há prós e contras na maioria delas. Discutí-las individualmente ou acrescentar à lista pode gerar um debate mais do que interessante e espero contribuições levando em conta que somente no último mês foram mais de 1.200 visualizações de páginas no Blog.

A matéria na Folha trouxe resultados do estudo mais recente, mas o fato é que têm surgido cada vez mais evidências de que a simples declaração de conflitos de interesse não é solução ou até pode piorar as coisas. Importante: Quando isto é dito, não significa que estimulemos a sua não realização. Significa dizer que isoladamente não serve!

Disclosure não é tão defendido por acaso. É “cost-free”, não proíbe nada, não pressupõe mudança de cultura nas organizações médicas, consola a massa e alivia pressões para que se busquem outros caminhos, alguns tortuosos.

Há vários pontos de intervenção possíveis na abordagem dos conflitos de interesse, e, pela sua complexidade, é improvável que qualquer alternativa isoladamente seja suficiente. No âmbito da prevenção, podemos citar ‘proibições’(como de receber presentes da indústria farmacêutica). Mas restam ainda diversas estratégias de educação e regulação (paralelamente a atuação profissional), bem como de penalizações ou compensações (a partir de atos executados). A tendência, para verdadeiramente atenuar o problema, tem sido agir em diversos pontos simultaneamente.

Então, se a transparência somente não resolve, o que pode ser feito? Usemos de exemplos práticos:

Proibir o médico de ganhar o iPad do laboratório? O risco de causar dano direto aos pacientes a partir de um médico ganhando um tablet de um propagandista é baixíssimo. Mas está comprovado que em larga escala esta prática influencia e altera o padrão das prescrições médicas. Os pacientes e a sociedade podem querer que sejam impostas restrições - e então caberia a quem os representa promover isto, doa a quem doer. Há mínimo valor social envolvido neste ato, e os pacientes e a sociedade teriam muito pouco a perder com a proibição dele. Contraria interesses corporativos poderosos.

Na Educação Médica Continuada: É possível defender (ou pelo menos debater melhor) algumas alternativas. Só não é possível ficar como estamos (leia-se: parados).
- Proibição de patrocínios da indústria de medicamentos e tecnologias a congressos médicos. 
O I Congresso Brasileiro de Medicina Hospitalar e o PASHA2010 demonstraram que é possível fazer grandes eventos sem a indústria de medicamentos. Teríamos que ampliar a discussão sobre financiamento alternativo ao tradicional para replicar isto em larga escala. 
Por que não a partir dos impostos das farmacêuticas, por exemplo? Fosse para ser criado e aprovado algo assim, provavelmente não poderia beneficiar iniciativas como as desenvolvidas por mim ( I CBMH e PASHA2010), em não se tratando a Medicina Hospitalar de uma especialidade ou área de atuação reconhecida ainda. Não poderia ser feito um Projeto de Lei que considerasse esta sugestão ou algo parecido para benefiar especialidades reconhecidas pela Comissão Mista de Especialidade? 
In the United States, commercial interests contribute over $2 billion annually for CME. If commercial support for other professional activities also amounts to $2 billiion, the $4billion spent would be 0,0016 percent of national health care spending in 2008, about $13,16 per person. The government could shoulder the cost of professional development without difficulty (Conflicts of Interest and the Future of Medicine, Marc A Rodwin, 2011). 
- Tornar farmacêuticas incapazes de financiar diretamente. O fariam coletivamente e sob intermediação de conglomerado de entidades governamentais e não governamentais. Discutir regras claras e mecanismos de controle e transparência seria absolutamento necessário aqui. 
- Peer Review dos congressos médicos (da importância dos temas ao conteúdo apresentado). 
Será que todo evento de Clínica Médica precisa mesmo de uma palestra de disfunção erétil? Seria o controle disto possível de ser feito pela Comissão Nacional de Acreditação, já que é responsável por avaliar e autorizar cursos e eventos, bem como por assegurar a qualidade deles? Cabe lembrar que nós médicos pagamos indiretamente para manter a CNA (recebem do evento 3% sobre o maior valor de inscrição local x nº de participantes). Eu tenho tido dificuldades de enxergar retorno disto, já que não preciso de nenhum "incentivo" para participar de congressos.
- Organizações ou grupos independentes e sem conflitos de interesse (?) seriam responsáveis por desenvolver o programa dos eventos.
Na Pesquisa Clínica: As farmacêuticas são as grandes financiadoras e sem elas poderia ocorrer um retrocesso. Muitas vezes controlam todas as etapas que culminam com a publicação de um ensaio clínico randomizado. O que pode ser feito? Permitir que sigam finaciando estudos, podem até fazê-los independentemente quando nas fases I ou II. No entanto, em se tratando de um estudo de fase III, exigiríamos que uma agência pública escolhesse os pesquisadores para fazer o design e conduzir o trial. Outra necessidade nesta área seria viabilizar melhor controle dos estudos de fase IV (Seeding Trials; The ethics of “seeding trials”; Seeding trials - marketing framed as science).

Nos Guidelines: Não permitir que indivíduos com grosseiros conflitos de interesse participem ou que, pelo menos, votem.

Por fim, mas não menos importante: Profissionalismo Médico. Profissionalismo pode modelar conduta de diversas formas, de maneira que mercado e controle estatal não podem ou não fazem. Devemos trabalhar isto desde o início da faculdade de Medicina e ininterruptamente a partir daí. Mas, se as autoridades públicas continuarem financiando inadequadamente o setor Saúde (e os médicos), será cada vez mais difícil por esta via.

Se médicos e sociedades médicas querem controlar seu trabalho, garantindo máxima autonomia (como dão sinais de querer), devem garantir à sociedade que o seu julgamento e suas orientações não estão comprometidos. Senão o fizerem, então outros assumirão este papel e não poderemos reclamar das conseqüências. Um bom começo é reconhecer que isoladamente não somos capazes de lidar bem com conflitos de interesse interna corporis (nenhuma corporação isoladamente seria). E, a partir disto, nos abrir para o debate e participar dele como protagonistas, evitando sermos vistos como parte do problema - e não da solução.

5 comentários:

  1. Academic investigators need research funds to conduct studies, BUT do not need also to be paid fees as part of speakers' bureaus, to became paid company consultants, or to receive the various other rewards often granted to so-called "key opinion leaders" (Brody 2007).

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  2. Writing a Conflict of Interest Policy: http://chrismacdonald.ca/resources/writing-a-conflict-of-interest-policy/

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  3. Propostas para Guidelines: "Management of financial or intellectual conflicts of interest requires: full disclosure; limitations on industry or agency financial support during guideline development; a representative panel that includes conflict-free members; and only conflict-free panellists to be involved in drafting guideline recommendations. Guideline panels should consider adopting the GRADE (Grading of Recommendations Assessment, Development and Evaluation) system to assist in determining the validity and strength of recommendations. Guideline panels should seek formal feedback from external stakeholders and end users. Enacting such policies aims to lend greater transparency and credibility to CPG, limit protracted and unhelpful interpretive debates, and promote wider use of CPG" - Med J Aust. 2011 Jul 4;195(1):29-33. Leia mais em http://www.mja.com.au/public/issues/195_01_040711/sco10815_fm.html

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  4. Propostas para Guidelines: "The executive committee of the American College of Chest Physicians' Antithrombotic Guidelines has developed a strategy comprising 3 innovative aspects to address this tension: First, place equal emphasis on intellectual and financial conflicts and provide explicit criteria for both; second, a methodologist without important conflicts of interest should have primary responsibility for each chapter; and third, experts with important financial or intellectual conflicts of interest can collect and interpret evidence, but only panel members without important conflicts can be involved in developing the recommendation for a specific question. These strategies may help to achieve the benefits of expert input without conflicts of interest influencing recommendations" - Ann Intern Med. 2010 Jun 1;152(11):738-41.

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  5. Recentemente, ao aceitar para palestrar em um evento, fui apresentado a uma maneira interessante de gerenciar conflitos de interesse. Este evento aceitava o patrocínio da indústria. Quem se inscrevia como palestrante preenchia um formulário online que em certo momento questiona se há conflitos de interesse diretamente relacionados à apresentação e os discrimina (há uma pequena lista só de “pesadíssimos”). A partir daí, você só tem duas opções: a) nega aqueles conflitos de interesse e aceita o convite ou b) aceita aqueles conflitos e diz “não, obrigada”.

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