terça-feira, 29 de março de 2011

Relacionamento entre médicos e farmacêuticas: por que é importante assumir a liderança na discussão?

Por que os médicos precisam assumir a liderança na discussão que envolve o [inevitável] relacionamento entre a indústria farmacêutica e eles próprios, conflitos de interesse e o potencial impacto disto nos custos e na qualidade da assistência prestada à população?

Porque somente assim seremos vistos como parte da solução e não como parte do problema!

E isto é necessário, na medida em que o tema está cada vez mais sendo discutido por todos, profissionais da saúde de um modo geral, mídia e os próprios pacientes e familiares.

Mas o assunto é indigesto para nós médicos. Muitos não aceitam sequer que se tangencie ele ("se isto existe, não passa nem perto de mim e quanto mais se fala pior para todos"). O problema é que, queiramos ou não, está na moda. E se não participarmos como protagonistas da discussão, vamos ser vítimas dela.

Veja só o tom que é dado por alguns neste debate: 


  “A Máfia Médicaé título de livro que explora a discussão do relacionamento entre a corporação médica e o capitalismo. Se é verdade que a autora se utiliza de vários argumentos que eu mesmo emprego, perceba até onde ela vai e reflita sobre os potenciais riscos à saúde das pessoas:

"trata-se de uma autêntica máfia médica, de um sistema que cria enfermidades e mata por dinheiro e por poder"

"as autoridades mentem quando dizem que as vacinas nos protegem, mentem quando dizem que a AIDS é contagiosa e mentem quando dizem que o câncer é um mistério"



Isto sim definitivamente não ajuda os médicos e muito menos os pacientes. Movimentos semelhantes já levaram ao que chamo de anti-psiquiatria, em parte ilustrado pela mal conduzida luta anti-manicomial, entre outros.

É preciso parar de se discutir estas coisas de forma maniqueísta! Lembro que na busca por patrocinadores para o PASHA2010, evento onde não aceitamos parceria com a indústria de medicamentos, em reunião com representante de uma determinada entidade que não identificarei, escutei: "Vou lutar pela aprovação do apoio, afinal de contas somos de esquerda e compartilhamos desta luta contra a indústria farmacêutica e o imperialismo". Nunca disse a ele ou a ninguém que sou contra a indústria ou o capitalismo. Como se defender o que defendo não pudesse ser feito na perspectiva de alguém que não é de esquerda, socialista ou comunista. Como se estimular a discussão sobre alguns excessos do capitalismo de mercado não pudesse ser feito de dentro. Ora bolas, nunca fui contra empresas farmacêuticas. Discuto a relação que nós médicos estabelecemos com elas e luto por uma mudança de postura dos médicos e de suas sociedades de especialidades.

No outro extremo, já escutei de alguns colegas coisas do tipo: "trocar o conflito de interesse com a indústria pelo com o governo? (em referência a algumas entidades governamentais que já me apoiaram). Prefiro a indústria, sou capitalista!". Como se enfrentar conflitos de interesse fosse necessariamente sucumbir a eles (e definitivamente não sendo, este tipo de postura contraria justamente a tese de alguns de que é possível trabalhar de maneira sistêmica educação médica com a indústria de uma forma saudável). Como se não fosse pelo menos importante observar de perto o que o nosso governo, independente de qual seja sua corrente política, está pensando sobre saúde. E como se princípios éticos e valores não tivessem que ser aplicados por todos.

Este maniqueísmo é, em minha opinião, patético!

Quando ajudei a criar no Sindicato Médico do Rio Grande do Sul a Campanha Alerta, minha ideia sempre foi atingir o predominante universo dos bons e zelosos profissionais médicos que se vêem também envolvidos em questões de conflitos de interesse sem perceber, jamais o profissional que age deliberadamente em favor da indústria. Queria tornar o médico parte da solução! A exemplo de campanhas como esta abaixo, defendida por lideranças como Jerome Kassirer:
http://npalliance.org/action/the-unbranded-doctor/

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