quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Insuficiência cardiaca descompensada grave e o estudo positivo nunca publicado

Estive recentemente com um paciente com descompensação grave de insuficiência cardíaca, situação que sempre desperta discussões quentes: Swan-Ganz? Dobutamina? Há quem defenda do uso liberal à moratória, o que faz deste um assunto que empolga quem gosta de debates e controvérsias.

Particularmente procuro evitar o uso de inotrópicos. As alternativas que disponho me dão arrepios quando tenho que usar, mas às vezes acabam sendo necessárias. Via de regra é a Dobutamina. Seria muito bom se algum outro inotrópico emplacasse...

John G.F. Cleland (Department of Cardiology, University of Hull, Castle Hill Hospital, Cottingham, Kingston-upon-Hull) já escreveu que:
"If levosimendan were available in the UK I would be using it because there is evidence that it is safer than any other IV agent"
Seu grupo foi responsável por meta-análise que demonstrou que a Dobutamina aumenta mortalidade.

Será que já existe alternativa melhor à Dobutamina? É o Levosimendan?

Há muitos anos atrás eu tive acesso aos resultados de um ensaio clínico randomizado que ajudaria nesta questão: CASINO! Venceu o Levosimendan, em segundo ficou Placebo e em último ficou a Dobutamina.

Lembrava que fora através do theheart.org, e procurei novamente, já que nunca encontrei o ECR propriamente dito devidamente publicado. Volta e meia eu saí atrás dele nestes últimos anos, sem sucesso. Encontrei a mesma referência que acredito ter lido na época e de onde tirei o slide dos resultados do CASINO que tenho até hoje: http://www.theheart.org/article/221625.do


Em 2006, no The European Journal of Heart Failure, Cleland publicou Clinical trials update from the American Heart Association: REPAIR-AMI, ASTAMI, JELIS, MEGA, REVIVE-II, SURVIVE, and PROACTIVE. Vejamos onde discute o REVIVE-II e o SURVIVE:
Are these data sufficient to warrant the widespread use of levosimendan? This depends on your clinical practice. If you do not use intravenous inotropic or vasodilator agents for the management of heart failure then there is insufficient evidence, as yet, to suggest that you should use levosimendan. However, there is as much or more evidence for the safety and efficacy of levosimendan for acute on chronic heart failure than for any other intravenous inotropic or vasodilator agent, including nitrates or nesiritide. Therefore, if you do use such intravenous agents for the treatment of such patients you might consider levosimendan, even perhaps as the agent of first choice provided cost is not an issue. Clearly, more clinical trial data are desirable and will probably be required by regulators.
Ele levou em conta os resultados do CASINO, os insere em gráficos inclusive. Há referência de todos os trabalhos que cita no artigo e de onde tira suas conclusões. Não do CASINO? O que houve com este estudo?

No material do theheart.org, há citações do autor do trabalho: Dr. Michael N Zaires (Tzam's Hospital, Piraeus, Greece).
“Current treatment for acute decompensated heart failure which consists of IV diuretics, nitrates, or inotropes such as dobutamine or milrinone is unsatisfactory because it has not managed to improve mortality and there are side effects such as an increase in arrhythmias.”
"Intravenous levosimendan showed a significant survival benefit while dobutamine actually increased mortality," Zairis said.
Mas, e a final de contas, onde foi parar o tal CASINO? Resolvi perguntar diretamente à Cleland e Zaires. Veja a resposta do primeiro:

Failure to verify the data I think.

Some have suggested scientific fraud but I have no insight one way or the other.

John
[Cleland]

Já no material do theheart.org, de 2004, contava que:
... doctors listening to the presentation had their reservations about the results because of the positive effect of levosimendan, CASINO was stopped early after enrollment of 299 patients instead of the planned 600. One observer commented, "It was unfortunate that a small study was stopped in this way because there will remain some uncertainties."

The p value for the benefit of levosimendan vs placebo was only 0.04, however, and doctors listening to the presentation were concerned that the analysis was done on-treatment instead of by intention-to-treat, commenting that if the eight patients who withdrew were included this may have altered the p value. "We really critically have to know what happened to those patients," one said.

Zairis was unable to say what happened to the eight patients, but he told heartwire that he now routinely uses levosimendan in acute hospitalized heart-failure patients in Greece.
Michael Zaires não respondeu o meu e-mail.

Tire suas próprias conclusões. O inédito é que normalmente há histórias de engavetamento de estudos negativos (The “File Drawer” Effect). É o primeiro caso que vejo de engavetarem estudo positivo. Já não bastasse a interrupção precoce*, parece haver mais coisas, no mínimo, estranhas. *The study was originally designed to recruit 600 patients, however, was stopped prematurely after 299 patients had been enrolled, due to a clear mortality benefit in favour of levosimendan.


John G.F. Cleland é autor de trabalhos financiados pelo laboratório do Levosimendan, mas em algumas publicações sobre insuficiência cardíaca informa não ter potenciais conflitos de interesse a declarar.

Encontrei Michael Zaires como co-autor de trabalho sobre IC onde consta: The authors of this manuscript have certified that they comply with the Principles of Ethical Publishing in the International Journal of Cardiology. Como pode uma revista “informar” assim? Sem dizer nem que sim, nem que não, dá a referência do manual de ética para o leitor! Há várias publicações dele em jornais que não exigem declaração de conflitos de interesse. Encontro uma em Heart com Competing interests: None declared.

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