domingo, 27 de setembro de 2020

COVID-FREE e como mudam os cenários, mas não a tendência contemporânea de hipérboles e outras formas de falta de transparência.

Há empresas anunciando certificação COVID-FREE. O nome em si não me incomoda, desde que os textos de apoio busquem reestabelecer o equilíbrio entre realidades e desejos, certezas e incertezas. 
Recentemente, organização certificada COVID-Free foi anunciada como pronta para oferecer serviços de forma segura e sem oferecer riscos de exposição ao vírus. Não desejo aqui estender muito discussão a cerca da veracidade e reprodutibilidade disso, deixo para reflexões... Apenas acho que, quem estuda ou já estudou segurança do paciente a fundo sabe que 100% de segurança sem consequências negativas não intencionais muito pouco existe. Quero então discutir os efeitos desse tipo de linguagem estilo "shoptime" na nossa cultura...

Como a nossa linguagem molda a visão geral sobre qualidade e segurança do paciente e a credibilidade do movimento?

Considerei a validade de reaquerer o assunto depois de ver publicação científica de hospital da Harvard que conheci pessoalmente e é exemplo em qualidade e e segurança do paciente. Ao mesmo tempo que apontam a possibilidade de taxas de contaminação muito baixas através de rigorosas medidas de controle de infecção, descortinam, mais uma vez, a quase inexistência do "risco zero" em sistemas complexos. São muito provavelmente inexistentes mesmo, se colocados na equação os riscos interdependentes. Ou então não são sistemas complexos. Ou então são sistemas complexos mortos ou ilusórios, que perdem a desconfortável complexidade das não-linearidades e outras coisas que acabam inconscientemente ignoradas, porque não as controlamos como gostaríamos. 

Alguns poderiam argumentar que ilustrar como "risco zero" serve para contraste apenas, reforço semântico, em oposição ao mundo sem as intervenções, que é um absurdo, temível, impuro, sujo. No entanto, é falaciosa a ideia de que a transmissão na vida real é evento tão determinístico e no corner oporto. Não é! Faz grandes estragos pela impacto escalável a medida em que mais e mais pessoas não expostas aos indivíduos infectados, entre outros fatores de magnitude de efeito menor. 

Aliás, no caso da COVID-19, a transmissão fora de espaços que favorecem controle, como hospitais e clínicas, ocorre como normalmente são as coisas na natureza, mesmo as transmissíveis e capazes de resultar em extraordinário desequilíbrio global:

Transmissão com contatos domiciliares para adultos e crianças ocorre na faixa de ~ 14-17% e ~ 4-7%, respectivamente (https://doi.org/10.7326/M20-5008). Ambiente fechado, contato significativo, sem controle maior nenhum!

Considerando ainda que comumente há uma grande cascata de eventos entre exposições e danos, além desse fenômeno da probabilidade, talvez entendemos melhor a razão pela qual pessoas absorveram tão facilmente crenças como "distanciamento não funciona" ou "máscara não serve para nada", ao menos tempo que alguns desconfiam que rigorosas medidas de controle de infecção são apenas desculpa para vender selos. E não são! Mas, se não ajudarmos as pessoas na compreensão de cenários complexos naturalmente não maniqueístas, irão desistir de fazê-lo e apenas escolher lado a partir de premissas e heurísticas. Não educamos de verdade! No mundo real das epidemias, com muita disciplina, colhemos grandes benefícios somando pequenas reduções absolutas de risco, sem garantias.

Se alguém no planeta possui verdadeira solução risco zero para viabilizar interações sociais, faria sentido manter todo o alarme mundial e protelar os danos secundários às medidas sugeridas pela OMS? Ou não é isso e caímos novamente na velha e complexa equação dos custos e benefícios das coisas, que inclusive deve transformar conclusões de acordo com a característica de quem procura hospitais e clínicas, independente de fazerem eles o melhor controle do mundo? Em outras palavras, o mesmo risco, mesmo que muito pequeno, deve ser encarado diferente em quem necessita de um cateterismo no curso de infarto agudo do miocárdio (benefício >>> risco) e em quem buscaria um hospital para um (quase sempre questionável) check-up cardiovascular...

Citações e outros materiais complementares abaixo: 


"The blind desire for 'zero cases, zero deaths' is not conducive to scientific prevention and control, instead, seeking truth from facts and early detection and reporting are the basis and premise of scientific prevention and control" - Yang Zhanqiu, a Wuhan-based virologist

Trapped in the “zero-risk” society and how to break free

Innocence and Justice in Safety

Risk In Perspective: Zero Risk Is an Impossible Dream

Life with coronavirus can’t be risk-free, but we can minimize harms

“Let us remember and we've seen there is no 'zero risk' in any environment, we need to try and reduce those risks to the absolute minimum and be able to mitigate any negative impacts.” - Tedros Adhanom Ghebreyesus, WHO 

terça-feira, 15 de setembro de 2020

O lado oculto das contas hospitalares!

Esse vídeo é assustador:


Aqui no Brasil não acontece igual, mas parecido:

Reaquecemos denúncia da Época em 2016
Mas é mais um assunto que quem se importa não apita nada e cada vez menos...

terça-feira, 1 de setembro de 2020