segunda-feira, 16 de março de 2020

Less is More & Covid-19

Recebi há pouco algumas recomendações por WhatsApp, “para quem atua em hospital”, entre elas:

  • Não utilizar broncodilatadores de curta ação profilaticamente;
  • Se broncodilatadores forem necessários, prefira, sempre que possível, jatos a nebulizações;
  • Não utilizar oxigenoterapia sem hipoxemia;
  • Não utilizar VMNI apenas para “dar uma expandidinha”, busque as indicações precisas.

A grande preocupação é transmissão. Mas já não há multirresistência para lutarmos contra????

Todas são orientações amplamente aceitas, baseadas em evidências, disponíveis e necessárias há muito tempo. Sobre oxigenoterapia, eu já dizia, há mais de 10 anos, que são incomuns as exceções, muitas mitos, preponderando um uso absolutamente irracional e esdrúxulo de oxigênio nos hospitais.
Slide primeiro de aula preparada em 2006, provavelmente
para residentes de Medicina Interno do HNSC.
O e-mail não existe mais.
Este artigo de 2019, reforça o paradigma: 

Things We Do for No Reason: Supplemental Oxygen for

Patients without Hypoxemia


O que de fato pauta nossas decisões e ações? Por que tantas vezes não fizemos o necessário, mesmo quando "caindo de maduro"? Por que precisamos de fatos novos para enxergar o já existente, como recentemente ilustrado caricaturalmente a mim por uma sexagenária dizendo-se muito preocupada com o Covid-19 por sua pneumopatia incipiente e, segundo ela, caracterizadora adicional de grupo marcadamente vulnerável, enquanto tragava um cigarro muito naturalmente? "Estou preocupada com todo mundo, na verdade", completou, deixando fumaça atingir meu rosto.

Agora, frente a um problema real e de potencial negativo muito fortemente significativo (não tanto pelo Covid-19 diretamente, mas pelo efeito cascata que virá daí), percebemos pressão por modificar processos que já pouco deveriam existir, aumentando o gasto de energia e tempo para lidar com situação onde o consumo já é enorme por todas as novas e justificadas demandas. Surge a necessidade de curvas de aprendizado ou de, pelo menos, novos jeitos de fazer para questões que já deveriam estar superadas, dificultando organização nesse momento tão complicado.

Isso sem contar pressões por ações de efetividade questionável e cheias de potenciais consequências negativas graves. Deveríamos parar tudo que não gera potenciais alarmantes consequências secundárias em cadeia (situação por si só exige muita reflexão - e precisamos preservar atmosfera que as permitam), mas será necessária muita atenção para “parar tudo”. Motorista de Uber que peguei há pouco contou espontaneamente: “estou muito aprensivo. Tenho um equilíbrio financeiro tênue. Não tem nos faltado nada em casa desde que voltei a trabalhar. Tenho uma esposa, dois filhos e uma irmã desempregada que dependem de mim. Mas estou sem reservas, carro alugado, trabalho para pagar a semana imediatamente adiante. Se parar tudo por mais de 7-10 dias, será o inferno”.

Em meio à outra atmosfera onde vale tudo, pesquei comentário de um formador de opinião com posição política de oposição sugerindo que um caos econômico poderia servir para bem maior no futuro, enfraquecendo o Governo atual. Entretanto, serão os que não possuem reservas quem mais sofrerão se uma calamidade multidimensional acontecer. É hora de unirmos forças, atentarmo-nos para questões secundárias e conflitos de interesse. Já basta o que ameaça nosso frágil sistema de saúde.

E entre parar o supérfluo e parar tudo, há ainda oportunidades diversas para inovações ou simples reposicionamentos inteligentes, mesmo que momentâneos. Vai de impulsionarmos a telemedicina à modificarem prestação de serviços mundanos, como transferindo o foco maior de um restaurante de atendimento predominantemente in loco para tele-entrega. Na linha do que forçou há pouco o governador de Washington:

Ainda não é hora de “parar tudo” aqui no Brasil! Devemos considerar nossa maior vulnerabilidade econômica na complexa equação.

Quem sabe, por ora, além das medidas de saúde pública sem potencial negativo alto (e aí concordo que não sejam exigidas evidências positivas incontestáveis), investir também em freiar na saúde o que já não deveria estar sendo feito, liberando recursos pessoais* e materiais para utilização na luta em prol da manutenção do equilíbrio de nosso sistema de saúde, ou que seja da minimização de danos. Repensando em ciclos curtos. Uma semana ou, quem sabe logo mais, um dia de cada vez... E que venha o caos real, se for o caso. Mas não podemos sucumbir por boa intenção mal calibrada, despejada antes do tempo. Lembrem que nosso inverno começa em junho apenas.

Os desafios não são poucos, mas minha impressão é que o Ministério da Saúde e a Secretaria de Saúde de Porto Alegre estão fazendo boas reflexões e adotando ações adequadas. Razão porque não pretendo mais manifestar-me sobre o tema, os sugerindo como fonte, em meio a tanta exposição de informações e interpretações.



* Quem sabe, em algum momento, reavaliar os serviços de hemodinâmica para foco em afecções coronárias agudas ou situações de valor similar e realocar alguns cardiologistas e Enfermagem para ajudarem nas emergências e UTI's? Leitura complementar aqui

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