segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Fortalecimento da MH no Brasil: mudar estratégia de uma associação em busca do consumidor potencial para articulação com poucos grupos já consolidados e estratégicos?

Por trás desta citação de Taleb, esconde-se um dos meus grandes equívocos históricos em relação à MH para o Brasil. Já faz uns anos que dei-me conta, tendo escrito em 2014 texto em Saúde Business, infelizmente um pouco desconfigurado agora (com troca de sinais de pontuação, sem abrir uma figura), mas cujas mensagens pertinentes à questão permanecem claras, e, infelizmente, atuais: 

ERRATA:

O ‘Scutwork’ Não é Culpa Apenas dos Gestores



Acreditei que havia uma legião de generalistas apenas aguardando melhores oportunidades, e que viria facilmente. Algo como:


Doce ilusão! Fazem parte do exército da cultura do "Sempre Fiz Assim!!!". E ainda, financeiramente, ganham relativamente bem no papel que executam. Se depender "deles", nada mudará! Bem como jamais teremos uma associação de hospitalistas forte, assim como nunca tivemos uma de Clínica Médica, por mais que existam outros problemas lá, e bastante sérios.

Refletindo um pouco melhor, percebo hoje que são poucos os profissionais vocacionados, e depois realmente moldados/aperfeiçoados, para atuar no perfil de generalista que considerei. Razão pela qual são facilmente identificados e fisgados pelo mercado para cargos de ainda mais alta relevância nos hospitais, como foi o caso de um de meus melhores residentes de Medicina Interna da época do Conceição, para o qual facilitei estágios na Johns Hopkins e Cleveland, hoje Gerente Médico da Beneficiência Portuguesa de São Paulo.

Que esta nova avaliação está correta, não tenho mais dúvidas agora. A depender da magnitude do fenômeno, as consequências passam por não existir capital humano para consolidar associação de hospitalistas (ao menos sem a mistura com gestores e representantes de empresas de saúde, restando coadjuvância), além de esforços inócuos de alguns centros formadores de internistas no Brasil, que "remam contra a maré".

No cenário mais pessimista, somente um caminho fortalecerá a MH brasileira: foco em pequenas iniciativas, em parceria com o setor suplementar. Grupos de médicos diferenciados sairão fortalecidos, se o hospital topar divulgar resultados, talvez a MH. Se crescerem em número e conectarem-se entre si (diferente de abordagem de procurar no varejo feita até hoje), algum dia médicos podem alavancar trabalho associativo com a real identidade que um dia busquei.

E que não fique a ideia de que acho que existem poucos hospitalistas atualmente em atividade no Brasil, muito pelo contrário. Já rodei o Brasil e sei da realidade e do potencial. Mas são muitos programas em estágio evolucionário marcadamente inicial, sem disposição ou ferramentas intelectuais para avanços, cheios de insegurança gerada pelo mercado quando ousam pensar algo diferente.

Em hospital público que trabalhei em Porto Alegre, três ações administrativas criariam automaticamente hospitalistas: Registro Ponto Digital, controle de entrada/saída e limite de tempo na associação dos médicos. Avançar em estágios evolucionários já é algo mais complexo, e é etapa necessária para a MH conquistar seu próprio exército...

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

Consumismo médico desenfreado

Ficar doente é uma boa forma de perceber a cultura em seu meio relativa ao consumismo médico desenfreado.



Recentemente apresentei um quadro indubitavelmente viral na largada, mas com aparente dois momentos, o segundo com exsudato amigdaliano. Eu próprio, sem muita convicção de doença bacteriana (moderada probabilidade estimada pelo Escore de Centor), resolvi tomar antibiótico. Chegou a noite de Natal e eu estava cercado de parentes, alguns médicos. Recém havia iniciado tratamento, não haveria tempo para melhora. Foi impressionante o número do conselhos para trocar de antibiótico. "Já deverias ter tomado um mais forte de largada", disse um familiar com diploma médico.

É um questão de força relacionada à abrangência de cobertura ou de cobertura ao estreptococo beta-hemolítico do grupo A?

No dia seguinte eu já estava melhor e breve evolui para resolução total, pelo antibiótico ou com o antibiótico. Não tenho certeza.

Perto do Réveillon iniciei com uma dor no dedão do pé esquerdo. Fratura por estresse? Gota sem rubor local ou outros sinais típicos? Todos com quem comentei deram sugestões diagnósticas e mandaram-me fazer imediatamente exames de imagem. Tu não pode mais ter "só uma dorzinha no dedão". Também não compreendem o conceito de Watchful Waiting. Tomei uma decisão para lidar com isso. Não falo mais sobre sintomas não sendo com meus médicos. A partir de amanhã o dor terá resolvido, mesmo que não ocorra. Ortopedista de confiança chega de viagem breve, não melhorando irei procurá-lo. 😶 até lá!

O mais complicado deste cenário é que decorre de uma corrente de boas intenções!


O caso onde fazer um cateterismo, mesmo que inapropriado, ao menos garantiria alguma lógica.

Deparei-me recentemente com investigação de fadiga e eventualmente dispneia em paciente idosa. Nega veementemente angina. Quadro de evolução prolongada e estável – com pequenas flutuações que não caracterizam mudança propriamente dita. Durante período de investigação cardiológica onde, em meses/ano, realizou cerca de uma dezena de eletrocardiogramas de repouso, Holter, alguns testes provocativos (testes de esforço, cintilografia miocárdica), angiotomografia de coronária, ecocardiografias, descobriu-se disfunção diastólica / padrão de relaxamento alterado. Em paralelo, tem obesidade e sedentarismo, ainda doença do sono grave e subtratada. Uma avaliação especializada bastante profunda descartou patologia pulmonar relevante ou evolutiva. Focaremos a partir de agora na avaliação cardíaca apenas, em contexto onde a paciente, insatisfeita com persistência dos sintomas, apesar de não ter perdido peso ou modificado qualquer hábito de vida, procurou um novo profissional, cardiologista, que passou a repetir mais uma vez quase tudo o que já havia sido feito.

Visão moderna sobre apropriação ou não de testes diagnósticos incorpora o conceito de que não basta servirem para realizar ou excluir diagnósticos, por mais que o façam acuradamente. Precisam ainda abrir alguma perspectiva de nova intervenção, de mudança de postura frente ao caso, devendo a reflexão obviamente anteceder a solicitação do exame:

“Venha positivo, farei algo diferente?”
“E venha negativo, farei algo diferente?”

Entretanto, essa visão moderna é demais para muitos médicos. Traz consigo os conceitos de sobrediagnóstico e sobretratamento, bastante novos. Muitos colegas, por mais especializações que tenham buscado, foram profissionalmente moldados por visão anterior onde sequer há referência a esses termos nos recursos didáticos, nem mesmo à Valor. E mudar comportamentos enraizados é complicado mesmo.

Na visão anterior, como esses conceitos não existiam então, bastava a informação a partir dos exames, mesmo que não servisse para nada do ponto de vista eminentemente prático. Será sobre esse velho paradigma que justificarei cateterismo no caso acima - para alguma mínima preservação da lógica e do bom senso.

Porque mesmo sob a ótica do modelo de raciocínio diagnóstico antigo, onde há mais testes desnecessários, resta a previsão de alguma racionalidade. Existindo, por exemplo, a fixação ou fetiche pela ideia de não deixar passar determinado diagnóstico, ao invés de repetir o mesmo exame já feito algumas vezes, o que usualmente não incrementa muito acurácia e aumenta probabilidade de falsos positivos, optar-se-ia por um teste com desempenho melhor do que o realizado previamente, mesmo que mais invasivo. É para ser básico, trivial, mas se não aprendeu isso na formação médica, não será atuando no mercado que acontecerá, onde o pouco tempo que temos para educação continuada investimos em novidades da área, não revisitando velhos conceitos de bioestatística, como distribuição gaussiana e fidedignidade de múltiplas tentativas.

Uma angiotomografia de coronária, entre os testes não invasivos disponíveis, já é o com melhor valor preditivo negativo para detecção de lesão obstrutiva significativa. A nossa do caso acima foi contundentemente negativa. Estudos comparando com o padrão ouro (cateterismo) demostram com consistência uma sensibilidade em torno de 95%. Já o teste ergométrico tem, variando com o protocolo utilizado (sem contar a probabilidade pré-teste, mas isso é demais para quem não entende o básico), sensibilidades de 20-80%.

Aqui uma comparação entre todos os testes não invasivos:


Então, se a dúvida que persiste é diagnóstico de cardiopatia isquêmica, já tendo feito tudo isso, inclusive uma angiotomografia de coronária, solicite, POR FAVOR, um cateterismo invasivo, não o vigésimo eletrocardiograma de repouso. Segue ao menos alguma lógica, mesmo que esdrúxula a luz do conhecimento mais atual...

A atitude circular é a mais boçal de todas...


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