quinta-feira, 22 de junho de 2017

Quando a Acreditação Hospitalar mais atrapalha do que ajuda: uma experiência quase irreal (ou deveria ser).

Certificaram um hospital com taxa de higienização de mãos em enfermaria pífia.

No mesmo hospital, havia um processo encruado. Consultora da acreditação conseguiu atrapalhar.

Montaram um Time de Resposta Rápida. A escolha inicial foi por um dos escores complexos disponíveis, destes que soma-se pontos, depois estabelece-se faixas de riscos e ações correspondentes. Houve dificuldades do pessoal da linha de frente, situação depois percebida em relatos diversos, inclusive a partir de publicações oficiais. Muitas organizações também perceberam que sem integração automatizada das informações que abastecem estas ferramentas (abordagem de redundâncias e retrabalhos), automação da contagem final, e ajuda nas fluxos previstos para a alça eferente, algo que, parece ser bastante simples, não funciona em larga escala da maneira esperada.

Por isso, hospital trocou para um escore do tipo dicotômico, definitivamente mais simples. Melhorou!

Eis que surgiu a consultora, que tentou primeiramente dizer que escores dicotômicos não eram escores de TRR. Depois que eram muito piores que os complexos.

A primeira informação foi por total desconhecimento. Nada menos do que a Mayo Clinic usa um escore dicotômico para seu TRR, muito semelhante ao criticado: 


Hospitais brasileiros com certificação internacional e recertificação também adotam. 

A segunda informação é parcialmente verdadeira, mas não pode ser vista deterministicamente, invalidando o que fica para trás. Qualquer um com mente minimamente científica guarda as opções em comparação, e passa para etapas subsequentes, indispensáveis ao método científico:

Qual o custo de uma e outra intervenção? (não apenas custo monetário, mas de dispêndio de outros recursos, até mesmo energia dos participantes)

Esta diferença de custo compensa frente à magnitude da diferença em benefício a favor da “melhor” alternativa? Remeteria a um paradigma semelhante ao da avaliação do NNT e do NNH, indispensável de ser considerado após relevância estatística no efeito de qualquer intervenção. Em outras palavras, não basta uma melhor acurácia estatística do escore da consultora.

Outra reflexão importante: estamos precisando de uma melhor acurácia da ferramenta no nosso hospital muito especificamente? Tratando-se de TRR, deve partir da sua base teórica (identificação de alto risco / redução de PCR’s evitáveis nas enfermarias), para contextualização dela com a realidade e os resultados locais. E somente uma organização hospitalar que monitora transferências não planejadas às suas UTIs e PCR’s nas enfermarias é capaz de cumprir esta etapa. Mas, para a consultura, não importava, apenas o fato de que sua sugestão era “melhor”.

Cada nova mudança de processos em hospital é sinônimo de

 nova provocação na cultura local, novos treinamentos,

 novas consequências não intencionais.


Há algum tempo ando dizendo. O movimento de saúde baseada em evidências, trazendo junto suas noções de estatística, risco residual, custo-efetividade, custo-consciência e decisão compartilhada precisa chegar urgentemente ao mundo da qualidade e da segurança do paciente. Mudar quase nunca é fácil, então deveríamos impor uma atmosfera favorável a escolhas sábias. Turbilhão de iniciativas é contraprodutivo, então por que não um Choosing Wisely da gestão assistencial? Não acontecendo, há risco de médicos e enfermeiros desprovidos de mentes binárias e visões determinísticas não conseguirem andar no mesmo barco... Hoje já quase existe um movimento de gabinete da segurança do paciente e profissionais da ponta pouco conectados, com exceções. Vamos construir um único movimento apenas?

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