terça-feira, 30 de abril de 2013

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Mortes no exame de ressonância

por Cláudia Collucci, 25/04/2013

Aconteceu de novo. Três pacientes mortos porque receberam na veia, por engano, uma substância altamente tóxica em vez de soro fisiológico.

A polícia diz que a auxiliar de enfermagem estava em treinamento e foi induzida ao erro porque a clínica aproveitava embalagens de soro fisiológico para acondicionar perfluorocarbono, o composto que causou as mortes.

Em janeiro, dois homens (de 36 e de 39 anos) e uma mulher (de 25 anos) que passaram por exame de ressonância magnética em uma clínica que fica dentro do Hospital Vera Cruz, em Campinas, morreram de parada cardiorrespiratória.

Na época, a Vigilância Sanitária suspendeu o soro. O contraste usado no exame também ficou sob suspeita. Quem poderia imaginar que o erro seria ainda mais crasso!

O perfluorocarbono pode ser utilizado para exames na região pélvica, mas sem contato direto com o paciente. Por não ser solúvel no sangue, não pode ser injetado em pacientes. Mas, segundo a polícia, o composto, além de estar em embalagens reaproveitadas, ficava no MESMO armário do soro fisiológico, apenas em gaveta diferente.

É isso, caros leitores. A gente entra numa clínica para fazer uma ressonância magnética e sai morto porque alguém teve a "brilhante" ideia de usar embalagem de soro para guardar um composto potencialmente mortal.

A auxiliar de enfermagem recém-contratada não sabia da diferenciação e preparou a solução, que ela julgava ser soro, para que as enfermeiras aplicassem nos pacientes que estavam sendo preparados para a ressonância.

Como explicar isso às famílias das vítimas --a administradora de empresa Mayra Cristina Augusto Monteiro, 25, que deixou uma filha de 4 anos, do zelador Manuel Pereira de Souza, 39, pai de uma filha de 6 anos, e de Pedro José Ribeiro Porto Filho, 36?

Como explicar tantas mortes e erros evitáveis que acontecem diariamente dentro dos hospitais?

Nos últimos meses, vários casos, tão absurdos quanto esse, tornaram-se públicos. Um idoso que recebeu alimento na veia, outro que recebeu café com leite, o menino que recebeu ácido em vez de sedativo, a adolescente que recebeu vaselina em vez de soro.

Todos os erros estavam relacionados ao pessoal da enfermagem, mas, na verdade, o problema é de todo um sistema de saúde doente. Que começa na formação cada vez mais precária dos profissionais, passa pela falta de revisão de processos dentro de hospitais (e de uma permanente capacitação dos funcionários) e termina em pizza porque ninguém aprende com o erro.

Uma das possíveis saídas que poderiam minimizar erros (sim, porque acabar seria uma utopia) dentro das instituições de saúde seria tornar obrigatórias as certificações de qualidade. Mas teria que ser algo sério, fiscalizado, que rendesse pesadas multas para quem não segue a cartilha. E não apenas um papel morto afixado na parede do hospital.

As famílias de Mayra, Manuel e Pedro devem estar vivendo hoje uma dupla dor: ainda o luto pela morte de seus entes queridos e a raiva por tamanho desrespeito à vida das pessoas.

Claúdia é é repórter especial da Folha, especializada na área da saúde


terça-feira, 23 de abril de 2013

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Lavem as mãos, por favor

por Cláudia Collucci, repórter especial da Folha, especializada na área da saúde.

O Ministério da Saúde e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) lançaram anteontem (dia 1° de abril) um programa que objetiva prevenir e reduzir a incidência de erros que colocam em risco a saúde e a vida de pacientes.

Não são poucos os relatos de problemas evitáveis que acontecem dentro dos hospitais, como quedas, administração incorreta de medicamentos e erros em procedimentos cirúrgicos (como operar um órgão errado).

Um estudo da Fiocruz apontou que de cada dez pacientes atendidos em unidades hospitalares pelo menos um sofre de algum tipo de evento adverso. E em 66% das vezes são problemas evitáveis.

O programa do ministério torna obrigatório que todos os hospitais do país montem equipes específicas para aplicar e fiscalizar regras sanitárias e protocolos de atendimento e que notifiquem mensalmente a Anvisa sobre eventos adversos associados à assistência.

Segundo o ministério, estão previstas sanções aos hospitais - até mesmo suspensão do alvará de funcionamento - que não se adequarem às novas ações.

No papel, tudo parece fácil e lindo. A realidade, porém, é bem mais complexa. Para começar, quem vai fiscalizar o cumprimento dessas ações? As vigilâncias sanitárias?

Mais de dez anos se passaram desde que começou a valer a lei federal que obriga os hospitais a instituir comissões de controle de infecção hospitalar. E ainda hoje muitas delas só existem no papel.

Na verdade, é muito difícil mudar hábitos enraizados e fazer com que os profissionais dentro do hospital trabalhem em equipe e sigam protocolos. A cultura hospitalar, em geral, ainda é a de esconder o erro. Com isso, a chance de os problemas se repetirem e nunca serem corrigidos é imensa.

E não é um problema só nosso. No mês passado, durante conferência de jornalismo de saúde em Boston, Lucian Leape, professor adjunto do Departamento de Políticas de Saúde e Gestão da Universidade de Harvard, enumerou quatro principais problemas que atravancam a implantação de medidas que visam reduzir erros evitáveis dentro dos hospitais:

1 - resistência dos médicos em relação ao trabalho em equipe
2 - dificuldade de mudar os sistemas de saúde
3 - a cultura geral é "disfuncional". "Nós tratamos uns aos outros mal", disse Leape
4 - falta de liderança do gestor para comprar a briga e fazer com que as medidas de segurança funcionem de fato

O médico lembrou que, ainda hoje, a prática de lavar as mãos precisa ser constantemente reforçada porque muitos profissionais se esquecem disso. E todo mundo está cansado de saber que essa é a principal medida para reduzir as infecções hospitalares.

Além do "esquecimento", que também atinge nossos profissionais de saúde, no Brasil ainda há uma realidade ainda mais perversa. Há três anos, o Cremesp e o Ministério Público Estadual fizeram um levantamento em 65 hospitais públicos e 93 hospitais privados e constataram que em 28,1% dessas instituições não havia, nas áreas mais críticas, uma simples pia para lavar as mãos e o papel para enxugá-las.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Nesta história todos têm nome, menos o hospitalista...

O texto que apresentarei abaixo resume minhas preocupações relativas aos hospitalistas no Brasil, mesmo que não trate exatamente disto. O movimento de MH era para unir gestores e hospitalistas. Era para alinhar alguns médicos e hospitais. Mas como estão difíceis estas coisas... Como são grandes os desafios...

Bom, recebi um link onde fazem reclamação de atendimento hospitalar em São Paulo. Está hospedado em Reclame Aqui, “espaço do consumidor na Internet”. A pessoa pode reclamar de atendimento, compra, venda, produtos e serviços. As reclamações cadastradas geram rankings e comparações, e quem tiver interesse adicional consulte o site. Apenas quis materializar a fonte, pois reproduzirei o conteúdo sem o link (já que identifica pessoas), resumindo o texto e omitindo os nomes completos dos envolvidos.

Dia 18/04/12 entrei no hospital X com muita dor e fui encaminhado para cirurgia [de colicistectomia]. Vale a pena lembrar que já estava a mais ou menos seis meses detectado pedra na vesícula e diagnosticado que tinha urgência em ser operado, pois por diversas vezes fiquei internado com muitas dores e chequei a ter pancreatite. Porém o convênio Y não liberou para fazer o procedimento. Foi agendada para o dia 19/04/12 com a equipe de cirurgia de plantão do dia, fiz a cirurgia com a equipe do Dr. Ricardo.
...
No dia 21/04 a dor aumentou e estava drenando cerca de 500 ml de um líquido amarelado. O médico responsável foi contatado e disse que era gazes e que precisava andar para melhorar. A dor continuou, o plantonista foi chamado... sugeriu chamar o grupo da dor.
O Dr. Ricardo pediu alguns exames... ao questioná-lo sobre a dor, ele disse a esposa que homens são mais manhosos. Sempre passava no quarto rapidamente e não tocava no paciente. Combinava em dar um medicamento, para dormir, por exemplo, às 22h e quando chegava o horário descobríamos que o medicamento não havia sido prescrito, que ele tinha esquecido. Precisa ligar para o hospitalista e pedir para ele prescrever, isso demorava muito.
A Dra Daniela, do grupo da dor, veio me avaliar, fez o exame clínico e constatou peritonite. Ela prescreveu Morfina. As dores melhoraram, mas o dreno continuava cheio e com um líquido amarelado...
”.

Bom, e a história segue, com reintervenções cirúrgicas, passagem por UTI, conflitos e alta hospitalar após um mês de internação e com importantes questões pendentes e outras fontes de litígios.

Que seria interessante dissecar o caso, discutir os erros e near misses, e buscar recomendações que pudessem evitar semelhantes, não tenho dúvidas. Mas quero focar mesmo é no que estão fazendo com o “hospitalista”, que sequer nome ganha no relato abaixo (por favor, não vejam o lado positivo disto, pois concordo... talvez ele não venha a ser processado junto). Comentários são bem vindos.

Nosso movimento rachou e esta questão foi central. Houve aqueles que, envolvidos na tentativa de vender o “produto" sem que o mercado esteja plenamente aquecido, estavam incentivando um plantão clínico solucionado por boa gestão. E queriam vender a si próprios como a cereja do bolo (gestores [da inovação]), e não os hospitalistas propriamente ditos. É claro que a adequada gestão do modelo (e de qualquer um) é fundamental, mas ao longo dos anos apenas fortaleço uma ideia: os movimentos de qualidade e segurança apenas decolarão quando forem abraçados por quem está na linha de frente, e quando os projetos, as iniciativas, e as soluções partirem predominantemente daí.