segunda-feira, 1 de agosto de 2011

SOBRAC promove campanha pra lá de esquisita!

Com o tema “pulsAção: sentindo o ritmo do seu coração”, a ação pretende conscientizar a população sobre a importância do diagnóstico precoce da fibrilação atrial (FA) e do tratamento adequado. A campanha conta com o hotsite http://www.ritmodocoracao.com.br/, onde há “informações gerais sobre FA, formas de diagnóstico e tratamentos disponíveis no Brasil”.

A Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (SOBRAC) é uma entidade médica sem fins lucrativos, afiliada à Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Os objetivos da SOBRAC são "normatizar as atividades relacionadas às arritmias cardíacas no Brasil, promover o desenvolvimento científico e a valorização profissional da especialidade, além de orientar a população leiga a respeito dos problemas mais comuns ligados à arritmia cardíaca, por meio de campanhas educativas".

O que chama a atenção de cara?

1. O apoiador principal é fabricante de cateter de ablação, um dos tratamentos disponíveis para FA;

2. Em Controle e Tratamento, gastam 65 palavras, 371 caracteres, para falar do que mais interessa do ponto de vista epidemiológico (dois primeiros parágrafos) e 179 palavras, 1000 caracteres, para falar da exceção, representada por “pacientes que não respondem ou são intolerantes ao tratamento medicamentoso” (restante do texto, com apoio de uma linda e estimulante imagem). Sendo que no texto inicial sequer seriam antiarrítmicos as drogas mais empregas, já que hoje controlamos freqüência na maioria dos casos, pelo menos fora de centros especializados.
Pacientes que não respondem ou são intolerantes ao tratamento medicamentoso podem se beneficiar da ablação por cateter, principalmente aqueles mais jovens, com muitos sintomas e sem doença cardíaca significativa. Em pacientes com essas características, a ablação por cateter é considerada um procedimento seguro e eficaz para a correção da fibrilação atrial, reduzindo em 65% o risco de recorrência da fibrilação em comparação aos medicamentos antiarrítmicos pelo período de um ano.http://www.ritmodocoracao.com.br/controle-e-tratamento/
Fazendo uma busca rápida no Pubmed e lendo o UpToDate, encontramos a coisa um pouco diferente, pelo menos na retórica. No dicionário Wikipédia, retórica é a arte de usar a linguagem para comunicar de forma persuasiva. Luis Cláudio Correa escreveu recentemente sobre “retórica” em Medicina Baseada em Evidências e Edwin Gale falou sobre a utilização dela inapropriadamente por Sociedades Médicas em UNISIMERS.


Segundo o UpToDate,
The role of  radiofrequency catheter ablation (RFA) in the management of patients with AF has not been well defined. The potential benefits of successful RFA include the lessening of symptoms in patients who remain symptomatic with either a rate or a rhythm control strategy and the elimination of the potential complications of long-term antiarrhythmic drug therapy in patients whose symptoms are controlled. The potential role of RFA as a primary treatment of symptomatic AF is under investigation. Death occurred in 1 of 1000 patients (32 deaths during 45,115 procedures in 32,569 patients). The leading causes of death were cardiac tamponade (n = 8, 25 percent), stroke (n = 5, 16 percent), and atrioesophageal fistula (n = 5, 16 percent). Other causes included pneumonia, pulmonary vein perforation, and sepsis.
 O mesmo UpTpDate tem um capítulo onde se direciona a pacientes e familiares. Veja só:
Patient information: Atrial fibrillation

Radiofrequency ablation is a procedure that can sometimes cure atrial fibrillation. The technique, however, is still evolving, and there is a small but real risk of serious complications, even with an experienced physician.
Fazendo uma busca rápida no Pubmed, encontramos:

Can J Cardiol. 2011 Jan-Feb;27(1):60-6. Canadian Cardiovascular Society atrial fibrillation guidelines 2010: catheter ablation for atrial fibrillation. Verma A, Macle L, Cox J, Skanes AC; CCS Atrial Fibrillation Guidelines Committee.
Catheter ablation of atrial fibrillation (AF) offers a promising treatment for the maintenance of sinus rhythm in patients for whom a rhythm control strategy is desired. Successful ablation of AF has never been shown to alter mortality or obviate the need for oral anticoagulation; thus, the primary indication for this procedure should be improvement of symptoms caused by AF. Ablation is also associated with a complication rate of 2%-3%. Thus, ablation should primarily be used as a second-line therapy after failure of antiarrhythmic drugs.
Dtsch Med Wochenschr. 2010 Mar;135 Suppl 2:S48-54. Epub 2010 Mar 10. Interventional therapy of atrial fibrillation: possibilities and limitations. Willems S, Drewitz I, Steven D, Hoffmann BA, Meinertz T, Rostock T.
Recently, significant progress has been made treating atrial fibrillation (AF) with catheter ablation emerging as an increasingly important technique. Therefore, catheter ablation for persistent AF cannot yet be considered "clinically established" and should only be performed in high volume centers. Additional data is needed to verify the beneficial effect of this strategy and determine "predictors" identifying patients profiting most from these ablation strategies. Overall, catheter ablation for AF has still to be considered as a symptomatic treatment since evidence for beneficial effects with regard to more robust clinical endpoints such as death, rehospitalization and ischemic cerebral events are not yet available.
Deste, somente o título me basta, até porque o artigo é em russo:

Kardiologiia. 2011;51(2):89-96. Catheter ablation for atrial fibrillation: clinically established or still an experimental method. Willems S, Hoffmann B, Steven D, Drewitz I, Servatius H, Rostock T.

Na campanha da SOBAC, citam as Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial. Vamos a ela então:

- Praticamente todos os autores e colaboradores declaram ausência de conflitos de interesse;

- “A prevalência de FA na população geral é estimada entre 0,4% e 1%, aumentando substancialmente com a idade. Na figura 3, observa-se que a prevalência de FA em pacientes com menos de 60 anos é inferior a 0,1%, ao passo que nos acima dos 80 anos sua prevalência é de 8%”;

- “O controle da freqüência cardíaca (FC) no paciente em FA constitui, geralmente, a primeira ação de tratamento, tanto em situações agudas, na emergência, como em casos crônicos. Esse controle visa principalmente a melhora de sintomas, promovendo bem estar e melhora da qualidade de vida (QV)”;

- “O uso de drogas antiarrítmicas para controle do ritmo é geralmente o tratamento de escolha em pacientes com FA há várias décadas. A limitada eficácia dessas drogas e seus efeitos tóxicos, às vezes fatais, demonstrados com o passar do tempo, estimulou a utilização da estratégia de controle da FC como opção terapêutica. Estudos recentes, envolvendo mais de 5000 pacientes, demonstraram que o controle da FC foi ao menos tão bom quanto o controle do ritmo nos pacientes com FA persistente. Meta-análise de quatro principais estudos (PIAF, AFFIRM, RACE e STAF) demonstrou que, em pacientes predominantemente idosos e com FA persistente, não havia diferenças entre as estratégias de controle de ritmo ou de FC em relação à mortalidade total e taxa de AVE isquêmico. Nos pacientes estudados, que, em geral, apresentavam risco aumentado para eventos trombo-embólicos, a anticoagulação oral adequada era a principal estratégia a ser mantida, a despeito da manutenção do ritmo sinusal ou apenas do controle da FC. Não houve diferença em relação a surgimento ou agravamento de IC com controle de FC versus controle do ritmo, nos principais estudos. Digno de nota, o estudo AFCHF demonstrou que, em pacientes com FA e insuficiência cardíaca, o controle da freqüência não foi inferior ao controle do ritmo. Assim, os resultados desses estudos sugerem que o controle da FC associada à anticoagulação se constitui em boa opção terapêutica em pacientes idosos, com FA persistente, oligossintomáticos ou assintomáticos, com risco aumentado de fenômenos trombo-embólicos e também naqueles com insuficiência cardíaca”.

- “Apesar da ablação da FA para manutenção do ritmo sinusal ser extremamente promissora, sua eficácia em longo prazo ainda não foi definida”.

- “Recomendações de ablação na FA (Classe I): FA sintomática em paciente jovem com coração estruturalmente normal sem resposta ou com efeitos colaterais pelo uso de pelo menos 2 drogas antiarrítmicas na ausência de condições metabólicas potencialmente correlacionadas à arritmia”.

Todos nós queremos reduzir complicações de arritmias, mas é o tom dado pela SOBRAC o tom ideal? Por que não educar pacientes e familiares para a difícil tarefa de anticoagular, ao invés de estimular a via da “terapia pontual e mágica”, para ser feita em 3D, agora que é moda no cinema?

Quem estuda aderência ou simplesmente não ignora aspectos do cotidiano da prática médica sabe como é difícil manter pacientes em tratamentos crônicos e como isto é atrapalhado pelas soluções milagrosas do Dr. Google.

3 comentários:

  1. Em um tom mais adequado: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&section=Segundo%20Caderno&newsID=a3454899.xml. Interessante é que médicos chancelam a iniciativa sobre FA e "leigos" esta daqui.

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  2. Em Veja recente, há PROPAGANDA do hospital Albert Einstein onde discutem AVC. Comentam sobre a fibrilação atrial, destacando o avanço na prevenção por anticoagulantes que não necessitam de controle (sem citar nomes comerciais), não citam a ablação e enfatizam muito investir em qualidade de vida. Parabéns ao Einstein! Aparentemente hospital está fazendo melhor que a mídia, que por sua vez parece superar os próprios médicos na qualidade da informação.

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  3. A Patient-Centered Approach to Atrial Fibrillation-Related Stroke: http://www.medscape.org/viewarticle/748224?src=stfb

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